Cinco anos depois, incentivadora do #MeToo francês diz que tudo valeu a pena

08:25 | Out. 03, 2022

Por: AFP

Se tivesse que voltar a fazê-lo, Sandra Muller, promotora do #MeToo francês, diz que o faria "sem hesitar". Cinco anos depois, e apesar dos julgamentos e do preço psicológico que diz ter pago, ela acredita que as coisas avançaram e que valeu a pena.

O #MeToo "arruinou por completo cinco anos da minha vida", conta, em entrevista à AFP, que criou a famosa hashtag #balancetonporc (entregue seu porco).

Mas, "quando se tem os meios para mudar uma sociedade com o fim de estabelecer regras melhores, leis melhores, um mundo mais justo", "sem calcular, sem antecipar", "sim, é uma satisfação", acrescenta esta jornalista de 51 anos.

Muller morava em Nova York quando, em 5 de outubro de 2017, o jornal The New York Times publicou um artigo sobre as acusações de assédio sexual contra o poderoso produtor de cinema Harvey Weinstein.

"Comecei a ler freneticamente tudo o que havia sobre o tema, sem conseguir evitar fazer comparações com o nosso meio", o jornalismo, conta.

Após "engolir todos os testemunhos durante quase uma semana" acabou se convencendo de que tinha uma responsabilidade. "Somos jornalistas, é preciso dar nomes", diz ter pensado neste momento.

Assim, em 13 de outubro de 2017, dois dias antes do famoso tuíte da atriz Alyssa Milano, que fez explodir o #MeToo em todo o mundo, ela escreveu uma mensagem no Twitter.

"#balancetonporc!! Conte você também dando o nome e os detalhes de um assédio sexual que sofreu no teu trabalho. Espero você", dizia.

Horas depois, publicou outro tuíte, no qual citava comentários feitos pelo ex-diretor de um canal de televisão, Eric Brion, em um "ambiente completamente profissional": "Você tem seios grandes. É meu tipo de mulher. Vou te fazer gozar a noite toda".

Assim começou o movimento #balancetonporc, seguido de uma avalanche de testemunhos, polêmicas e julgamentos.

Brion admitiu ter feito "comentários inapropriados" e se desculpou por isso, mas considerou que era objeto de um "amálgama entre a sedução pesada e o assédio sexual" e, condenando as consequências para sua vida pessoal e profissional, entrou com um processo que ganhou em primeira instância.

Muller foi condenada por difamação. No entanto, na apelação, um tribunal considerou que a jornalista tinha feito uso de sua liberdade de expressão e a Corte de Cassação confirmou a avaliação.

Durante estes quase cinco anos, Muller foi acusada de ter atirado um homem aos leões. Ela nega.

"Nunca disse que Eric Brion fosse um estuprador", afirma. Mas é preciso "acabar com" o que se considera "o nível mais baixo" de agressão, ou seja, a verbal, para lutar contra a violência física, argumenta.

Mas em consequência disso, "sofrei ataques tanto virtuais quanto reais. Eu era a bruxa horrível que se atreveu a falar", diz a jornalista, mencionando os trolls nas redes sociais, o impacto em sua vida profissional e privada, as "reações de repúdio", a preocupação de sua família.

"É difícil recuperar a vida de antes, estou apenas começando", acrescenta.

"Perdi trabalho (...) Um dia pedi a uma rádio importante (..) se podia trabalhar como freelance, e me disseram 'não podemos empregar a senhora #balancetonporc'".

Recentemente, voltou a trabalhar como freelance para veículos menores, afirma.

E, apesar das dificuldades, avalia que valeu a pena.

#balancetonporc, #MeToo, "fez de qualquer forma a sociedade progredir", diz, mencionando a liberdade de expressão e as medidas que as empresas tomaram.

Antes, muita gente cometia assédio ou coisas piores e podia "continuar com total impunidade, fazer o que quisesse com um silêncio geral organizado, um apoio considerável". Hoje, "estas pessoas pensarão duas vezes antes de agredir", avalia.

"Sempre haverá mais leis para fazer, mais mobilização, mais educação", sobretudo entre as crianças, "mas continuo pensando que em cinco anos, evoluímos bastante em comparação com os últimos 40, não?".

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