Uma lei para 'assassinos': o lamento das vítimas de militares no Peru
Diante de um monumento das vítimas do conflito interno no Peru, Gladys Rubina lamenta a falta da irmã, que morreu em um massacre perpetrado por militares em 1991. Ela acredita que o Estado, devido a uma lei controversa, acabou cedendo uma "nova oportunidade" para "os assassinos".
A mesma ira, somada ao sentimento de desamparo social, é vivenciada por outras famílias de civis assassinados por militares em sua luta contra as guerrilhas da esquerda radical, após a recente promulgação de uma lei que prescreve os crimes contra a humanidade cometidos antes de 2002.
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Muito questionada pela ONU e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, a legislação anula automaticamente cerca de 600 processos que envolvem agentes do Estado.
Também beneficiará o ex-presidente Alberto Fujimori, que estava preso há 16 anos condenado por violações dos direitos humanos antes que fosse indultado por razões humanitárias em dezembro de 2023.
No entanto, não houve protestos no país ou grandes reações à lei promovida pelas forças conservadoras no Congresso e endossada pela presidente Dina Boluarte.
O conflito interno ou "guerra contra o terrorismo", como foi denominada oficialmente, deixou mais de 69.000 mortos e 21.000 desaparecidos entre 1980-2000, a grande maioria civis, de acordo com uma comissão da verdade.
Para o promotor de lei, o deputado Fernando Rospigliosi, o Congresso corrigiu uma injustiça com "militares e policiais" sendo perseguidos judicialmente "por supostos crimes cometidos há 30 ou 40 anos", o que segundo ele "é ilegal porque no Peru os crimes expiram em máximo de 20 anos".
De acordo com a nova lei, "ninguém será processado, condenado ou sancionado por crimes contra a humanidade ou crimes de guerra, por atos cometidos antes de 1º de julho de 2002", quando o Peru aderiu ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que declara estes tipos de crimes como "imprescritíveis".
Glória Cano, advogada das vítimas, acredita que com esta lei não só serão arquivados os processos em curso, como poderão ser anuladas "as condenações que foram executadas em consequência da tipificação de crimes contra a humanidade".
- "Uma piada" -
Dois casos emblemáticos de crimes contra a humanidade caminham para o esquecimento judicial: os massacres cometidos pelo grupo militar Colina em Barrios Altos e La Cantuta, que deixaram 25 mortos.
Gladys Rubina, de 50 anos, perdeu sua irmã Nelly, 16 anos, no primeiro massacre. Em 3 de novembro de 1991, seis militares encapuzados invadiram uma casa onde acontecia uma festa em busca de suspeitos. O incidente deixou 15 mortos, incluindo uma criança, e quatro feridos. Nenhum deles pertencia a grupos armados, segundo investigações.
"Estou indignada, é uma piada conosco, eles dão uma nova oportunidade aos assassinos de nossos familiares", diz Gladys mostrando uma foto de sua irmã em seu colar.
Em 18 de julho de 1992, nove estudantes e um professor da Universidade La Cantuta, em Lima, foram sequestrados, executados e incinerados pelo grupo Colina que invadiu o campus.
Enrique Ortiz foi uma das vítimas. Ele tinha 20 anos e estudava Educação Física.
"Há mais de 30 anos os familiares do caso Cantuta insistem que seja exercido o direito de saber quem é o responsável e punir os culpados do crime", afirma sua irmã Gisela, de 52 anos, condenando a "injustiça" da lei.
O sistema de justiça peruano determinou que as 25 vítimas eram civis sem vínculos com a guerrilha. Alguns soldados foram condenados e presos, mas outros fugiram.
Fujimori foi condenado a 25 anos de reclusão por ambos os massacres. Após sua libertação por razões humanitárias, ele responde por outro caso que também envolve o grupo Colina.