Renata Souza, sucessora de Marielle Franco na luta contra o racismo no Rio
09:35 | Set. 13, 2022
O assassinato de sua amiga, Marielle Franco, em 2018, foi "a maior dor que tinha sentido na vida". Mas Renata Souza, mulher negra, "favelada" como a vereadora assassinada, continuou sua luta, tornando-se um estandarte contra o racismo perante a elite política do Rio de Janeiro.
Candidata à reeleição pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ela diz travar uma batalha diária na Assembleia Legislativa do Rio, onde chegaram a tentar impedi-la de pegar o elevador destinado aos legisladores por considerar que fosse uma empregada doméstica.
"Quando a gente chega falando, 'Eu sou mulher, preta, da favela e venho aqui defender essas pautas', é um susto muito grande (....) Pessoas como eu sempre estivemos na periferia da política", explica esta mulher cheia de energia na pequena sala da casa onde nasceu na Maré, complexo de favelas na zona norte do Rio.
Souza, de 40 anos, é agora uma personalidade popular em seu bairro: vestindo roupas com cores alegres e grandes brincos dourados com o formato do mapa da África, ela cumprimenta todo mundo enquanto percorre as movimentadas vielas.
Mas esta ativista não planejou nada disto.
Caçula de três irmãos, Souza descobriu aos 15 anos que queria ser repórter: "Criticava a forma que o jornalismo olhava a favela. Queria contar as histórias da maneira que eu achava que deveriam ser contadas" sem os preconceitos que identificam estas comunidades com milícias e narcotráfico, explica.
Única de sua família a frequentar a universidade, conheceu Marielle Franco, outra cria da Maré, no cursinho pré-vestibular e começaram a trilhar juntas o caminho do ativismo diante da impunidade das mortes ocorridas durante operações policiais.
"Mataram amigos nossos (...) As coisas estavam chegando muito perto, então defender os direitos humanos era quase defender a nossa própria existência", lembra.
Renata Souza reportou, fotografou e documentou a Maré até que seu amigo e também militante, Marcelo Freixo - candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB) ao governo do estado do Rio - lhe propôs se somar à sua campanha para deputado estadual em 2006.
"Minha primeira reação foi dizer a ele: 'Você vai se burocratizar, vai ficar longe do povo!', mas ele me disse uma frase que me convenceu, 'Renata, preciso me candidatar porque nossos inimigos estão se candidatando'", diz, em alusão a dois policiais que promoviam o confronto armado nas favelas como política de segurança pública.
No dia das eleições, uma bala perdida disparada por um policial matou Renan, de três anos, sobrinho de seu namorado.
"Eu ouvi o tiro que matou ele", lembra, ainda com a voz embagada. "Disse a mim mesma: a gente está aqui lutando e no dia das eleições uma criança de três anos é morta com um tiro de fuzil da polícia! Tudo isso não serve para nada".
Mas, ela sentiu que não tinha outra opção.
Continuou nos "bastidores", especialmente na comissão de direitos humanos do Rio, e quando Marielle se lançou na política, coordenou sua campanha e chefiou seu gabinete até 14 de março de 2018, dia em que a vereadora popular foi morta a tiros no centro do Rio.
Esse crime, que chocou o mundo e continua sem solução, "foi a maior dor que tinha sentido na minha vida - perder uma amiga dessa maneira, diante de uma situação tão absurda".
Ela quis desistir, mas acabou dando um salto à frente.
Na mesma votação, em 2018, em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, Souza conquistou um assento na Assembleia Legislativa do Rio. Foi a candidata da esquerda mais votada em uma Câmara de 70 deputados, dos quais apenas 13 são mulheres, cinco delas negras.
"Todo esse racismo e machismo que a gente vê na sociedade se reproduz dentro dessa casa legislativa, historicamente ocupada por homens brancos da elite econômica", diz. "É tudo muito hostil", com tentativas de "de não nos reconhecer nesse lugar".
Souza teve, inclusive, que se mudar da Maré por causa das ameaças recebidas de grupos afins a Bolsonaro nas redes sociais.
Mas ela se sente orgulhosa de seu mandato, ao ter promovido principalmente uma lei para priorizar a investigação de assassinatos de crianças e adolescentes e medidas para lutar contra a violência obstétrica das mulheres negras.
"Eu perdi a minha liberdade. É um preço muito alto para fazer política no Brasil. Mas faz sentido diante dessas vitórias".
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