Direitos dos indígenas sobre suas terras ajudam a proteger Mata Atlântica

Os territórios da fragmentada Mata Atlântica onde os povos indígenas têm assegurados seus direitos tiveram um desmatamento comprovadamente menor do que em áreas similares nas quais estes direitos são frágeis ou inexistentes, revela um estudo publicado no periódico científico PNAS Nexus.

As descobertas, divulgadas na quinta-feira (26), são as primeiras a quantificar os benefícios para a preservação das florestas tropicais brasileiras de se impulsionar os direitos dos indígenas às suas terras, e se somam a uma literatura crescente que destaca de forma mais ampla as vantagens da gestão indígena dos territórios.

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"Até mesmo em áreas altamente desenvolvidas e intensamente desmatadas, garantir o controle da terra aos povos indígenas melhorou significativamente os resultados florestais", incluindo menos perda de árvores e mais reflorestamento, disse à AFP Rayna Benzeev, principal autora do estudo e pesquisadora da Universidade do Colorado em Boulder.

"A cada ano após a formalização da titulação, houve, em média, um aumento de 0,77% na cobertura florestal em comparação com terras não tituladas", acrescentou. "Isto pode se acumular ao longo de décadas".

A Mata Atlântica, a segunda maior floresta tropical do Brasil depois da Amazônia, se estende ao longo de 3.000 km da costa e tem sido dizimada ao longo dos séculos por urbanização, agricultura, exploração de madeira e garimpo. Ali vivem cerca de 70% da população brasileira em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.

Apenas 12% de sua área original de floresta permanecem intactos contra cerca de 80% da Amazônia.

Benzeev e seus colegas analisaram dados sobre mudanças na cobertura florestal e a propriedade em 129 territórios indígenas na Mata Atlântica entre 1985 e 2019.

Eles compararam as perdas de árvores e o reflorestamento nos territórios antes e depois da garantia dos direitos à terra, assim como nos territórios com diferentes níveis de titulação.

"As terras indígenas com titulação tiveram uma redução no desmatamento e um aumento no reflorestamento em comparação com terras sem os direitos legais assegurados", disse Benzeev, que escreveu da Mata Atlântica brasileira, onde compartilha suas descobertas com líderes indígenas.

Jera Poty Mirim, líder guarani do Território Indígena Tenondé Porã, no estado de São Paulo, disse que o estudo confirmou o que os povos indígenas já sabiam.

"Mesmo antes de chegarmos ao estágio final para obter o reconhecimento de direitos sobre nossas terras, nosso povo começou a cuidar das nossas florestas e a plantar os cultivos tradicionais dos guaranis", contou a jornalistas esta semana.

"Onde quer que as comunidades tenham assegurados seus direitos, nós podemos proteger melhor nossas florestas e convidar parceiros a apoiar nosso trabalho para reflorestar a terra destruída pelos outros", acrescentou.

No papel, o Brasil dá proteção legal robusta aos direitos indígenas. Mas, na prática, a aplicação negligente da legislação, aliada à corrupção, alimenta o desmatamento e a expropriação ilegal.

Na Mata Atlântica, invadida por grileiros, invasores e pela indústria extrativista - ou pelo garimpo e pela exploração de madeira - "persiste um desafio contínuo para os defensores da terra", observaram os autores do estudo.

Estas pressões aumentaram durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, empossado em 1º de janeiro, prometeu reverter essa tendência e estabeleceu 2030 com o ano marco para alcançar o desmatamento zero.

"Titular as terras dos povos indígenas é crucial se quisermos garantir o fim do desmatamento e manter o equilíbrio do clima global", diz à AFP, ao comentar o estudo, Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e membro do Centro Woodwell de Pesquisa Climática.

O interesse em proteger a bacia amazônica, o maior bioma tropical do mundo, é tanto local quanto global.

As mudanças climáticas, associadas à destruição florestal, empurram a bacia para um "ponto de não retorno", no qual a floresta tropical vai dar lugar a uma savana.

De 2000 a 2020, o Brasil teve uma perda líquida de mais de 20 milhões de hectares de florestas ou cerca de 6% do total da cobertura florestal, segundo o Global Forest Watch.

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