Origem da Barbie memora Lilli, boneca sexualizada na Europa durante o período Pós-Guerra
Férias da famíllia Handler ao continente europeu na década de 1956 trouxe vida a boneca mais famosa do mundo na contemporaneidade, a Barbie
12:14 | Jul. 16, 2023
Em 1956, durante férias em Lucerna, na Suíça, a cofundadora da Mattel — empresa de brinquedos estadunidense fundada em 1945, Ruth Handler, e sua filha, Bárbara, ficaram paralisadas na vitrine de um estabelecimento apreciando uma boneca, sentada em um balanço de corda, com rabo de cavalo platinado, olhos maquiados e biquinho nos lábios. A família Handler acabava de se deparar com a antecessora da Barbie, conhecida como Bild Lilli.
No continente europeu, Lilli era um modelo popular por dois fatores: por sua fabricação alemã e por seu cunho voltado para o homem adulto da época pós-Depressão, em 1929, que enxergavam mulheres jovens como interesseiras e que "só queriam saber de festas".
Segundo o jornal norte-americano Washington Post, nem mesmo os historiadores sabem se o estabelecimento o qual a mãe e a filha visitaram se tratava de uma conhecida loja de brinquedos chamada Franz Carl Weber, era uma tabacaria ou um bar.
Mesmo sem saber o real significado da Bild Lilli na Europa, de acordo com recibos da Biblioteca Schlesinger da Universidade de Harvard, Ruth Handler comprou onze bonecas Lilli em 1956 e depois encomendou outra dúzia por correio aéreo para levar até a Mattel.
Com a reconstrução da boneca em solo norte-americano três anos depois da visita de Handler à Suíça (1959), Bild Lilli ganhou nova vida como Barbie, uma boneca, hoje, com diversos estilos, cores, gêneros e direcionada, principalmente, para o público infanto-juvenil.
Passado da boneca Barbie
A versão europeia da Barbie começou como um desenho lascivo, criado por e para homens.
Em 1952, diante de um cenário Pós-Guerra, o artista Reinhard Beuthien recebeu um pedido do jornal alemão Bild-Zeitung para criar um quadrinho simples a fim de preencher um espaço vazio do periódico. Primeiro, ele desenhou uma bebezinha, mas o chefe desaprovou. Na outra tentativa, manteve o mesmo rosto, adicionou o rabo de cavalo e um corpo escultural, junto a uma personalidade "gananciosa e atrevida".
A primeira história em quadrinhos de Bild Lilli mostra a jovem pedindo a uma cartomante o endereço de um "homem alto, bonito e rico", de acordo com a revista alemã Der Spiegel. Em outra história, Lilli aparece no apartamento de uma amiga escondendo o corpo nu com um jornal.
Mesmo trabalhando como secretária e ganhando seu próprio dinheiro, Bild Lilli era retratada como uma mulher cuja prioridade número um era sair com homens ricos. Ela fez tanto rebuliço na época que, em 1953, o jornal resolveu fazer uma versão dela como boneca e contratou Max Weissbrodt para o feito, que desenhou o protótipo seguindo a mesma linha de Beuthien — com um corpo adulto e voluptuoso.
De acordo com M.G. Lord, autora de “Forever Barbie: The Unauthorized Biography of a Real Doll" (do inglês, "Para sempre Barbie: biografia não autorizada de uma boneca de verdade”), ao Washington Post, "um dos escritores dos primeiros comerciais da Barbie disse que os homens penduravam a boneca no espelho retrovisor do carro ou a levavam a bares, onde levantavam sua saia ou abaixavam suas calças".
Naquele período, as bonecas do mercado de brinquedos tinham um biotipo de criança — como Raggedy Ann, por exemplo. Há anos, Ruth Handler contou, na obra de Lord, que queria criar uma boneca adulta e cheia de detalhes para crianças, mas suas ideias sempre eram rejeitadas por colegas, na maioria homens, que diziam que seria difícil fabricar algo assim.
Nos anos seguintes, Handler e designers da Mattel decidiram relaxar os lábios da boneca, suavizaram as sobrancelhas, atualizaram o plástico e embranqueceram a pele. A altura, os mamilos e os seios dos primeiros protótipos também foram cuidadosamente lixados. Criaram também um guarda-roupa delicado e cheio de detalhes.
Em 1964, a Mattel comprou todas as patentes e direitos autorais da Bild Lilli, o que permitiu, enfim, a completa transformação da boneca e uma nova personalidade para ela. Com a ajuda de um pesquisador, a Mattel acabou com a fantasia masculina pornográfica e criou a moderna fashionista.
Antigo público-alvo
Originalmente, Bild Lilli, a Barbie, foi pensada para homens adultos e por isso era vendida em bares ou tabacarias, considerada um "bom presente" em festas de solteiro ou uma lembrança de brincadeira.
Nenhum pai ou mãe da época achava que a boneca era apropriada para crianças. Ela também era um pouco cara, considerando que o modelo de 30 cm custava 12 marcos alemães e o de 19 cm valia 7,50. Para comparação, o salário médio dos trabalhadores da época girava em torno de 200 a 400 marcos.
Aos poucos, ela começou a ficar popular também entre os pequenos, e as fábricas de brinquedos alemãs começaram a produzir acessórios dos mais variados para Bild Lilli, como roupas, sapatos, casas e mobília.
A Lilli esteve no mercado de 1955 a 1964. Quando a Mattel adquiriu os direitos de Bild Lilli pelos criadores, a produção alemã parou. Atualmente, Lilli é uma peça de colecionador e uma delas pode valer centenas de euros, a depender do modelo.
Filme live-action da Barbie estreia nesta semana
No dia 20 de julho, Barbie estreia nas telas do cinema com um “live-action” interpretado pela atriz Margot Robbie. O trailer sugere que o filme irá explorar temas existenciais ao longo de sua jornada na "Barbie Land" para o "Mundo Real".
Na obra, Barbie reflete até sobre sua sexualidade ou a não existência da mesma. "Ela é uma boneca de plástico. Será que teria desejo sexual? Não, acho que não conseguiria. Ela é sexualizada, mas nunca sexy", disse Robbie, à Vogue.