Pântanos do sul do Iraque secam e civilização agoniza
10:11 | Jul. 13, 2023
Mohamed Hamid Nur sente falta do tempo em que possuía 100 búfalos-d'água. Desde então, os pântanos mesopotâmicos do sul do Iraque secaram, e seu rebanho foi dizimado.
Do céu, um olhar é suficiente para captar o drama do pântano central de Chibayish em toda sua amplitude. Restam apenas algumas poças, conectadas por filamentos de água que serpenteiam pelos juncos. Quando a água baixou, apareceu uma terra semelhante a um pergaminho, cheia de sulcos.
Pelo quarto ano consecutivo, a seca assola esses pântanos e mata búfalos, cujo leite é transformado em "geymar", um creme encaroçado muito apreciado pelos iraquianos.
Mohamed Hamid Nur, de 23 anos, que usa um kufiya na cabeça, observa o desastre sob um céu azul.
"Imploro Tua misericórdia, meu Deus!", ele grita.
Em poucos meses, perdeu 75% de seus animais, mortos ou vendidos antes de morrer. À medida que os pântanos secam, a salinidade da água aumenta e, quando está muito alta, mata o gado.
"Se a seca continuar e o governo não nos ajudar, os outros vão morrer também", lamenta o jovem, que não tem outra fonte de renda.
Os pântanos da Mesopotâmia, zonas úmidas distribuídas por Chibayish, Hawizeh e Al Hamar - declarados Patrimônio da Humanidade pela Unesco -, estão se extinguindo. E, com eles, a civilização dos "maadan", caçadores-pescadores que se instalaram nessa região há 5.000 anos.
A área das três zonas pantanosas foi reduzida de 20.000 km2, no início dos anos 1990, para menos de 4.000 km2, segundo as últimas estimativas. E restam apenas alguns milhares de "maadan" no local.
O aumento da temperatura e a seca dos últimos quatro anos acabaram de devastar uma região já afetada pelas barragens construídas nas últimas décadas nos países vizinhos, águas acima do Tigre e do Eufrates, e por uma deficiente gestão da água, segundo os especialistas.
No final de junho, quando a AFP percorreu o pântano central de Chibayish, o termômetro marcava 35°C ao amanhecer e durante o dia chegava a 50°C.
A ONU inclui o Iraque entre os cinco países mais afetados por certos efeitos da mudança climática. As chuvas são escassas e, até 2050, a temperatura média anual deve aumentar 2,5°C em relação à era pré-industrial, segundo o Banco Mundial.
O nível do pântano central e do Eufrates, sua principal fonte de água, "cai meio centímetro por dia", diz Jassim al Assadi, engenheiro de 66 anos, um incansável defensor dos pântanos na ONG Nature Irak.
"Em um ou dois meses, as temperaturas estarão muito altas, e a evaporação da água, ainda pior", diz.
Trinta anos atrás, os pântanos já haviam secado, mas por ordem do ditador Saddam Hussein, que assim puniu o levante xiita após a primeira Guerra do Golfo, em 1991. Em poucos meses, mais de 90% dos pântanos se transformaram em "deserto", lembra Jassim al Assadi.
A maioria dos 250 mil habitantes "deixou a região para ir para outros lugares no Iraque, e até para a Suécia ou os Estados Unidos", acrescenta.
Após a queda de Saddam durante a invasão dos Estados Unidos em 2003, os pântanos voltaram a transbordar, graças à destruição dos diques e dos canais que serviam para drená-los artificialmente.
As canoas voltaram a navegar por cursos de água ladeados por juncos e ilhotas habitadas pelos "maadan", que retornaram para suas casas.
Duas décadas depois, porém, à medida que a canoa avança, o nível da água diminui inexoravelmente.
"No Iraque, o nível do Eufrates caiu aproximadamente 50% desde os anos 1970", diz Ali al Quraishi, especialista em pântanos e membro da Universidade Técnica de Bagdá.
Segundo ele, os "principais" motivos estão águas acima, nos países vizinhos. Turquia - onde nascem o Tigre e o Eufrates -, Síria e Irã construíram várias represas em ambos os rios e em seus afluentes.
"Os turcos construíram mais barragens para atender a demanda de sua agricultura. À medida que a população aumenta, aumenta a demanda de água para uso doméstico e para irrigação", explica.
