Netanyahu seria preso na Alemanha? O dilema entre apoiar TPI ou Israel
Governo alemão diz que "examina" resposta ao mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional contra Netanyahu. Berlim está dividida entre responsabilidade histórica com Israel e o direito internacionalO governo alemão, agora minoritário, formado pelo Partido Social Democrata (SPD) e pelos Verdes, definitivamente preferiria evitar a questão, por mais previsível que tenha sido: o Tribunal Penal Internacional(TPI), com sede em Haia, emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa Yoav Gallant. Enquanto países europeus como Holanda e Irlanda foram claros em afirmar que pretendiam cumprir os mandados, o governo alemão hesitou em dar uma resposta. Na semana passada, o TPI disse ter encontrado evidências suficientes de que ambos foram cúmplices de crimes contra a humanidade e crimes de guerra como parte da ofensiva contínua de Israel em Gaza. A campanha militar começou após o ataque do grupo extremista palestino Hamas, baseado em Gaza, em 7 de outubro de 2023, contra Israel. Um mandado de prisão também foi emitido para o líder militar do Hamas, Mohammed Deif, com as mesmas acusações, embora Israel diga que matou Deif em julho. Israel afirmou ao TPI que vai recorrer dos mandados de prisão, de acordo com comunicado divulgado na quarta-feira (27/11) pelo gabinete do premiê. Entre o apoio ao TPI e a responsabilidade histórica com Israel A Alemanha é considerada um dos maiores apoiadores do TPI, que iniciou suas atividades em julho de 2002 e é apoiado por 124 países. No entanto, esse número não inclui nações de peso nas negociações globais, como os Estados Unidos e a Rússia. O que é crucial na atual circunstância é que o tribunal não tem meios de executar os mandados de prisão. Os Estados membros – incluindo a Alemanha – são formalmente obrigados a levar as pessoas procuradas sob custódia caso elas cruzem suas fronteiras. Em outras palavras, se Netanyahu for à Alemanha, ele terá que ser preso. Ou não? Ao mesmo tempo, pesa para a Alemanha a sua responsabilidade histórica em relação a Israel, que já foi caracterizada pelo governo alemão como uma "razão de Estado". É por isso que as reações de autoridades alemãs à decisão em Haia foram mistas. Durante a conferência climática em Baku, em entrevista para a emissora ARD, a Ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock (Verdes), foi a primeira a reagir: "Cumprimos a lei em nível nacional, europeu e internacional", garantiu. "E é por isso que agora estamos examinando exatamente o que isso significa para nós em termos de sua aplicação internacional", ponderou. Pouco tempo depois, o governo alemão emitiu um comunicado à imprensa, em que diz: "O governo alemão reconheceu a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) de solicitar mandados de prisão para o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant." Assim como na declaração de Baerbock, a palavra "exame" também apareceu no comunicado oficial, que continua dizendo: "Outras medidas serão tomadas somente quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant visitarem a Alemanha." Não há planos iminentes para uma visita de Netanyahu Netanyahu esteve na Alemanha pela última vez há cerca de um ano e meio. E na sexta-feira passada (22/11), outros membros do governo alemão enfatizaram, quase com alívio, que não há previsão para uma visita do premiê. A última vez que o chefe de governo de Israel esteve em Berlim para conversas políticas foi em março de 2023, seis meses antes do ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro. A União Europeia, assim como os EUA e outros países, classificam o grupo como uma organização terrorista. Israel é um dos dez países com os quais a Alemanha mantém consultas intergovernamentais – reuniões em que todos os membros do gabinete de cada país se encontram. O objetivo é enfatizar a relação bilateral especial entre as partes. A primeira reunião desse tipo ocorreu em Jerusalém em 2008, sob o comando da então chanceler Angela Merkel (CDU), e a última foi em outubro de 2018. Porta-voz do governo considera prisão improvável Como o governo alemão pretende lidar com o conflito entre a decisão do TPI e a demonstração de solidariedade a Israel? Isso é o que muitos jornalistas queriam saber em uma recente coletiva de imprensa em Berlim. A uma das perguntas, o porta-voz do governo, Steffen Hebestreit, respondeu: "Por um lado, há a importância do Tribunal Penal Internacional, que apoiamos fortemente, e, por outro lado, há a responsabilidade histórica que você mencionou. Essa declaração deve ser considerada à luz desses dois pontos. Eu estaria inclinado a dizer que tenho dificuldade em imaginar que faríamos prisões na Alemanha com base nisso". Enquanto o governo federal se esforça para encontrar uma posição clara entre seu apoio a Israel e seu apoio ao TPI, outros políticos alemães têm tido menos escrúpulos. Por exemplo, Boris Rhein (CDU), que chefia o governo do estado alemão de Hesse, chamou os mandados de prisão de "absurdos" na sexta-feira. Rhein acrescentou que Israel está em guerra há mais de um ano, uma guerra que a organização terrorista Hamas desencadeou com seu ataque a cidadãos inocentes. "Para mim, está completamente fora de questão que um primeiro-ministro democraticamente eleito de Israel seja preso em solo alemão por defender seu país contra terroristas", disse Rhein. Mas Rhein também sabe que atualmente é difícil imaginar Netanyahu visitando a Alemanha. Qual é o papel do Tribunal Penal Internacional? Em caso de crimes de guerra e contra a humanidade, cabe aos tribunais nacionais a aplicação da assim chamada jurisdição universal, cujo âmbito, porém, é limitado. Quando eventuais atrocidades não são levadas à Justiça internamente, o TPI é o único órgão jurídico internacional capaz de apresentar acusações. Inaugurado em Haia em 2002, ele é o tribunal mundial permanente para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Sua jurisdição abrange crimes cometidos pelos seus 124 Estados-membros e seus respectivos cidadãos. Mas muitas das principais potências mundiais não o integram, como China, Estados Unidos, Rússia, Índia e Egito. O TPI reconhece a Palestina como Estado-membro, enquanto Israel rejeita a jurisdição do tribunal e não se envolve formalmente com ele. Em março de 2023, o TPI expediu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, com base em suspeitas de que o presidente russo seria responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças da Ucrânia. O mandado contribuiu para a redução das viagens de Putin ao exterior. Ainda que decretado pelos juízes, o mandado de prisão não é um veredito, mas é um sinal de que o TPI leva a sério as acusações contra um indivíduo a ponto de investigá-lo. De acordo com seu próprio portal de internet, o TPI somente emite mandados de prisão se os juízes julgarem necessário para assegurar que a pessoa vai comparecer ao julgamento. O mandado também pode ser emitido para evitar que o acusado atrapalhe a investigação ou o processo, e que cometa novos crimes. Todos os 124 países signatários do tribunal são obrigados a prender as pessoas procuradas que entrarem em seus territórios e entregá-las à Corte. Mas nem sempre isso acontece. Em 2015, o então líder sudanês Omar Al-Bashir visitou a África do Sul - país-membro do TPI- sem problemas mesmo com um mandado de prisão pelo tribunal. Em 2024, foi a vez de Putin visitar a Mongólia - outro membro do TPI - sem ser incomodado. Autor: Jens Thurau
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