Há um ano morria Bento XVI, o primeiro papa a renunciar em quase 600 anos

Com mais de 70 anos dedicados ao sacerdócio, o líder religioso é lembrado por contribuições na teologia e explosão de crises na igreja católica durante seu mandato. Ao seu biógrafo, ele revelou que o motivo de sua renúncia foi a insônia

09:41 | Dez. 31, 2023

Por: Kleber Carvalho
Bento XVI morreu neste sábado, 31, aos 95 anos. Sua condição de saúde estava debilitada e o papa emérito estava sob cuidados em sua casa no Vaticano (foto: GABRIEL BOUYS/AFP)

Há um ano, no dia 31 de dezembro de 2022, morria Joseph Aloisius Ratzinger, nome de batismo do papa emérito Bento XVI. Seu pontificado durou de 2005 a 2013. Ele foi o primeiro a renunciar ao cargo de líder da Igreja Católica em quase 600 anos. O "motivo central", revelado por ele próprio em uma carta enviada a seu biógrafo, teria sido o problema de insônia que já durava oito anos.

Dos 95 anos de vida do líder religioso, 72 foram dedicados ao sacerdócio, marcados por grandes contribuições à teologia e crises na igreja católica durante seu período como pontífice.

Em seu aniversário de morte, Bento XVI foi lembrado pelo Vaticano como testemunha de vida na fé cristã, em artigo escrito pelo padre italiano e presidente da Fundação Vaticana Joseph Ratzinger, Federico Lombardi.

O texto também retorna a reflexões feitas por Bento XVI sobre os problemas enfrentados pela humanidade como crise ecológica, riscos do uso da tecnologia e maior iminência de guerras. Em suas manifestações, o papa emérito convidava os fieis não a fugir dos problemas, mas tentar compreendê-los.

“A perspectiva de J. Ratzinger, portanto, diante das falências da razão humana, não foi de negá-la ou limitá-la, mas sim, ampliá-la e convidá-la a tentar entender, com coragem, não apenas como o mundo funciona, mas também porque ele existe, qual o lugar que o homem ocupa no cosmos e o sentido da sua aventura”, escreveu Lombardi.

Joseph Ratzinger

Nascido em Marktl, município da Baviera alemã, em 1927, Joseph Ratzinger cresceu junto ao movimento nazista e presenciou muitos dos terríveis atos da ideologia que pregava a supremacia ariana.

Desde cedo demonstrou interesse pela vida religiosa e entrou no seminário aos 12 anos. Aos 16, teve a carreira na fé interrompida por um chamado para serviço militar na Segunda Grande Guerra Mundial, onde atuou na bateria antiaérea em 1943.

Findado o serviço, Joseph voltou aos estudos em teologia, área da qual se tornaria doutor e grande referência no futuro. Foi também professor universitário e autor de diversas publicações de referência na ciência religiosa, como “Introdução ao cristianismo” e “Opera Omnia”, citadas por Lombardi em memória do ex-papa.

Bento XVI

Além de estudioso, Bento XVI viveu o sacerdócio na prática desde os 24 anos de idade quando foi ordenado padre. Na igreja passou por diversos cargos de grande importância no caminho até a cátedra de Pedro, o último e mais elevado deles, a função de decano, responsável por presidir o Sacro Colégio dos Cardeais e comandar a escolha do papa, conhecida como conclave.

O período como papa foi curto, iniciado após a morte de seu antecessor, João Paulo II, em 2 de abril de 2005. Dias depois, em 19 de abril, Bento XVI foi eleito o 265° papa da Igreja Católica Apostólica Romana, ficando pouco mais de oito anos no cargo. O fim dessa curta trajetória chegou em 2013, quando renunciou devido ao quadro debilitado de saúde.

Se a carreira como teólogo é marcada por grandes publicações e admiração de estudiosos na área, a vida de Bento XVI como pontífice é muito lembrada pelo vazamento de escândalos de pedofilia na igreja e relação conturbada com outras linhas religiosas.

No início de 2022, o já papa emérito foi acusado de acobertar quatro casos de pedofilia enquanto era arcebispo da Arquidiocese de Munique, na Alemanha, entre 1977 e 1981. As acusações foram feitas em relatório independente sobre abusos no Vaticano.

À época, Bento XVI negou que teria sido conivente com tais abusos, mas não negou a existência desses casos na igreja e pediu desculpas às vítimas que passaram por isso.

Outro ponto conturbado foram as declarações acerca de outras religiões. Em 2006, durante o discurso em uma universidade alemã, o então papa criticou a chamada “Guerra Santa” do islamismo e citou a história de um diálogo entre um antigo imperador bizantino e um persa.

Na conversa remontada por Bento XVI, o imperador dizia que o profeta muçulmano Maomé não trouxe nada de bom para a humanidade e apenas teria gerado violência através da pregação por espadas.

A declaração repercutiu no Oriente Médio, gerando reações de líderes e religiosos do islamismo. O local seria futuramente visitado pelo papa em 2009, em uma tentativa de amenizar os ânimos exaltados em anos anteriores.

Visita ao Brasil

Como papa, Bento XVI esteve no Brasil apenas uma vez, quando veio à cidade de São Paulo e ao Vale do Paraíba em 2007. Durante a estadia no país, o então pontífice presidiu uma missa para mais de um milhão de pessoas e visitou locais importantes para os religiosos, entre eles, o Mosteiro de São Pedro e a Catedral Metropolitana de São Paulo.

No entanto, o grande marco da vinda de Bento XVI foi a canonização de Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro. Ao final daquele ano, o sacerdote classificou a viagem como "inesquecível".

Papa emérito

Após a renúncia, em 2013, Bento XVI continuou a viver no Vaticano, acompanhado de uma equipe de médicos e da família papal que o acompanhara por muitos anos, composta por seu secretário Georg Gaenswein e mulheres consagradas que cuidavam das atividades domésticas.

Após a aposentadoria como papa, Bento XVI continuou publicando livros e artigos. Um dos mais polêmicos foi a biografia autorizada “Bento XVI - Uma vida”, onde fez críticas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, sicussão que por vezes levantou suspeitas a cerca da relação com seu sucessor, papa Francisco, devido aos diferentes pontos de vida.

Ao final de toda essa trajetória, a notícia da morte de Bento XVI foi lamentada por religiosos em todo mundo em 2022 e hoje, os ensinamentos e polêmicas são revividos para lembrar do papa que vive na memória de milhões de fiéis.