Guinada para o centro, novas alianças e conexão emocional: as chaves para Lula voltar ao poder

16:52 | Out. 04, 2022

Por: AFP

Um resultado apertado e menos de um mês para fazer ajustes: uma vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro no segundo turno dependerá das alianças com o centro, sem descuidar de sua "conexão emocional" com as classes populares, acreditam analistas.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 76 anos, superou com 48,43% dos votos o presidente Bolsonaro (PL), com 43,20%, mas ficou longe de uma vitória folgada como previam as pesquisas.

A partir desta terça-feira (4), o líder do Partido dos Trabalhadores (PT) tem 26 dias para chegar ao terceiro mandato.

"A partir de amanhã é menos conversa entre nós, mais conversa com o eleitor", instruiu Lula após uma reunião com sua equipe política na segunda-feira, em São Paulo. "Vamos conversar com aqueles que parece que não gostam da gente".

"O Lulinha paz e amor está pronto para conversar com todo mundo", disse.

E não lhe resta outra alternativa.

Lula antecipou que trabalhará para formar um "bloco de democratas" para combater Bolsonaro no segundo turno, em 30 de outubro, embora sua campanha para atrair apoio para além da esquerda tenha começado há meses, quando escolheu seu companheiro de chapa, o centrista Geraldo Alckmin (PSB).

De lá para cá, recebeu também o apoio de economistas e juristas da ala considerada moderada.

Em primeiro lugar, é fundamental que Lula não perca os votos já conquistados - 57,2 milhões no primeiro turno -, explica à AFP Leandro Gabiati, diretor da consultora Dominium.

Para o analista, este votos incluem eleitores que não são necessariamente de esquerda ou a favor de Lula, mas que votaram no petista como o candidato do antibolsonarismo.

"Agora se o Bolsonaro trabalhar e melhorar o discurso, a estratégia e tal, ele eventualmente pode diminuir a sua rejeição, diminuir esse sentimento antibolsonarista e transformar esse voto que foi para o Lula em um voto para Bolsonaro", afirma.

Em segundo, o ex-presidente deve tentar reverter a abstenção, de 20,95%, o equivalente a 32,7 milhões de votos, e conquistar a maior parte dos 8,5 milhões de votos conquistados pela senadora Simone Tebet, do MDB, terceira colocada no pleito (4%), e por Ciro Gomes (3%), do PDT, um de seus mais duros críticos, que terminou em quarto lugar no primeiro turno.

Lula "vai ter que fazer gestos, vai ter que ceder a pontos de campanha da Simone ou do Ciro" porque Bolsonaro também tentará "seduzir" estes eleitores, afirma Gabiati.

Ciro, que apostou em um duro discurso anti-Lula durante a campanha, deu seu apoio ao ex-presidente nesta terça, a contragosto, mas alinhado ao seu partido.

"É a última saída", disse Ciro, de 64 anos, em um vídeo postado nas redes sociais. Político experiente, o ex-governador do Ceará integrou o gabinete de Lula entre 2003 e 2006.

Tebet é senadora do centrista Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e o centro é chave para governar no Brasil.

O MDB se adapta com facilidade a quem estiver no poder. Governou com o PT, mas lhe deu as costas em 2016 ao impulsionar o julgamento político que provocou o impeachment de Dilma Rousseff (PT), sucessora de Lula (2003-2010).

"Tomem logo a decisão, a minha está tomada", afirmou Tebet aos dirigentes do partido, dividido e com uma forte ala bolsonarista.

Tebet ainda não tornou pública sua posição, mas analistas acreditam que apoiará Lula e que poderá, inclusive, integrar seu gabinete caso seja eleito.

Mayra Goulart, professora de Ciência Política na Universidade Federal do Rio de Janeiro, vê como possível uma aliança com Tebet porque a senadora, de 52 anos, católica e contrária ao aborto, pode atrair "mulheres conservadoras", sensíveis a questões sociais.

Umas das chaves para concretizar essas alianças mais conservadores seria a disposição de Lula em apresentar uma proposta econômica mais "maleável", afirma Arthur Ituassu, professor de Comunicação Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Para o analista, Lula certamente terá que negociar seu plano, que inclui políticas de esquerda como maior investimento social e redistribuição da carga tributária.

"Isso seria, ao meu ver, fundamental. Seria uma forma de conquistar um centro volátil hoje no Brasil", afirmou Ituassu.

Os mercados também já manifestaram sua preferência por Bolsonaro e suas políticas liberais.

Por fim, o petista deveria corrigir alguns de seus erros na campanha para o primeiro turno.

Para o cientista político Paulo Calmon, da Universidade de Brasília, Lula se concentrou demais nos feitos de seus governos anteriores, sem apresentar planos para o futuro.

A sombra dos escândalos de corrupção que afetaram seu governo também pesaram sobre sua campanha.

Goulart insiste em que, mais do que anunciar propostas, o mais importante é manter a "conexão emocional com as classes populares", base de seu eleitorado.

E "conseguir uma imagem de estabilidade, tranquilidade", que faça sonhar com a perspectiva "de uma vida melhor".

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