Annie Ernaux e o retrato íntimo de uma mulher francesa no século XX
A escritora francesa Annie Ernaux, premiada nesta quinta-feira (6) com o Nobel da Literatura, é autora de uma obra essencialmente autobiográfica, um retrato sensível da intimidade de uma mulher ao longo das mudanças atravessadas por seu país no século XX.
Professora de Literatura da Universidade de Cergy-Pontoise (subúrbio de Paris), Ernaux escreveu quase 20 obras, nas quais analisa a luta de classes e a paixão amorosa, dois temas que marcaram sua vida, de origem humilde.
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Escritora que se diz de esquerda, Ernaux nasceu em 1940. Até os 10 anos morou no café e mercearia administrado por seus pais, um lugar "sujo, feio" em uma pequena cidade sem história na Normandia, Yvetot.
Ernaux deixou esse ambiente humilde e popular graças aos estudos e a um diploma em Letras Modernas.
Essa mulher alta e loira começou na literatura com "Os armários vazios" (1974), um romance de tom áspero e violento.
Nele, a protagonista descreve os dois mundos incompatíveis em que vive na adolescência: por um lado, o da ignorância, grosseria dos clientes bêbados do café, da estreiteza de seus pais e, por outro, o "da facilidade, da leveza das meninas" das classes mais abastadas com quem convive na escola.
Suas obras vão girar em torno desse passado familiar. Ernaux repara o que considera uma traição aos pais com "O lugar" e "Uma mulher" (1988).
Destaca-se também "O Acontecimento" (2000), sobre o drama de um aborto clandestino que ela sofreu em 1963, e que foi transformado em filme no ano passado.
Seu estilo seco e sem lirismo tem sido objeto de estudo, e chamado de "autobiografia impessoal".
É com "Os anos" (2008) que consegue evocar o destino de toda a sua geração, a dos filhos da guerra marcados pelo existencialismo do pós-guerra e depois, nos anos 1960, pela libertação sexual.
Através da evocação de objetos, palavras, canções, até transmissões de televisão, consegue reencarnar esses anos agitados.
No último Festival de Cannes, em maio, Ernaux voltou ao mesmo roteiro mas em formato audiovisual, com dezenas de pequenas gravações familiares em super 8, filmadas por seu ex-marido entre 1972 e 1918. O resultado foi "Les années super 8", apresentado durante a Quinzena dos Realizadores.
"Não me considero um ser singular, mas como uma soma de experiências, também de determinações, sociais, históricas, sexuais, de linguagens, continuamente em diálogo com o mundo (passado e presente)", explica em "L'écriture comme un couteau" ("A escrita como uma faca", em tradução livre).
Uma de suas referências é a feminista Simone de Beauvoir, de quem ela segue a atenção cuidadosa aos detalhes que marcam sua vida: "A vergonha" (1997), sobre a perda da virgindade, o aborto clandestino em "O acontecimento", o fracasso de seu casamento em "Uma mulher congelada" (1981) ou a experiência do câncer de mama em "L'usage de la photo" (2005).
Com "Uma paixão simples" (1992) descreve de maneira crua a alienação do amor.
Desde 1977, vive em Cergy-Pontoise, cidade do subúrbio parisiense.
Ernaux ganhou, entre outros, o Prêmio Renaudot em 1984 e foi finalista do Booker International em 2019.