Jogo do Tigrinho: como países regulamentam o mercado de apostas online

Jogos de caça-níquel online, como o Jogo do Tigrinho, são permitidos em diversos países, mas legislações criam mecanismos para proteção dos jogadores
Autor DW Tipo Notícia

Malta, um pequeno país europeu ao sul da Itália, é a casa da empresa responsável por desenvolver o jogo de caça-níquel online conhecido como "Jogo do Tigrinho", a PG Soft. A provedora se soma a uma centena de plataformas de apostas digitais que também escolheram a ilha maltesa para instalar uma operação massiva de distribuição de jogos de cassino online.

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Segundo a Autoridade Reguladora de Jogos de Malta (MGA), 150 licenças foram distribuídas no país entre 2020 e 2022. A popularidade dos jogos de cassino online aumenta a cada ano na Europa – e não só em Malta.

Diferentemente do Brasil, porém, esses games não dependem de um mercado paralelo para crescer, ainda que existam provedoras que atuem de forma ilegal. Sem uma regra supranacional para o tema, diversos países criaram um arcabouço legal próprio e licenciaram a exploração do mercado para empresas privadas.

Na maioria dos países, as apostas esportivas são permitidas, enquanto a operação do caça-níquel virtual, chamado de "slot”, depende da jurisdição. Mas as restrições não impedem as plataformas de se instalarem e multiplicarem seus ganhos.

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Somente o mercado europeu de apostas em cassinos online deve atingir 19 bilhões de euros em 2027, segundo a Associação Europeia de Jogos e Apostas (EGBA). Se considerado também outros modelos de apostas em sites, como as esportivas, loterias e jogos de chance, as receitas podem chegar a 54,3 bilhões de euros.

Os games de caça-níquel online também encontram um ambiente fértil para crescer em Curaçao, Gibraltar e nos Estados Unidos. A argumentação dos legisladores é que a regulamentação traz ganhos fiscais e permite um maior controle sobre a atividade, mas depende de fiscalização para impedir a proliferação deproblemas como vício, dívida, lavagem de dinheiro e fraude.

Algumas legislações já consideram que pode haver esses tipos de problemas ao instituir barreiras e regras de compliance. Em alguns países, os apostadores podem se inscrever em ferramentas que os proíbem de acessar a plataforma depois de determinado tempo, por exemplo. Em outros, os provedores são obrigados a apresentar ao jogador a possibilidade de definir um limite de depósitos ou de perdas.

Mesmo essas estratégias não conseguem, sozinhas, impedir o vício de alguns jogadores. Como mostrou um relatório apresentado pelo comissário federal da Alemanha para Toxicodependência e Drogas, Burkhard Blienert, em 2023, 30% dos adultos alemães apostam em jogos de azar, sendo que 7,7% destes sofrem com problemas financeiros, sociais ou de saúde associados à jogatina.

Como funciona a regulamentação em alguns lugares:

Europa

No continente europeu, 27 países possuem alguma forma de licenciamento para apostas online. A maior parte deles tem regras semelhantes para verificar a identidade dos jogadores e para coibir a lavagem de dinheiro, mas o grau de rigidez muda. A idade mínima para apostar, por exemplo, pode variar entre 18 a 25 anos de acordo com o tipo de jogo.

Estudo encomendado pela EGBA mostra ainda que 11 países obrigam as provedoras a apresentarem contatos para linhas de ajuda e centros de tratamento para clientes. Ao menos 16 países possuem agências próprias de regulamentação, que fiscalizam a implementação das regras e podem revogar licenças. Apesar dos avanços locais, a Europa não está imune à operação ilegal.

Em alguns casos, provedoras sediadas num país avançam sobre mercados estrangeiros onde não possuem autorização para operar – problema semelhante ao que acontece no Brasil. Em abril, por exemplo, o Ministério Público da Ucrânia bloqueou mais de 2,5 mil sites que operavam sem permissão.

Na França, o cassino online é banido, mas mesmo assim responde por 13% das receitas do mercado de jogos digitais, segundo dados da EGBA. O cenário é similar no Chipre, que proíbe o caça-níquel e o pôquer virtual, mas vê esses produtos ocuparem 21% dos ganhos da área.

A facilidade para criar contas anônimas, transferir fundos, coordenar apostas e usar o sistema online para lavagem de dinheiro também leva os países a pressionarem por uma maior cooperação transnacional.

A Comissão Europeia, porém, rejeitou pedidos dos membros para reinstalar um Grupo de Especialistas em Apostas online, cuja última reunião aconteceu em 2018. No ano anterior, a Comissão ainda disse não ser "prioridade” e encerrou todos os procedimentos sobre infrações e tratamento de reclamações contra Estados-Membros na área dos jogos de azar.

Por outro lado, incentivou os países a modernizarem seus marcos legais. Em 2021, o grupo lançou uma série de recomendações não vinculativas para a auditoria dos serviços de jogos de azar e cooperação transnacional. A Alemanha regulou seu mercado neste processo, com lei sancionada em 2021. O país criou uma agência de fiscalização nacional e permitiu a operação de jogos de azar, incluindo o modelo de cassino online, que antes era proibido. Desde então, diversas empresas obtiveram licença para distribuir apostas no ambiente digital. Somente no modelo de slots, são 39 autorizações concedidas.

