Jovens ucranianos buscam algo de paz no encontro católico de Lisboa
09:36 | Ago. 04, 2023
Com a bandeira ucraniana nas costas, Olena Shevchuk conseguiu se contagiar um pouco do ambiente festivo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa. Mas a dor da guerra que arrasa seu país não sai de sua cabeça.
"É muito difícil para nós entender que a vida é normal aqui", disse à AFP essa estudante de 24 anos, que foi participar, junto com outros 500 ucranianos, desse grande encontro católico internacional presidido pelo papa Francisco.
Procedentes de um país em guerra, os jovens ainda se assustam ao ver os aviões voando baixo pelos céus de Lisboa. As cenas da vida cotidiana de uma cidade em paz são uma lembrança distante para eles, desde a invasão das tropas russas em fevereiro de 2022.
"Aqui tem música por todo o lado, os bares e restaurantes estão abertos à noite, você pode ir aonde quiser", uma realidade que contrasta com o toque de recolher obrigatório que vigora todas as noites em Vinnytsia, sua cidade, situada no centro da Ucrânia.
Como ela, seus companheiros - a maioria vestidos com a tradicional camisa bordada - tentam esquecer a guerra nesta semana de encontros festivos, culturais e espirituais. Um breve respiro em contato com as centenas de milhares de peregrinos de todo o mundo que inundam as ruas de Lisboa, agitando suas bandeiras e carregando às costas suas mochilas coloridas.
"Apesar da guerra, de todas as dificuldades", depois de uma longa viagem e de 15 horas de bloqueio na fronteira polonesa, "estamos aqui", celebra o padre Roman Demush, vice-responsável pela pastoral dos jovens greco-católicos ucranianos, que representa cerca de 8% da população do país.
O grupo que ele acompanha "vive uma realidade terrível, com bombardeios cotidianos (...) Vieram para encontrar um pouco de paz", diz o religioso em frente à igreja que lhes serve de base no bairro da Graça, em uma das colinas do centro histórico de Lisboa.
"Todo o mundo cumprimenta a gente, dizem que estão com a gente, que estão rezam por nós, é muito emocionante", afirma Olana.
Não muito longe, os voluntários oferecem aos transeuntes capacetes de realidade virtual que mergulham o espectador na Ucrânia em guerra, com cenas de caos em 360º que contrastam com a música e as cores deste animado bairro voltado para o Tejo.
Cerca de 15 membros do grupo se reuniram em particular com o papa na manhã de quinta-feira (3).
"Ele ouviu as histórias dos jovens, de suas famílias, do massacre que a Rússia fez no nosso território", conta o padre Demush. "Choramos juntos, conversamos, rezamos e, no final, compartilhamos simbolicamente pão e água", acrescenta.
O jesuíta argentino havia mencionado uma iniciativa comum entre jovens ucranianos e os poucos russos presentes em Lisboa, embora pareça não ter ido adiante. Por enquanto, essas comunidades não se encontraram.
"Não vemos os russos, e é melhor", diz o padre Demush, que acredita que um encontro desses poderia causar "ainda mais sofrimento" aos jovens.
"Não podemos fazer um assassino e uma vítima conversarem. Claro que os jovens não são culpados, mas devem tomar posição contra a política de seu país", avalia.
"Seria estranho e desconfortável", confirma Olena Syniuha, de 19 anos, natural de Lviv (oeste).
"Como a dor vive em nosso coração, não queremos nenhuma interação com eles. É muito doloroso ver o que eles estão fazendo", desabafou.
A grande maioria do grupo é de mulheres, já que a lei proíbe os homens de deixarem o território, de modo a prestarem serviço militar a partir da maioridade.
"É muito triste, muitos queriam vir (...), mas não puderam", lamenta Syniuha, que usa uma pulseira que lhe foi dada por peregrinos espanhóis.
"Sentimos que temos como uma missão estarmos aqui em nome deles. Devemos absorver todo o apoio e transmitir a eles", afirma.
O objetivo é claro: "Voltar para a Ucrânia cheios de alegria, esperança e apoio para que possam sentir isso e talvez na próxima JMJ possam vir conosco".
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