Semanas após sua reeleição, presidente francês busca apoio para derrotar ampla aliança em torno do populista de esquerda Jean-Luc Melénchon, que almeja o cargo de primeiro-ministro.Os franceses acabam de reeleger o centrista Emmanuel Macron para a presidência da França com uma maioria confortável de 58,5% dos votos. Mas, para poder governar, o partido do presidente ainda precisa vencer as eleições legislativas em meados de junho. De acordo com uma pesquisa recém-publicada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop), a esquerda venceria o primeiro turno, com 28% dos votos. A aliança em torno do partido presidencial, recentemente rebatizado de Renascimento, e o Reagrupamento Nacional (RN), da extremista de direita Marine Le Pen, seguem em segundo e terceiro lugares. Sobretudo a esquerda agora sonha alto, pois, nessa divisão de poder extremamente rara na França, o presidente se veria obrigado a nomear um primeiro-ministro do campo oposto por não ter maioria na Assembleia Nacional (câmara baixa do Parlamento). Sem maioria parlamentar, Macron teria que enterrar sua agenda de reformas. A ampla reorganização do sistema previdenciário, com o aumento da idade de aposentadoria para 65 anos, estaria fora de questão. "Macron voltaria a assumir a função simbólica de presidente e tentaria influenciar ao máximo certos processos", diz Emmanuel Droit, professor de História Contemporânea da Universidade Sciences Po em Estrasburgo, descrevendo as possíveis consequências de tal coabitação. "Nessa constelação, no entanto, seu poder seria muito limitado." Democracia em crise No entanto, mesmo uma clara maioria da oposição no primeiro turno não garantiria uma mudança de governo, porque as eleições são realizadas em todos os 577 distritos eleitorais de acordo com o sistema de pluralidade de votos. Se nenhum candidato obtiver maioria absoluta no primeiro turno, haverá um segundo turno dos candidatos mais bem colocados. Tanto o Reagrupamento Nacionalquanto os populistas de esquerda do França Insubmissa (LFI), do veterano de 70 anos Jean-Luc Mélenchon, tentam capitalizar as ressalvas contra Macron e converter as eleições gerais num "terceiro turno". Le Pen e Mélenchon ficaram em segundo e terceiro lugar, respectivamente, nas eleições presidenciais de abril, bem à frente dos demais candidatos. Os tradicionais partidos de centro-direita e centro-esquerda da França, Os Republicanos e o Partido Socialista, tiveram um desempenho catastrófico, ficando abaixo de 5%. No entanto, apenas o populista de esquerda Mélenchon tem chance de se tornar primeiro-ministro. Embora Marine Le Pen tenha conquistado mais de 13 milhões de votos no segundo turno e vencido em 30 departamentos, as perspectivas para RN nas legislativas são ruins, também devido à falta de candidatos adequados. O líder interino do partido, Jordan Bardella, apresentou metas modestas. Em sua opinião, chegar à Assembleia Nacional, com pelo menos 15 deputados, já seria um sucesso − o partido atualmente só tem seis cadeiras na Assembleia, contando a de Le Pen. Aliança histórica de esquerda Jean-Luc Mélenchon, por outro lado, conseguiu um golpe político. O eurocético e forte crítico da Alemanha criou uma nova e ampla aliança eleitoral chamada Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes) com o Partido Socialista, o Partido Comunista e o Partido Verde, num projeto considerado utópico há apenas algumas semanas. A nova aliança concorrerá com apenas um único candidato comum em cada um dos 577 distritos eleitorais para que os partidos não tirem os votos uns dos outros. O próprio Mélenchon não se cansa de se apresentar como o futuro primeiro-ministro que promete mudanças radicais nas políticas interna e externa. Ele rejeita uma cooperação construtiva entre a França e a União Europeia. Também a tradicionalmente estreita relação entre Paris Berlim sofreria com ele, pois Mélenchon considera a parceria franco-alemã completamente ultrapassada. Droit reconhece haver atualmente uma dinâmica política a favor de Mélenchon que mobilizará um grande número de eleitores de esquerda. Essa é uma novidade na história da França, porque até agora muitos apoiadores dos candidatos derrotados nas eleições presidenciais tendiam a ficar longe das urnas quando a Assembleia Nacional era eleita algumas semanas depois. Esse comportamento eleitoral no passado também garantiu ao presidente a maioria necessária na Assembleia Nacional para governar. Prognósticos são difíceis Apesar da aparente onda de apoio à esquerda francesa, pesquisas de opinião, no entanto, não preveem atualmente uma maioria parlamentar para ela. Mélenchon, que não está buscando outro mandato e apenas quer ser primeiro-ministro, poderia levar entre 135 e 165 assentos, segundo uma análise feita na semana passada pelo instituto OpinionWay. A "Ensemble", aliança em torno do partido de Macron, por outro lado, garantiria sua maioria parlamentar com 310 a 350 do total de 577 assentos, apesar das amplas críticas ao presidente. Droit também espera que Macron, em seu último mandato permitido pela Constituição, obtenha uma maioria na Assembleia. E o sistema de votação por maioria significaria que a política moderada acabaria prevalecendo no final, aponta. "Um primeiro-ministro Jean-Luc Mélenchon significaria que os franceses poderiam se aposentar aos 60 anos de idade. Mas as pessoas sabem que isso não é viável. Há também reservas sobre seu programa de política externa, com suas críticas maciças à UE e sua afinidade com Estados autocráticos", diz o historiador. A França precisa de uma reforma eleitoral? Com uma ampla maioria da aliança em torno de Macron, o Parlamento provavelmente não desempenharia um papel corretivo em relação à concentração de poder nos próximos cinco anos − apesar da enorme resistência à política do presidente entre a população. "Temos uma crise da democracia representativa na França", constata Droit. "Os partidos e sindicatos não estão mais cumprindo seu papel de mediadores políticos. E por isso muitos políticos, não apenas das fileiras do RN e da LFI, mas também no campo do presidente − estão pedindo por uma reforma eleitoral. O voto proporcional seria a chave para isso." "As ruas são a única solução para expressar protesto" Macron já havia prometido "uma dose de voto proporcional" após ser eleito pela primeira vez, cinco anos atrás, e repetiu a proposta na atual campanha eleitoral. O presidente está sob enorme pressão por causa disso, mas uma decisão rápida é improvável. Por outro lado, é previsível que a oposição volte às ruas também no segundo mandato de Macron, assim como fizeram os "coletes amarelos" − inicialmente um protesto contra o aumento do preço dos combustíveis que se transformou num movimento amplo contra o governo Macron. "Infelizmente, isso é o que tememos que possa acontecer no outono", diz Droit. "Para muitos franceses, as ruas são a última e única solução para expressar seu protesto. As pessoas na França veem as ruas como um lugar para a democracia de 'baixo para cima'." Autor: Andreas Noll