Como a presidente do México se prepara para as promessas de Trump sobre imigração e drogas?
17:54 | Nov. 30, 2024
A vitória de Donald Trump para um segundo mandato e a recente posse de Claudia Sheinbaum inauguram uma nova fase na complexa relação entre Estados Unidos e México. De um lado, Trump volta à Casa Branca após uma campanha com uma retórica ainda mais incisiva em relação ao país vizinho. De outro, Sheinbaum assume a liderança do México ecoando o discurso nacionalista de seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador, mas com um tom mais assertivo.
Poucos países deverão ser tão afetados pelo resultado das eleições americanas quanto o de Sheinbaum. Parte dos 312 votos do colégio eleitoral americano que deram o triunfo a Trump foram conquistados a partir das inúmeras promessas do republicano em relação ao México, sobretudo no que diz respeito à migração.
Trump diz que irá terminar a construção do muro na fronteira e fala em detenção e deportação em massa de migrantes - quase metade dos estimados 11 milhões de pessoas vivendo ilegalmente nos Estados Unidos são mexicanos. Além disso, na última segunda-feira, 25, ele prometeu uma tarifa de 25% ao México, bem como ao Canadá, até que as drogas e os migrantes parassem de atravessar as fronteiras.
Em resposta à ameaça de tarifas de Trump, Sheinbaum sugeriu na terça-feira, 26, que o México poderia retaliar com suas próprias tarifas e disse que estava disposta a conversar sobre essas questões, mas que, segundo ela, as drogas eram um problema dos EUA.
"Uma tarifa seria seguida por outra em resposta, e assim por diante até colocarmos em risco negócios comuns", disse Sheinbaum, referindo-se às montadoras dos EUA que têm fábricas em ambos os lados da fronteira.
A resposta ríspida de Sheinbaum indica que o republicano possa ter de lidar nos próximos quatro anos com uma liderança no México menos disposta ao apaziguamento, diferentemente de López Obrador, com quem Trump desenvolveu um relacionamento amigável.
Um dia após a vitória de Trump, a reação imediata de Sheinbaum ao resultado eleitoral já deu sinais da postura que seria adotada pelo México: "Não há motivo para preocupação ( ) O México será sempre um país independente e soberano. Haverá um bom relacionamento. Não competimos entre nós, nos complementamos ( ) Há muita unidade e muita força na economia mexicana", disse a presidente mexicana, no dia 6 de novembro.
Não foi exatamente a soberania mexicana que prevaleceu no primeiro mandato de Trump. Quando ele ocupou a Casa Branca pela primeira vez, ameaças de tarifas sobre produtos mexicanos e a implementação do programa "Remain in Mexico" forçaram a parceria pragmática do lado de López Obrador que, tentando evitar confrontos, cedeu a diversas demandas americanas, aceitando, por exemplo, o programa que impôs que migrantes fossem enviados de volta ao México enquanto aguardavam decisões de asilo nos EUA.
Sheinbaum agora afirma que "não há subordinação", mas não está claro o quanto a presidente mexicana irá resistir. Trump disse na quarta-feira, 27, que Sheinbaum havia concordado em "parar" a migração durante uma conversa entre os dois, "fechando efetivamente" a fronteira entre seus países. A mexicana, por sua vez, confirmou que conversou com Trump, mas rebateu as afirmações sobre o fechamento de fronteiras, afirmando que a posição do México é " de não fechar".
Especialistas temem que o México tenha pouco espaço para negociação diante de uma ameaça tarifária em um momento em que a economia do país latino está desacelerando.
Cerca de 80% dos produtos mexicanos são exportados para os Estados Unidos. De acordo com o think tank Capital Economics, uma tarifa de 10% sobre produtos importados do México significaria uma redução de 1,5% no PIB mexicano.
"O México provavelmente não tem outra alternativa senão aceitar o Remain in México", diz Ana Covarrubias Velasco, membro do Centro de Estudos Internacionais do Colégio del México (Colmex), sobre o programa de Trump que exige que solicitantes de asilo nos EUA aguardassem no México enquanto seus casos eram processados.
"Teria de ser adotada uma estratégia de negociação muito agressiva para conseguir que Trump repatriasse os migrantes para os seus países de origem, ou para conseguir que os Estados Unidos fornecessem os recursos e o México deportasse os migrantes para os seus países de origem", sugere a especialista.
Na última quinta-feira, 21, relatou a agência Reuters, Sheinbaum afirmou que já tem um plano para receber os mexicanos deportados, mas que quer apresentar a Trump uma "abordagem humanista" e mostrar ao governo republicano que as deportações em massa não eram necessárias, enfatizando a importância dos mexicanos nos EUA, incluindo para a economia.
"Receberemos mexicanos e temos um plano para isso, mas antes disso, vamos trabalhar para demonstrar que eles não precisam deportar nossos compatriotas que estão do outro lado da fronteira", disse Sheinbaum. "Pelo contrário, eles até beneficiam a economia dos Estados Unidos."
