Natureza e clima, duas crises que não podem ser dissociadas

09:13 | Nov. 25, 2022

Por: AFP

Especialistas e ativistas ambientais esperavam que a conferência do clima da ONU terminasse na semana passada com uma menção contundente à biodiversidade em sua declaração final. Mas saíram desapontados.

Para alguns, as delegações da COP27 perderam uma oportunidade importante de reconhecer a conexão entre a crise climática e a crise da biodiversidade, que foram tratadas em separado por muito tempo.

Deixar de resolver tais crises dizimará ainda mais os sistemas de suporte à vida na Terra e também perderá o objetivo de limitar o aquecimento global a +1,5ºC, alertam.

"Estamos perdidos se não resolvermos o clima e estaremos perdidos se não resolvermos a biodiversidade", disse à AFP Basile van Havre, copresidente das negociações de biodiversidade da ONU.

Nas reuniões sobre biodiversidade da COP15 no próximo mês, dezenas de países terão de encontrar uma nova estrutura de proteção para fauna e flora ameaçadas de destruição.

Em paralelo à cúpula, os cientistas alertam que a mudança climática e os danos à biodiversidade podem causar a sexta extinção em massa do planeta.

Essa destruição natural também alimentaria as mudanças climáticas.

Os oceanos absorvem grande parte do calor criado pelas emissões de gases de efeito estufa causadas pelo homem e, junto com as florestas, são importantes estoques de carbono.

"A natureza é responsável por até um terço da solução climática. E é uma tecnologia comprovada", disse o diretor da Campaign for Nature, Brian O'Donnell, à AFP.

Os oceanos são "super-heróis" esquecidos, absorvendo carbono e temperatura ao custo da acidificação e das ondas de calor que matam os corais, ressaltou.

À medida que o planeta aquece, as espécies e os ecossistemas podem desempenhar um papel crucial na resiliência. Os manguezais, por exemplo, podem mitigar a erosão costeira causada pelo aumento do nível do mar.

Provavelmente o momento da COP27 com maior foco no mundo natural veio com a visita do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula prometeu acabar com o desmatamento desenfreado na Amazônia e anunciou durante a cúpula planos de criar um Ministério dos Povos Originários.

A meta de biodiversidade "30 por 30" ganhou força, quando um bloco de países da África Ocidental se comprometeu com o objetivo de proteger 30% do mundo natural até 2030.

É verdade que o texto final da COP27 trouxe um parágrafo, lembrando "a necessidade urgente de resolver, de forma sinérgica e global, as crises globais interligadas às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade".

Mas ficou longe de incentivar os trabalhos na próxima COP15 em Montreal, no Canadá.

Para a diretora de relações entre clima e natureza da Fauna & Flora International, Zoe Quiroz Cullen, é "profundamente preocupante" que o texto "não reconheça o vínculo fundamental com a convenção irmã da COP27".

"As crises gêmeas do clima e da biodiversidade correm o risco de serem consideradas e tratadas como se fossem questões estanques", alertou à AFP.

A política energética dominou a COP27 do clima, enquanto a poluição por plástico e pesticidas tende a estar mais presente na cúpula da biodiversidade.

Há, no entanto, uma ampla gama de questões que se entrelaçam entre os dois eventos, como produção de alimentos, direitos dos indígenas à terra, proteção de florestas e oceanos, e outros temas.

As Nações Unidas tradicionalmente lidam com ambas as crises em separado, com cúpulas distintas e administradas por instituições próprias.

Muitos especialistas consideram as duas crises suficientemente sérias para merecer esse tratamento em separado. E alguns lamentam que a biodiversidade tenha-se tornado "apenas uma subcategoria do clima", como diz O'Donnell.

"Não podemos atingir a meta de 1,5ºC sem uma forte ação na natureza", ressalta O'Donnell. "Precisamos resolver os dois, se quisermos um planeta habitável para as gerações futuras", completa.

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