Na Bélgica, na Dinamarca e na Estônia, as apostas online também são autorizadas, desde que as operadoras tenham algum tipo de vínculo com o país. Na Grécia, provedoras estrangeiras podem obter licença para atuação. Na Áustria e na Polônia, o Estado possui algum grau de monopólio do mercado.

Malta

Já Malta foi pioneiro nessa regulamentação quando criou sua Autoridade de Jogos, já em 2001, e instituiu a "Lei do Jogo", em 2018. Uma nova empresa pode conseguir uma licença para operar no país em apenas duas semanas, mas precisa preencher uma série de regras.

As normas criam um arcabouço para que os jogos de azar "sejam livres de crimes e não sejam utilizados como fonte ou instrumento de crimes", diz o texto. A lei também estabelece parâmetros para proteger pessoas vulneráveis, a fim de minimizar riscos para a saúde, e obriga as empresas a passar por auditorias. As penalidades podem variar de 10 mil a 1 milhão de euros, e existe previsão para prisão de até seis anos em alguns casos.

É considerado crime, por exemplo, operar sem licença, atrapalhar investigação policial ou mesmo não pagar os jogadores quando houver obrigação de transferência dos valores. Ainda assim, os impostos para a operação no país são considerados baixos, de 5%, o que atrai investidores.

Curaçao

Diferente de Malta, Curaçao, país insular próximo à Venezuela, está na "lista cinza" dos paraísos fiscais feita pela União Europeia, o que indica que possui compromissos pendentes na área de cooperação fiscal. No setor de jogos online, isso costumava se traduzir numa legislação flexível e um licenciamento massivo para a operação de apostas digitais, o que colocava o país na liderança global do setor. Mas Curaçao aprovou um novo regramento para coibir o uso das apostas online para lavagem de dinheiro.

Segundo a Autoridade de Jogos de Curaçao, a nova legislação alinha o país aos parâmetros internacionais. A partir de setembro, as empresas precisam apresentar protocolos de análise para verificar a idoneidade dos consumidores, a chamada Due Diligence, que deve ser feita assim que um novo consumidor cria uma conta. É proibida a criação de contas anônimas, e, quanto maior o valor da aposta, mais dados o jogador deve apresentar às autoridades, como endereço, nacionalidade e documentos de identidade.

Os cassinos online também são obrigados a reportar transações que fogem do comum às autoridades, e apontar um funcionário de alto escalão responsável por implementar políticas de combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento de atos terroristas e proliferação de armas de destruição em massa.

O uso de criptomoedas não é proibido, mas passa a ser tomado como um indicador de risco para a fiscalização.

Gibraltar

Gibraltar, território britânico ultramarino localizado no sul da Península Ibérica, também é reconhecido por possuir infraestrutura e legislação avançada sobre o tema. Segundo um estudo comparativo realizado pela Maquaire University, da Austrália, a maior parte dos operadores de apostas online localizadas em Gibraltar está listada na Bolsa de Londres. O mercado emprega pelo menos 1.800 pessoas, número alto em comparação à sua enxuta população, de 33 mil pessoas.

Gibraltar ganha espaço no setor desde 2005, com a sanção da Lei das Apostas, do Reino Unido, que incide sobre o território. A autoridade do governo tradicionalmente emite licenças para empresas "de primeira linha", ou seja, estabelecidas no mercado e que possuem histórico de atuação em outras jurisdições.

"Candidatos, que podem incluir aqueles que desejam entrar em mercados emergentes fora da UE, devem ter um plano de negócios onde a fonte de financiamento seja legítima e transparente", diz o governo de Gibraltar.

A administração também proíbe empresas controladas por pessoas com ficha criminal e obriga que os produtos e serviços oferecidos no ambiente online sejam testados e certificados de forma independente.

Estados Unidos

Maior mercado de apostas online do mundo, os EUA delegam aos seus estados a definição sobre a regulamentação dos jogos no ambiente virtual. Os estados de Nova Jersey, Connecticut, Delaware, Pensilvânia, Michigan e Virgínia Ocidental já autorizam o modelo. Rhode Island recentemente se tornou a sétima unidade da federação a também permitir que pessoas acima de 21 anos acessem jogos online. Nova York também pode seguir esse caminho.

Em janeiro, o senador democrata Joseph Addabbo Jr. apresentou uma lei para permitir jogos online de cassino, na tentativa de replicar o sucesso das apostas esportivas. Califórnia, Illinois, Indiana e Massachusetts também discutem o tema, mas apesar da autonomia para aplicar regras próprias, os estados estão sujeitos a regras federais de proteção do consumidor.

Uma delas é uma lei de 2006 que proíbe o financiamento de jogos de azar ilegais na internet. A regra se tornou modelo de combate às plataformas ilegais, pois dificultou que empresas sem regulamentação promovam transações financeiras com consumidores. Na prática, se a atuação do site não for legítima sob as leis estadual e federal, os bancos e operadoras de cartão de crédito ficam proibidos de processar pagamentos.

A lei acaba por obrigar a transparência das transações financeiras, e as penalidades incluem multa e prisão.

Autor: Gustavo Queiroz

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