Expectativa de cooperação no combate ao narcotráfico
A repressão à imigração respinga diretamente no combate ao narcotráfico. Na desafiadora travessia pela fronteira sul, cartéis mexicanos "lucram" cobrando taxas de coiotes e tornam a migração ainda mais perigosa, sequestrando migrantes em troca de resgate.
Em meio à epidemia dos opioides que assombra os Estados Unidos, Trump tem uma retórica notoriamente agressiva em relação ao narcotráfico. O republicano já fez declarações no passado sobre designar os carteis como organizações terroristas, o que permitiria ações mais invasivas no território mexicano.
Tom Homan, o homem que Trump indicou como o "czar da fronteira" disse em uma entrevista na Fox News que o novo governo usará "o poder total das operações especiais dos Estados Unidos para eliminá-los".
Tal como o seu antecessor, Sheinbaum nunca aceitaria que as forças dos EUA operassem de forma independente em solo mexicano. Mas ela parece estar sutilmente se distanciando da postura de López Obrador de não enfrentar os cartéis, e dá sinais que pode empreender mais esforços na luta contra o tráfico de drogas.
Sheinbaum já revelou que pretende profissionalizar a Guarda Nacional, fortalecer as capacidades de inteligência e investigação e aumentar a coordenação entre as autoridades estaduais e nacionais. Alguns resultados já são claros: em um mês com o novo governo, o México apreendeu mais de 390 mil comprimidos de fentanil - um crescimento exponencial se comparado com a média de 50 gramas confiscados por semana em 2020, segundo a Associated Press.
Para James Gerber, pesquisador no Centro para os Estados Unidos e México, essa é área onde pode prevalecer uma cooperação muito maior entre Sheinbaum e Trump
"Com base em seu tempo como prefeita da Cidade do México, Sheinbaum está mais disposta a trabalhar com agências de inteligência dos EUA para tentar suprimir fluxos de drogas e violência de cartéis", diz Gerber. "Isso seria positivo para o relacionamento bilateral e pode dar a ela mais espaço para manobrar em outras questões, como migração e comércio."
Nesse sentido, também cabe o interesse de Sheinbaum em cooperar porque o uso da força militar americana contra cartéis de drogas mexicanos seria totalmente corrosivo para as relações bilaterais. "Tal movimento colocaria as relações bilaterais na pior situação possível e complicaria ou encerraria todas as outras tentativas de cooperação", diz Gerber.
Renovação do USMCA em vista
Com o avanço da administração Trump, a renovação do USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá) será uma questão crítica nas relações entre os dois países. Durante a renegociação do NAFTA, que resultou no USMCA, Trump pressionou por mudanças significativas, muitas das quais foram apresentadas como vitórias por sua administração, mas com impactos superficiais. Agora, com a revisão do acordo prevista para 2026, a preocupação é que Trump busque modificações mais profundas que possam prejudicar a economia mexicana.
Sob a liderança de Sheinbaum, o México tem se preparado para essa nova fase, sabendo que qualquer reavaliação do USMCA terá grandes implicações para seu setor industrial, especialmente na indústria automobilística, um dos pilares do comércio entre os países. Segundo Gerber "a proximidade dos dois países e o tamanho de suas economias tornam o comércio bilateral inevitável para ambos".
Contudo, o pesquisador alerta que "se Trump impuser níveis draconianos de tarifas, haverá uma reação significativa nos Estados Unidos, já que muitas empresas dependem de importações mexicanas e enviam suas exportações para lá."
O governo de Sheinbaum provavelmente buscará equilibrar a necessidade de proteger os interesses comerciais do México com a complexa dependência econômica do país em relação aos Estados Unidos.
Em questões como a indústria automobilística e a agricultura, a pressão para manter o fluxo comercial e a competitividade de suas exportações será fundamental. Para Ana Velasco, "a redução da dependência comercial do México em relação aos Estados Unidos nunca foi alcançada, e agora o discurso é fortalecer a região norte-americana e aceitar o nearshoring".
Por outro lado, o México já introduziu alterações em sua Constituição que podem ser usadas por Trump como um argumento para exigir renegociações. Essas modificações, que visam a flexibilização de políticas internas em setores estratégicos, como energia, podem ser um ponto de tensão, especialmente se Trump tentar usar isso como base para mudanças no USMCA.
A relação bilateral se complicará ainda mais se Trump decidir explorar questões como as tarifas sobre importações chinesas, o que poderia impactar negativamente as cadeias de suprimentos e obrigar o México a se alinhar com os interesses americanos de forma mais direta. "A estratégia de Sheinbaum tem que ser negociar cada uma dessas questões, provavelmente longe dos olhos do público", sugere Gerber.
Ana Covarrubias reforça que "em vez de procurar alternativas para reduzir a dependência do México, acredito que a estratégia será a negociação para evitar um golpe comercial devido a questões como a migração e o tráfico de drogas. Tanto os Estados Unidos como o México beneficiam de uma menor gestão do problema da imigração e da segurança; a chave da questão é como isso será alcançado, no caso mexicano, sem chegar à submissão grosseira aos Estados Unidos."