Embora representem avanços, tratados como Acordo de Paris e Protocolo de Kyoto não bastam para conter crise climática, avaliam especialistas. Antes com protagonismo ambiental, Brasil se afastou de metas sob Bolsonaro.Em 1992, durante a Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro e também conhecida como Eco-92, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu as mudanças climáticas como uma questão de preocupação global. Trinta anos depois, o assunto segue em pauta, e volta agora ao palco internacional durante a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27). A Eco-92, considerada o maior encontro da época entre líderes mundiais (o mundo acabava de sair da Guerra Fria) resultou na criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, em inglês), que serviria de base para futuros acordos climáticos, como o famoso Acordo de Paris. "A Convenção-Quadro é um acordo guarda-chuva, abaixo do qual se vinculam outros acordos e tratados que obedecem os princípios da Convenção-Quadro. O Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris, por exemplo, fazem parte desse acordo guarda-chuva", explica o ambientalista Rubens Born, um dos fundadores do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente. Ainda em vigor, a Convenção-Quadro reconhece que as atividades humanas contribuem para as mudanças climáticas e trabalha para evitar que a interferência humana no sistema climático se torne "perigosa" a ponto de ameaçar a vida no planeta. No entanto, a preocupação com o clima não começou somente então. Antes de 1992 e da Cúpula da Terra, cientistas já alertavam sobre uma crise climática. O protocolo que protege a camada de ozônio Em 1985, diversas nações se reuniram em Viena, na Áustria, para discutir formas de proteger a camada de ozônio, responsável por filtrar o excesso de radiação ultravioleta do tipo B, perigosa aos seres vivos. As discussões resultaram no Protocolo de Montreal de 1987, ratificado dois anos depois. Um dos primeiros – e mais exitosos – tratados internacionais para proteger o clima e até hoje em vigor, o Protocolo de Montreal exige que os países parem de produzir substâncias que danificam a camada de ozônio, como os clorofluorcarbonos (CFCs), utilizados no setor de limpeza, solventes farmacêuticos e industriais e refrigeração doméstica e comercial. Apenas 28 países ratificaram o tratado em 1989. Mas negociações políticas e esforços de adaptação tecnológica nos países em desenvolvimento acabaram fazendo com que o protocolo tivesse adesão global e com que quase 99% dos CFCs fossem eliminados do planeta. "O Protocolo de Montreal é um exemplo muito bem-sucedido de que os arranjos e negociações internacionais podem levar à mitigação de problemas socioambientais globais|, avalia o geógrafo Wagner Ribeiro, do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP). O Brasil aderiu ao Protocolo de Montreal em 1990. Desde então, substâncias perigosas para a camada de ozônio são controladas ou proibidas no país, como o metilclorofórmio (solvente industrial para limpeza), eliminado nacionalmente em 2000. Protocolo de Kyoto: flexibilização das metas A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas criada no Rio de Janeiro em 1992 entrou em vigor em 1994, após exaustivas negociações e embates entre os EUA, países produtores de petróleo e o resto do mundo. "Houve um impasse na Rio 92. Alguns países exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita, além dos Estados Unidos, que diziam que não se obrigariam a nada que fosse contra os interesses da nação, achavam que a Convenção-Quadro era arrojada demais; já outros países achavam que, por não ter metas, a convenção não seria efetiva o bastante", diz Born. O meio termo foi estabelecer que a Convenção-Quadro não obrigaria legalmente os países signatários a reduzir as emissões de gases de efeito estufa, assim como não definiria metas e cronogramas para isso. Por outro lado, exigiria uma reunião anual entre os países ratificantes, conhecida como Conferência das Partes, ou COP, destinada a estabilizar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Dessas reuniões surgiram o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris. O Protocolo de Kyoto foi proposto durante a COP3, em 1997, e exigiu que os países desenvolvidos reduzissem as emissões em 5% em relação aos níveis de 1990. Por se estender somente aos países desenvolvidos, o tratado deixou de fora os grandes poluidores China e Índia. Além disso, os EUA, outro grande poluidor, não ratificaram o acordo. "O Protocolo de Kyoto trouxe metas de redução de emissões muito insuficientes a nível global. Além disso, apesar de determinar que os países signatários teriam que demonstrar resultados dos seus compromissos assumidos, poucos cumpriram as metas", explica Born. Outro problema apontado pelo ambientalista foi a possibilidade de flexibilização das metas assumidas. "Se você é um grande poluidor, com a ideia de flexibilização