Na Ucrânia, confrontos em torno de usina nuclear evocam memórias de Chernobyl

15:55 | Ago. 14, 2022

Por: AFP

Anastasia Rudenko mostra a medalha de ouro que seu marido Viktor recebeu por ter trabalhado como "liquidador" após o desastre nuclear de Chernobyl. Ele morreu em 2014, de câncer de bexiga causado, segundo ela, pela radiação.

Em sua aldeia de Vichchetarasivka, a poucos quilômetros da usina nuclear de Zaporizhzhia, Rudenko luta para tornar conhecido o papel da radiação na morte de seu marido.

Do outro lado do rio, a apenas 14 quilômetros de distância, é impossível não ver a imponente silhueta da usina.

Desde 5 de agosto, Ucrânia e Rússia acusam-se mutuamente de bombardeios no setor. Os ataques chegaram a atingir o local onde são armazenados os resíduos radioativos, o que voltou a causar o desligamento automático do reator nº 3 da maior usina nuclear da Europa.

A Ucrânia alega que a Rússia é responsável pelos ataques e mantém armas e soldados perto da fábrica, aproveitando a impossibilidade do exército ucraniano de responder.

"Poderíamos ter o mesmo destino dos habitantes de Chernobyl", diz Rudenko, 63. "O que está acontecendo não é bom e não sabemos como vai terminar."

A Ucrânia ainda é muito marcada pela catástrofe nuclear de Chernobyl, no norte da Ucrânia, que ocorreu em abril de 1986. Um reator explodiu, causando o mais importante acidente nuclear civil da história, que ejetou uma nuvem tóxica que se espalhou por todo o continente.

Em quatro anos, 600.000 "liquidadores" foram enviados ao local com pouca ou nenhuma proteção para apagar o fogo nos territórios ao redor da usina.

O balanço humano da catástrofe continua gerando debate.

A ONU só reconhece cerca de 30 mortes entre operadores e bombeiros devido à radiação aguda após a explosão, enquanto que a ONG Greenpeace avaliou o número de mortes em 2006 em 100.000.

Na época, Viktor Rudenko dirigiu um caminhão na "zona" por 18 dias. Uma condecoração foi concedida a ele pela União Soviética. Na medalha, é possível ver átomos girando em torno da "cúpula de Chernobyl", símbolo do lugar.

Um documento em mau estado, dos arquivos do Ministério da Defesa ucraniano, certifica o trabalho de Viktor e a dose de radiação que recebeu: 24,80 roentgen.

"Quando vejo os papéis do meu marido, sinto dor", explica Anastasia Rudenko: "Muitas pessoas morreram ou ficaram marcadas para sempre".

Mencionando os bombardeios no terreno da usina, visíveis de sua casa, Anastasia afirma que "as pessoas dizem que há vazamentos, mas não querem confessar publicamente".

No início da invasão da Ucrânia, tropas russas tomaram a usina de Chernobyl, mas os locais foram abandonados semanas depois, quando o fracasso em tomar Kiev levou a Rússia a retirar seus soldados.

A central de Zaporizhzhia também foi ocupada desde os primeiros dias da guerra, após breves combates que causaram medo na comunidade internacional.

Desde então, a usina está nas mãos dos russos: o rio Dnipro marca o limite entre os territórios ocupados pela Rússia e os dominados pela Ucrânia.

Vasil Davidov afirma que três "liquidadores" ainda vivem em Vichchetarasivka, um lugar bucólico com pequenas cabanas com excelente vista para o rio, de forte correnteza naquele local, e mais longe para as torres de resfriamento da usina.

Davidov é um deles: passou três meses e meio trabalhando na descontaminação de Chernobyl, fazendo 102 viagens à "zona" e usando um dosímetro para medir os níveis de radiação ao demolir casas contaminadas.

Em seu jardim, em um freezer convertido em mesa improvisada, o homem de 65 anos exibe as medalhas. Um representa a figura mitológica de Atlas carregando o mundo, e a imagem do globo terrestre é substituída pela central de Chernobyl.

Também há fotos. De Vasil Davidov em uniforme militar, posando com companheiros na frente de um painel que diz "Soldado! Vamos trazer Chernobyl de volta à vida".

"Estava lá. Vi tudo, principalmente a magnitude" dos danos, relata Davidov.

É preciso muito para assustá-lo. Dias após a tomada da usina pelas tropas russas em março, pastilhas de iodo foram distribuídas nas cidades em caso de emergência, mas o tempo passado na "zona" parece tê-lo habituado à ameaça.

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