Mujica, 'principal estrategista' da campanha da esquerda para o segundo turno no Uruguai
14:49 | Nov. 22, 2024
O ex-presidente uruguaio José Mujica, referência mundial da esquerda, entrou em cena para pedir votos para seu afilhado político, Yamandú Orsi, no segundo turno das eleições presidenciais, no próximo domingo, em uma nova "jogada" como "estrategista principal" de sua campanha, segundo analistas.
Aos 89 anos e recuperando-se de um câncer no esôfago, o ex-guerrilheiro apelou à sua aura de sábio ancião para impulsionar o candidato da esquerdista Frente Ampla, com quem a maior força opositora do país espera voltar ao poder perdido em 2020, após 15 anos no governo.
"Mujica é uma figura provocativa, disruptiva, que sempre tem falas destemperadas, mas além disso agora se soma, de certa forma, uma narrativa de que, apesar de estar doente, está dando tudo para a vitória de Orsi", disse à AFP o sociólogo Eduardo Bottinelli, diretor da consultoria Factum.
O ex-presidente (2010-2015) já tinha feito campanha para a Frente Ampla no primeiro turno, em 27 de outubro, quando Orsi foi o mais votado, com 43,9% dos votos, mas longe de superar os 50% necessários para vencer.
"Temos que sair deste poço", urgiu Mujica em um comentado spot publicitário no qual, sem sua dentadura e muito abatido, disse que estava se "despedindo da vida".
Ele também comoveu muita gente ao aparecer no ato final do Movimento de Participação Popular (MPP), principal braço da Frente Ampla, que Mujica lidera e no qual foi costurada a candidatura de Orsi. "Eu lhes dou meu coração", disse na ocasião.
Agora, na contagem regressiva para um segundo turno disputado entre Orsi e o candidato governista, Alvaro Delgado, Mujica tem concedido entrevistas consecutivas e percorre Montevidéu e o departamento de Canelones, onde se concentra a maioria dos 3,4 milhões de habitantes do país.
Para o cientista político Alejandro Guedes, Mujica cumpre o papel de "estrategista principal" da campanha de Orsi, e sua aparição atual apesar de seu frágil estado de saúde e problemas de mobilidade se deve a ter identificado "uma vulnerabilidade no candidato que escolheu".
"É produto da necessidade", explicou à AFP, ao assinalar que, embora as pesquisas mostrem certa vantagem de Orsi sobre Delgado, também indicam "um encurtamento da brecha" entre ambos.
"Se houvesse uma vantagem maior (de Orsi), eu não veria necessidade de Mujica estar saindo para ser protagonista quando sua situação de saúde é bastante delicada", opinou Guedes.
- "Jogada" -
Nos últimos dias, Mujica criticou o governo de centro direita do presidente Luis Lacalle Pou, questionou a "concorrência desleal" dos grandes supermercados frente aos mercadinhos de bairro, defendeu a agricultura familiar e um forte papel do Estado para garantir a justiça social.
Ele também falou sobre o sentido da vida e a iminência da morte, e condenou o "consumo abominável".
"Porque quanto mais você tem, menos feliz você é", disse ao jornal espanhol El País.
"Uma coisa é trabalhar para viver e outra é viver para trabalhar", advertiu no sábado em Los Cerrillos, 45 km ao norte de Montevidéu.
Ali, ele admitiu ter sonhado, "como muitos outros, com muito mais do que pude realizar", mas se alegrou de que "ainda haja gente lutando".
"O passado se foi e é irremediável, o que resta é o amanhã", disse, em uma espécie de despedida.
Mujica abraçou a democracia após se levantar em armas contra o Estado na década de 1960 e passar 14 anos na prisão, a maior parte durante a última ditadura (1971-1985).
Em visitas e entrevistas, ele também enalteceu seu estilo de vida austero, que lhe rendeu no passado a alcunha de "presidente mais pobre do mundo".
Mordaz, criticou os políticos, os quais "gostam muito de dinheiro", tachando-os de "miseráveis", e alfinetou Lacalle Pou por ter comprado "uma moto de 50.000 dólares" (cerca de R$ 300 mil), e ter "duas caminhonetes".
"Eu sei que o que estou dizendo soa mal e dói. Azar. Com quase 90 anos, ganhei o direito de dizer sinceramente o que penso", disse na terça-feira em um clube de Montevidéu, arrancando fortes aplausos.
Segundo os analistas, Mujica se dirigiu a eleitores descrentes da política. "É um aceno a esse eleitorado", disse Guedes.
"Mujica tem entrada nestes setores menos politizados e nos mais jovens, e busca aproximá-los da possibilidade de votar em Orsi", afirmou Botinelli. "A jogada vem por aí".
Na quinta-feira, depois de Lacalle Pou pedir calma e de o próprio Orsi se distanciar de seu mentor, Mujica pediu "desculpas ao povo uruguaio" por suas falas sobre o presidente.
"Não pelo conteúdo, assino embaixo do conteúdo. [Mas] pela forma. Não é o momento de dizer isso", declarou.
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