As dificuldades dos deslocados que fogem de conflito entre talibãs no Afeganistão

11:12 | Jul. 22, 2022

Por: AFP

Milhares de moradores de uma região montanhosa desértica no norte do Afeganistão passaram por uma provação enquanto fugiam de um conflito entre um chefe local do Talibã e forças do governo no final de junho.

"Não queríamos ficar no meio da luta, corríamos o risco de morrer. Então, fugimos e ficamos presos nas montanhas. Foi interminável", contou à AFP Zahra, de 35 anos, que usa um nome falso por razões de segurança.

"Dormíamos com sede e de estômago vazio. Acordávamos cedo e voltávamos a andar. Caminhamos 12 dias", continua esta mãe de quatro filhos, com idades entre cinco meses e 12 anos, cuja aldeia fica no distrito de Baljab, no sul da província de Sar e Pol.

Junto com o marido e outra família, refugiou-se em uma mesquita no distrito de Yakawlang, na província vizinha de Bamiyan.

Fugiram de Baljab quando um conflito eclodiu entre as autoridades talibãs e Mehdi Mujahid, um dos poucos membros da minoria xiita hazara, que se tornou comandante nas fileiras dos talibãs - sunitas em sua maioria pashtuns - a quem se juntou em 2019.

Quando o Talibã assumiu o poder em Cabul em agosto de 2021, ele foi nomeado chefe de Inteligência na província de Bamiyan, de maioria hazara.

A comunidade hazara foi perseguida durante décadas, particularmente pelos talibãs quando chegaram ao poder (1996-2001). E continua sendo alvo de ataques do grupo jihadista Estado Islâmico, que os descreve como hereges.

A nomeação de Mehdi Mujahid foi percebida como uma tentativa do Talibã de cumprir sua intenção declarada de ser mais inclusivo. Mas, em última análise, o governo é composto quase exclusivamente por pashtuns.

No início do ano, ele foi afastado de suas funções e entrou em conflito com seus ex-superiores. Logo se retirou com os combatentes para seu distrito natal de Baljab, contra o qual o Talibã lançou uma ofensiva no final de junho.

O sectarismo religioso, a etnicidade e a luta pelo controle dos recursos de carvão em Baljab "contribuíram para o conflito", explica à AFP o analista Nematulá Bizhan, com sede na Austrália.

Baljab abriga várias minas de carvão, cuja demanda disparou nos últimos meses, especialmente no Paquistão, devido à crise energética.

Os comandantes locais do Talibã tinham a reputação de "taxar" os caminhões que iam para o Paquistão, como já faziam membros do governo anterior.

Mehdi Mujahid foi destituído do cargo por se recusar a se submeter à vontade de Cabul de interromper essa prática. "Baljab tem uma longa história de resistência ao governo", acrescenta Bizhan.

Embora os combates tenham durado apenas alguns dias, e Mehdi Mujahid tenha se refugiado nas montanhas, pelo menos 27.000 pessoas - segundo as Nações Unidas - tiveram de fugir dessa região árida e desértica, muitas vezes acessível apenas a pé.

"Não levamos nada conosco. Saímos com as roupas que estávamos vestindo, não tínhamos comida. Andamos quatro dias, às vezes até dez horas", conta Barat Ali Subhani, também hospedado com a esposa e cinco filhos na mesquita perto da cidade de Yakawlang.

"Nos dias seguintes, pensamos que provavelmente morreríamos", acrescenta.

Na cidade de Duzdanchishma, perto do distrito de Baljab, a chefe do centro de saúde atendeu vários deslocados. "A maioria é de mulheres grávidas que caminharam por dias nas montanhas", disse Najiba Mirzae à AFP.

Segundo ela, "a maioria das mulheres e crianças apresentava problemas respiratórios, diarreia e vômitos por conta do frio".

Agências das Nações Unidas distribuem ajuda, mas o acesso a muitos deslocados internos espalhados nas montanhas continua difícil.

Noryalai lidera uma equipe móvel do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em Duzdanchishma. Percorre a região a pé em busca de deslocados. Voltou de uma viagem cansativa a um lugar onde pensava encontrar alguns.

"Não conseguimos entrar, porque os burros não conseguiram passar e tivemos que dar meia-volta", relatou.

Embora a mídia local relate mortes em todos os campos e entre a população civil, não há dados confiáveis.

No final de junho, a Anistia Internacional expressou "profunda preocupação com relatos de execuções sumárias e maus-tratos de civis".

Essas acusações foram rejeitadas por Cabul.

"Não há mais combates. Mehdi Mujahid fugiu. Estamos procurando por ele", disse à AFP o porta-voz do Ministério da Defesa, Enayatullah Khwarizmi.

"Dizem que a situação é normal, mas, depois das 20h, o Talibã não permite que ninguém saia. E se alguém sai ou as luzes ficam acesas, eles atiram", explica um deslocado que pediu anonimato, perto de Duzdanchishma.

"As pessoas estão com medo, é por isso que ainda estão nas montanhas", conclui.

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