Crise de energia ameaça economia alemã baseada em exportação

00:00 | Ago. 28, 2022

Por: DW

O comércio externo da Alemanha tem sofrido com os fortes ventos que abalam a economia global nos últimos anos. Agora a crise energética desencadeada pela guerra na Ucrânia pode ser fatal para empresas exportadoras.As mais recentes cifras sobre exportação da Alemanha ilustram o perigo de tirar conclusões precipitadas a partir de fragmentos de informação: de acordo com elas, em junho as exportações nacionais teriam atingido níveis recorde. No entanto, economistas alertam que o fato se deve à explosão dos preços e à inflação galopante, não a uma boa saúde comercial. A Alemanha é a terceira maior exportadora do mundo, só ultrapassada pela China e, por uma pequena margem, pelos Estados Unidos, como segundo lugar. Porém é cada vez maior a ansiedade quanto aos efeitos da série de eventos globais dos últimos anos sobre uma economia tão dependente de exportações. Guerras comerciais e tensão crescente entre o Ocidente e a China, os choques de abastecimento devido à pandemia de covid-19 e, mais recentemente, a guerra da Rússia contra a Ucrânia, colocaram de ponta-cabeça a ordem em que se baseia grande parte da prosperidade alemã. "Acho que, globalmente, não há uma economia mais exposta às mudanças da globalização do que a da Alemanha", comenta Andreas Nölke, professor de ciência política da Universidade Goethe de Frankfurt. Em seu livro Exportismus. Die deutsche Droge (Exportismo. A droga alemã), ele argumenta que o país se viciou em sua poderosa base exportadora e necessita um novo modelo econômico para fazer frente às exigências do contexto global alterado. "A Alemanha foi um dos países que mais se beneficiaram do período de globalização desde 1990 até a crise financeira global ou – talvez um pouco depois. Mas agora se vê que os dados em torno da globalização estão se reduzindo de modo lento, porém constante. Acho que a Alemanha está em apuros." Fim do modelo econômico alemão? Os dados alemães para maio revelaram o primeiro déficit da balança comercial em mais de 30 anos, ou seja: o país importou mais do que exportou. O economista Carsten Brzeski, do banco ING, avaliou a notícia em termos impiedosos. "A guerra na Ucrânia põe fim ao modelo econômico alemão conhecido até então, um modelo baseado, sobretudo, em importação de energia barata e exportações industriais, num mundo cada vez mais globalizado", sentenciou o analista de longa data da economia alemã. Embora Nölke afirme que o risco exportador da Alemanha é aparente há anos, uma das ameaças mais recentes e prementes é a crise em torno da energia russa, sobretudo seu gás, do qual há décadas a maior economia da Europa tem estado entre as maiores dependentes. Contudo a invasão da Ucrânia obrigou a uma colossal reavaliação. Embora muito do foco tenha se dirigido ao impacto da crise energética sobre os lares, com a União Europeia se apressando em cortar as importações de combustíveis russos e a própria Rússia estrangulando o abastecimento, diversas grandes indústrias da Alemanha se perguntam como sobreviverão sob as novas condições. Uma consulta recente da Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio (DIHK) com 3.500 companhias mostrou que 16% estão reduzindo a produção ou encerrando parcialmente suas operações comerciais, devido aos altos preços da energia. Segundo o presidente da confederação, Peter Adrian, trata-se de "cifras alarmantes", que mostram "quão permanente é a carga dos altos preços da energia". Parte da indústria alemã já em apuros Os alertas vêm se tornando cada vez mais dramáticos. No começo de agosto, o Commerzbank, uma das maiores instituições de crédito da Alemanha, declarou que a crise do gás acarretaria "severa recessão", com consequências comparáveis às da crise financeira global de 2008. Entre os setores da indústria nacional, o principal consumidor de energia é o da química, responsável por 29,3% do consumo total (embora cerca de um terço do gás seja empregado como matéria prima para a produção de determinados produtos). Também os setores metalúrgico, de coqueificação, vidro e cerâmica queimam grandes volumes de energia, e praticamente todos são importantes propulsores das exportações alemãs. No começo da crise, a Basf, maior grupo químico do mundo, advertira que suspenderia sua produção, caso o fornecimento de gás natural ficasse mais de 50% abaixo de suas necessidades. No começo de agosto, então, ela anunciou que deixará de produzir amônia, devido à alta da energia. A decisão poderá ter consequências para setores dependentes da substância, como os de plásticos, fertilizantes e bebidas gasosas. A fabricação de amônia já foi reduzida antes, em tempos de altos preços, e pode ser compensada com importações. Contudo Nölke vê aí um exemplo de como as circunstâncias podem mudar para a indústria alemã, no longo prazo, com outros setores e exportadores também tendo que suspender suas atividades. "Acho que o melhor exemplo é o setor de peças automobilísticas e as fabricantes de peças para as grandes montadoras. Essa é uma parcela da indústria em grandes apuros, no momento", afirma o cientista político. Perigosa dependência da China Por mais severa que a crise energética seja atualmente, a ameaça à existência do modelo econômico alemão baseado na exportação se deve a diversos fatores, não apenas aos efeitos imediatos da guerra na Ucrânia sobre os mercados globais de energia. Outra causa central de preocupação é a dependência do setor comercial alemão em relação à China, a qual segue sendo sua maior parceira. Críticos consideram essa situação inaceitável, pois a deterioração das relações entre o país asiático e o Ocidente implica o risco de que o desligamento se torne um imperativo político e econômico. "Está claro que no momento grande parte da indústria alemã é extremamente dependente do mercado chinês. E se houver uma grande confrontação, haverá grandes problemas para essa parte da Alemanha", adverte Nölke. A crise energética é apenas a mais recente de uma coleção de ameaças. Para o exército de companhias exportadoras da Alemanha, os próximos anos apresentam um desafio sem precedentes: provar que o selo "made in Germany" ainda se aplica a produtos comerciais, e não a crises. Autor: Arthur Sullivan