você não precisa necessariamente reduzir todas as emissões no seu país, você pode ajudar a reduzir as emissões via contribuição com outros países", descreve Born. Essa ideia de contribuição se desdobraria no atual conceito de financiamento climático, em que países desenvolvidos destinam dinheiro para apoiar mitigação e adaptação climáticas em países em desenvolvimento. Acordo de Paris Em 2015, durante a COP17, na França, foi criado o Acordo de Paris, o acordo climático global mais significativo, por exigir que todos os países estabelecessem compromissos de redução de emissões para manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2 °C em relação níveis pré-industriais e, de preferência, limitar o aquecimento do planeta a 1,5 °C até o fim do século. "Na formulação do Acordo de Paris, os EUA defenderam que o acordo não falasse em meta obrigatória, mas apenas em contribuição voluntária de cada país. Nasceram daí as chamadas NDC [sigla em inglês para contribuições nacionalmente determinadas]", aponta Born. "Os países apresentam metas voluntárias e não vinculantes, ou seja, ninguém é obrigado a cumprir", complementa Ribeiro. A cada cinco anos, contudo, os países têm que rever suas metas nacionais e apresentar planos mais ambiciosos de redução de gases do efeito estufa. A guerra na Ucrânia, segundo os especialistas, tem colocado o Acordo de Paris em segundo plano na Europa. "Os países europeus estavam mais próximos de conseguir a meta voluntária apresentada no Acordo de Paris, em especial a Alemanha. Porém, com a eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia e a crise energética associada, a Europa terá que voltar a usar energia rica em carbono, como a energia gerada a carvão. Isso terá consequências sérias para o comprimento do Acordo de Paris", explica Ribeiro. O papel do Brasil Os especialistas apontam que a COP15, realizada em Copenhague em 2009, foi uma reunião emblemática para o Brasil. "Na COP de 2009, o Brasil mudou de posição perante a política climática global e voluntariamente apresentou metas de redução de gases de efeito estufa. Foi a partir dessa mudança de comportamento do Brasil que posteriormente foi possível construir o Acordo de Paris, formado por países apresentando metas voluntariamente", aponta Ribeiro. Em 2019, contudo, três anos após ratificar o Acordo de Paris, o Brasil mudou mais uma vez seu comportamento no cenário internacional no que diz respeito à agenda climática global. "Até 2018, a diplomacia brasileira sempre esteve nas negociações climáticas globais. O Brasil chegou a ocupar posições de liderança na própria Secretaria Geral da Convenção, mas isso mudou a partir de 2019 [quando o presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder]", diz Ribeiro. Apesar de se comprometer a reduzir as emissões por meio do Acordo de Paris, o Brasil tem aumentado suas emissões nos últimos quatro anos, aumento puxado pelos recordes de desmatamento registrados na Amazônia no mesmo período. Em 2021, as emissões brasileiras tiveram a maior alta em 19 anos (dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa). "O Acordo de Paris tem sido absolutamente ignorado no Brasil. Tivemos o aumento das emissões, impulsionado com o aumento do desmatamento e das queimadas não somente na Amazônia, intensificação das termelétricas [energia poluente gerada a partir da queima de combustíveis fósseis]", diz Ribeiro. Metas poderiam ter sido adotadas 30 anos atrás Born reconhece a importância dos acordos globais de proteção ao clima, mas alerta que eles não estão caminhando na velocidade dos prejuízos que vêm sendo causados pelo aquecimento global. "Os países estão começando a adotar agora medidas que poderiam ter sido adotadas já a partir de 1992", considera. O ambientalista lembra que a Convenção-Quadro de 1992 já estabelecia, por exemplo, "que todos os países deveriam proteger florestas, ou seja, todos tinham que começar a reduzir o desmatamento". "Vemos que o Brasil, porém, tem índices altíssimos de desmatamento atualmente", critica. O professor Ribeiro complementa que o lobby da indústria de combustíveis fósseis dificulta que os países adotem metas mais efetivas contra a crise climática. "O petróleo ainda é a fonte mais barata de geração de energia, e há até hoje um enorme lobby da indústria petrolífera no mundo. Isso faz com que ocorra um enorme atraso na adoção de algumas metas, como a transição energética", diz Ribeiro. Em fevereiro, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU alertou que, mesmo que o planeta aqueça apenas alguns décimos de grau, as crianças de hoje vão passar por quatro vezes mais extremos climáticos em 2100 do que passam agora. "Todos os acordos globais do clima permitiram avanços a passos lentos e pequenos, pois foram construídos de modo a não atender a real necessidade que a ciência aponta. Porém, sem esses acordos, o mundo estaria em uma crise climática muito pior", avalia Ribeiro. Autor: Laís Modelli