Cresce na UE movimento para reconhecer um Estado Palestino
Por décadas, apenas um punhado de antigos países comunistas da Europa reconheceram a Palestina como um Estado soberano. Agora, Espanha e Irlanda querem mudar esse quadro e pressionar por mais reconhecimento no bloco.Por David Ehl
À medida que crescem as manifestações em apoio aos palestinos da Faixa de Gaza em todo o mundo, a Assembleia Geral da ONU ampliou, em uma votação no dia 10 de maio, os direitos dos palestinos dentro da organização global. Agora, quatro países-membros da União Europeia (UE) estão planejando aumentar ainda mais o peso dos palestinos nos palcos globais, reconhecendo oficialmente a Palestina como um país soberano.
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Por um lado, trata-se de solidariedade com a população civil da Faixa de Gaza. Por outro, a medida é vista como um reforço da posição a favor de uma solução de dois Estados para acabar com o conflito no Oriente Médio - um plano que o atual governo de ultradireita de Israel rejeita veementemente.
Após a ofensiva terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou como objetivo de guerra a destruição do grupo radical islâmico palestino Hamas, que tomou por completo o governo da Faixa de Gaza em 2007. Netanyahu também não esconde que quer controlar o território palestino a longo prazo.
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No entanto, Israel está sofrendo uma pressão internacional cada vez maior devido à severidade da sua ofensiva militar, que, de acordo com dados de autoridades ligadas ao Hamas, já causou a morte de mais de 35.000 civis em Gaza, território que também enfrenta uma situação humanitária desastrosa. Os números não puderam ser checados pela DW de forma independente.
Na Europa, ainda são poucos os países que oficialmente reconhecem a Palestina com um Estado. Entre os 27 membros da UE, apenas oito países adotam essa posição, seis deles com passado comunista que oficilizaram o reconhecimento nos anos 1980.
A falta de mais apoios contrasta com outras regiões do globo. Na América do Sul, por exemplo, todos os países reconhecem a Palestina como um Estado soberano. O Brasil oficializou essa posição em 2010, no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas, agora, dentro da UE, a Espanha, a Eslovênia e a Irlanda, em particular, querem aumentar a pressão por uma solução passando pelo reconhecimento da Palestina, constituída pela Faixa de Gaza - controlada pelo Hamas e alvo da ofensiva israelense - e a Cisjordânia, nominalmente sob responsabilidade da Autoridade Nacional Palestina, mas retalhada por assentamentos israelenses e em grande parte ocupada militarmente por Israel.
Espanha: mediadora tradicional
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, manteve várias conversas com parceiros europeus nos últimos meses. De acordo com relatos, ele inicialmente tentou promover a ideia como um projeto da UE. No entanto, a proposta provocou resistência da Alemanha - fortemente alinhada com Israel - e de outros países.
Após se deparar com essas rejeições, Sánchez passou a tentar formar uma coalizão fora do escopo da UE. Na semana passada, o chefe da diplomacia do bloco europeu, Josep Borrell, que também é espanhol, revelou que a Espanha, a Irlanda e a Eslovênia pretendiam formalizar o reconhecimento ainda em maio.
A Espanha mantém boas relações com muitos países árabes, especialmente os da região do Magreb, bem como com a Turquia. Em parte, ela cultivou esses laços desde a ditadura de Francisco Franco(1939-1975); nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, esses países salvaram o Estado do sul da Europa do completo isolamento econômico e político entre o Ocidente e o Bloco Oriental.
Após o fim da ditadura de Franco, em 1975, a Espanha estabeleceu relações econômicas com Israel e, em 1986, também relações diplomáticas. Nos anos seguintes, se estabeleceu como uma mediadora respeitada entre o Estado judeu e o mundo árabe. Uma conferência sobre o Oriente Médio realizada em Madri em 1991 é considerada o prelúdio do processo de paz de Oslo entre palestinos e Israel nos anos seguintes.