A questão da água continua a alimentar as tensões entre os dois países.
O Iraque exige que Ancara libere mais água de suas represas. O embaixador da Turquia em Bagdá, Ali Riza Güney, provocou uma onda de indignação em julho de 2022 ao acusar os iraquianos de "desperdício de água".
Na crítica do diplomata turco, há, no entanto, uma parte de verdade.
Segundo os cientistas, a gestão dos recursos hídricos no Iraque está longe de ser ideal.
Desde os tempos dos sumérios e acadianos, os agricultores desta região do mundo recorrem à irrigação por inundação, em geral considerada um grande desperdício. Mas, mesmo para a agricultura, a água é escassa, e as autoridades reduziram drasticamente as plantações.
A prioridade agora é atender às necessidades de água potável dos 42 milhões de habitantes do país.
Em entrevista à BBC no final de junho, o presidente iraquiano, Abdel Latif Rachid, disse que seu governo tomou "medidas significativas para melhorar o sistema hídrico e iniciou um diálogo com os países vizinhos", sem entrar em detalhes.
Ao entrar no pântano central, a canoa está prestes a atolar, por falta de água.
A costa é uma terra desértica, de onde a água se retirou "há dois meses", relata Yussef Mutlaq, um fazendeiro de 20 anos, protegendo o rosto do sol e da poeira com um lenço.
Até recentemente havia cerca de dez "mudhifs", tradicionais casas de junco.
"Dava para ver muito gado, mas, quando começou a baixar a água, o povo foi embora", contou.
À salinidade, acrescentam-se a poluição e contaminação. Agrotóxicos, esgotos e resíduos de fábricas ou hospitais despejados no Eufrates - ao longo das cidades que o rio atravessa - são fatores de degradação, explica Nadher Faza, professor da Universidade de Bagdá e especialista em mudança climática no Iraque.
Os poluentes "terminam seu curso" no pântano central, afirma.
"Analisamos a qualidade da água e encontramos muitos contaminantes, como metais pesados", causadores de doenças, acrescenta o cientista.
A pesca desaparece lentamente. Onde o "binni", peixe favorito dos iraquianos, outrora costumava desovar, restam agora apenas pequenos peixes impróprios para consumo.
Não podendo agir sobre suas causas, alguns tentam mitigar as consequências da seca.
Apoiada pela diplomacia da França, a ONG Agrônomos e Veterinários Sem Fronteiras (AVSF, também francesa) faz missões de apoio a pescadores e agricultores.
Veterinários franceses vão a fazendas localizadas às margens do pântano central para treinar colegas iraquianos em técnicas de diagnóstico de vacas e búfalos, que sofrem patologias relacionadas à água.
"No verão passado, distribuímos água potável para abastecer animais e humanos nos pântanos", diz Hervé Petit, veterinário e especialista em desenvolvimento rural da AVSF.
Devido à escassez de água, muitos agricultores são obrigados a "vender o maior número possível de animais a um preço irrisório", continua.
As iniciativas da sociedade civil são, no entanto, escassas.
O engenheiro Jassim al Assadi tenta alertar o poder público sobre a situação dos pântanos. Uma tarefa complicada devido à politização do assunto.
No Ministério de Recursos Hídricos, o porta-voz Khaled Chemal disse que "se está trabalhando duro" para restaurar as zonas úmidas. Mas, em termos de abastecimento, a água potável, para uso doméstico e para a agricultura, tem prioridade.
Muitos árabes do pântano se veem, então, forçados a migrar para as cidades, onde costumam ser tratados como párias. Em agosto de 2022, o escritório iraquiano da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) falou em um "êxodo populacional", especialmente em direção a Basra e Bagdá.
Walid Jdeir, de 30 anos, deixou os pântanos com a esposa e seis filhos "há quatro ou cinco meses" para se instalar a poucos quilômetros de distância, em uma casa de pedra na localidade de Chibayish, em uma zona de confluência dos pântanos.
"Foi difícil. Nossa vida estava lá, como a dos nossos avós antes de nós. Mas o que fazer? Não há mais vida" nos pântanos, lamenta.
Hoje, o pecuarista quer engordar búfalos para revendê-los. Mas é forçado a comprar, a preços exorbitantes, a forragem que seus animais antes encontravam nos pântanos.
"Se a água voltar, vamos voltar para os pântanos. Nossa vida está lá", insiste.
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