Opinião: Vitória da Ucrânia mostra que Eurovision é político
00:02 | Mai. 17, 2022
Banda ucraniana ganhou festival da canção europeia. Público europeu deixa claro de que lado está na guerra, opina o jornalista da DW Andreas Brenner.A Ucrânia ganhou pela terceira vez neste sábado (14/05) o Festival da Canção Eurovision (ESC). O país enfrenta atualmente a pior invasão desde a Segunda Guerra Mundial e, mesmo assim, participou do concurso musical. Isso é tão inacreditável quanto realizar uma das maiores festas da Europa enquanto uma guerra brutal devasta o meio do continente. A vitória da Ucrânia livrou o Festival da Canção Eurovision deste dilema e tomou uma posição política clara. A banda Kalush Orchestra facilitou para o ESC. Os ucranianos fizeram uma fantástica apresentação em Turim, agraciada pelos telespectadores com a pontuação mais alta. Nunca saberemos se a canção Stefania ganharia o concurso em outras circunstâncias. De qualquer forma, o júri de especialistas colocou a Ucrânia "apenas" no quarto lugar. Mas o público não tinha outra escolha. Em primeiro, a Ucrânia precisa de todo apoio, como o líder da banda Oleh Psiuk destacou. Em segundo, o Eurovision defende a convivência pacífica, a autodeterminação e a alegria de viver – tudo o que o Exército do presidente russo, Vladimir Putin, procura destruir agora. ESC nunca foi indiferente politicamente Os votos para a Ucrânia foram uma clara mensagem para a Rússia: a Europa e a também participante do ESC Austrália nunca vão aceitar a guerra. Essa foi uma decisão política e correta. De qualquer maneira, o concurso nunca foi indiferente politicamente. A sua própria criação em 1956 colocou no palco países que 12 anos antes tinham lutando entre si na Segunda Guerra Mundial. Isso foi político. A primeira vitória alemã no concurso em 1982, com Ein bisschen Frieden (Um pouco de paz) de Nicole, acertou em cheio na época e no movimento pacifista. A queda da Cortina de Ferro abriu o caminho do ESC para o Leste europeu. Várias vezes os participantes tiveram disputas políticas. Também a Rússia e a Ucrânia. Em 2016, a vitória da ucraniana Jamala, em Estocolmo, com a canção 1944 mostrou de que lado a Europa estava após a anexação da Crimeia. A Rússia não tem lugar no ESC Em 1944, os tártaros da Crimeia foram deportados em massa da península por ordem de Stalin. Ao contrário de 1944, Stefania não esconde nenhuma mensagem política, que na realidade são proibidas pelas regras do concurso. Stefania é uma canção de amor à mãe, que mistura estilo folclórico e rap no idioma ucraniano. Outro exemplo da multifacetada cultura e identidade ucraniana, cuja existência é negada constantemente por Putin. Com seu apoio à Ucrânia, o Eurovision mostrou que o país pertence à família europeia. O organizador do festival, a União Europeia de Radiodifusão (EBU), avaliou os apelos para ajudar a Ucrânia como um gesto humanitário – bem consciente dos sentimentos que a guerra na Ucrânia suscita entre os participantes e os europeus. Não há lugar para a Rússia nesta família. Após a pressão de vários membros da EBU, o país foi excluído do concurso após a invasão da Ucrânia. Para voltar ao festival, a Rússia precisa ser mentalmente "desputinizada". Isso levará anos, pois a aversão aos valores europeus, que são universais, está enraizada profundamente na sociedade russa. Um posicionamento político claro do Eurovision não significa, porém, que o concurso pode ser instrumentalizado por políticos. Os fãs do ESC são inteligentes o suficiente para não se deixarem ser tratados de forma paternalista por políticos. Eles tomam suas próprias decisões políticas. O espírito livre do Eurovision é também uma chave de seu sucesso e popularidade, não apenas entre os fãs. Respeito pela Ucrânia – também no próximo ESC E se rimos dos "lobos" noruegueses, das emoções exageradas de algumas baladas, e da artista sérvia que lavou às mãos no palco, tudo bem. A diversão faz parte da noite de sábado. Isso no fim pode acabar rápido, como o ataque russo mostrou. Essa invasão roubou a diversão com o Eurovision de muitos ucranianos. É difícil de imaginar que eles curtiram a noite descontraídos como os espanhóis, italianos e poloneses. A vitória da Kalush Orchestra tem também um gosto amargo. O país vencedor é a sede do próximo ESC no ano seguinte. Isso parece impossível com a atual destruição da Ucrânia, mesmo se a guerra acabar em breve e a Rússia parar de bombardear cidades ucranianas. Outro país deve acolher provavelmente o próximo Festival da Canção Eurovision, talvez o Reino Unido, que ficou em segundo lugar. A EBU encontrará uma solução. Mas ela deve respeitar o desempenho da Ucrânia, como fizeram os telespectadores do ESC 2022. Andreas Brenner é repórter da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW. Autor: Andreas Brenner