Irlanda: solidariedade a partir de sua própria história
A Irlanda também tem reiterado seu tradicional apoio aos palestinos desde os primeiros dias da atual guerra em Gaza. Quando o novo primeiro-ministro Simon Harris foi empossado em meados de abril, Sanchez foi seu primeiro convidado de Estado em Dublin, e o reconhecimento da Palestina foi o principal tópico da reunião.
A Irlanda é favor de uma solução de dois estados desde 1980, mais tempo do que qualquer outro país-membro da UE. Na Irlanda, a forte identificação com a Palestina pode ser explicada pela história do país europeu.
Ela começa com um estadista britânico chamado Arthur Balfour, que, no final do século 19, era responsável por comandar a Irlanda, à época praticamente uma colônia britânica. No cargo de secretário-geral para a Irlanda (1887-1891), Balfour negou aos irlandeses a formação de um governo autônomo dentro do Reino Unido.
Em 1917, ocupando então o cargo de Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, ele emitiu a chamada Declaração de Balfour, na qual, em nome do governo britânico, se manifestou a favor da criação de uma pátria judaica na Palestina, então controlada pelos otomanos. Depois, quando o território se tornou um protetorado britânico com a dissolução do Império Otomano, Londres deslocou para a área vários agentes de segurança que haviam atuado contra insurgentes irlandeses nos anos 1910.
O influxo de judeus para essa área do Oriente Médio, à época povoado principalmente por muçulmanos e cristãos, é normalmente comparado na Irlanda católica com o assentamento de protestantes britânicos no norte da ilha. Alguns irlandeses associam o conflito resultante na Irlanda do Norte com a crise no Oriente Médio.
Apoio de Eslovênia, Malta e Noruega
O governo de esquerda da Espanha e o governo de centro-direita da Irlanda estão se apoiando mutuamente em todos os campos políticos. Para dar mais peso à medida conjunta, eles conquistaram outros apoiadores: a Eslovênia manteve a perspectiva de reconhecer a Palestina até meados de junho.
Malta, membro da UE, também pretende seguir esse caminho. Em abril, o país já havia votado a favor da adesão total da Palestina à ONU em uma votação no Conselho de Segurança, que acabou fracassando devido ao veto dos EUA.
A Noruega, um estado-membro da Otan e que mantém laços estreitos com a UE, também está considerando o reconhecimento "no decorrer da primavera [europeia]". De acordo com o ministro das Relações Exteriores da Noruega, Espen Barth Eide, Oslo espera que essa medida favoreça a criação de um Estado palestino politicamente unido, em vez de um "Estado do Hamas".
Diferentes posições na Europa
Dentro da UE, são principalmente os países da Europa Central e Oriental que até agora reconheciam um Estado palestino. Nestes casos, o reconhecimento remonta ao período comunista, no qual havia uma proximidade ideológica com Yasser Arafat, antigo líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
Hoje na UE, países como Polônia, Hungria, Eslováquia, República Tcheca, Romênia e Bulgária passaram a reconhecer a Palestina em 1988, ainda na época da Cortina de Ferro. Depois do fim do comunismo, alguns desses países, especialmente a República Tcheca e a Hungria, agora se encontram mais alinhados com Israel, embora continuem a manter relações diplomáticas plenas com os palestinos.
O primeiro e até agora único país a reconhecer um Estado palestino quando já estava na UE foi a Suécia, em 2014. Agora, resta saber se a coalizão hispano-irlandesa crescerá ainda mais: na Bélgica, o governo avalia qual será o momento oportuno; Portugal recuou por enquanto, após a chegada ao poder em abril de um novo governo conservador.
Outros países, como a Alemanha, mantêm vínculos com a Autoridade Nacional Palestina (rival do Hamas), mas só querem reconhecer um Estado palestino quando Israel fizer o mesmo. Enquanto o Hamas, que é classificado como uma organização terrorista por vários países, incluindo todos os membros da UE e os EUA, continuar sendo um fator de poder político nos territórios palestinos, essa medida é considerada fora de questão.