Rio 'renasce' com seu primeiro carnaval desde a pandemia

O carnaval do Rio de Janeiro enterrou, nesta sexta-feira (22), dois anos obscuros de covid com uma explosão de euforia que fez tremer o emblemático Sambódromo, convertido de novo na meca do samba e da fantasia de maneira magistral.

70.000 pessoas acompanharam vibrando os deslumbrantes carros alegóricos e os exércitos de componentes que dançaram e cantaram a todo pulmão na avenida, que serviu como centro de vacinação durante a pandemia.

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Princesas com plumas e asas, reis e rainhas com coroas giratórias, flores e sóis andantes de cores tão vivas que iluminavam a noite... os desfiles das tradicionais escolas de samba retornaram com todo seu esplendor após uma longa espera de mais de dois anos.

"Parece que estou finalmente renascendo, durante a pandemia, me senti muito triste, estava ficando doente, porque amo o carnaval", disse à AFP a experiente Tia Cléa, de 70 anos, que tem meio século de desfiles com a escola Viradouro.

Atual campeã do desfile, a Viradouro recordou o carnaval de 1919, quando ainda não existiam as escolas de samba, mas, mesmo assim, os cariocas lotaram massivamente as ruas para celebrar o fim da chamada gripe espanhola, fantasiados de pierrots, de colombinas ou de "peste negra".

"Tirei a máscara em um clima envolvente, apoiei meus lábios suavemente e te beijei em uma alegria sem fim... carnaval, te amo!", coreografavam eufóricos os participantes, entre eles Sílvio Guimarães, de 56 anos, vestindo um traje completamente negro, com bico de pássaro e maleta de médico.

"Estamos representando um baile de carnaval depois de uma pandemia... em 1919. Hoje, o mais é importante é que estamos aqui, muitas pessoas gostariam e não puderam (estar)", disse, emocionado.

Com uma crise sanitária amplificada por atrasos na vacinação, mais de 660.000 pessoas morreram de covid no Brasil, um número superado apenas pelos Estados Unidos.

Foram "dois anos de muita obscuridade no mundo, cada um olhando para si mesmo". Essa noite "temos a possibilidade de mostrar que somos felizes, apesar de todos os problemas", disse Latino Suárez, de 45 anos.

"Brasil sem carnaval não é Brasil", sentenciou.

As 12 escolas de samba que competem no Sambódromo durante duas noites contam cada uma seu enredo, uma história rica em referências históricas e culturais ensaiada previamente durante meses.

E este ano a luta antirracista, muito presente no mundo do samba, de origem popular e enraizado nas favelas, retornou com força.

O enredo "Resistência" da escola Salgueiro foi inspirado nos protestos antirracistas ocorridos após a morte do americano George Floyd e no movimento Black Lives Matter.

Os carros alegóricos foram adornados com referências às religiões afro-brasileiros e punhos gigantes convidaram à "Resistência". Um obelisco com a inscrição "Racismo" foi derrubado, arrancando aplausos do público.

Nas arquibancadas, foram abertos alguns cartazes que diziam "Fora Bolsonaro" em alusão ao presidente brasileiro, que em outubro buscará sua reeleição.

"Com o governo de Jair Bolsonaro, o racismo é mais humilhante porque vem de cima", disse Cláudia Nascimento, caixa de 43 anos, do morro do Salgueiro.

Os erros e os pequenos incidentes não passaram despercebidos. No caso da Viradouro, um dos bailarinos principais perdeu um sapato no pior momento: o calçado ficou jogado no meio da passarela enquanto o jurado avaliava a atuação do componente.

Este ano, essas associações com décadas de história recuperaram parte do financiamento público que o prefeito do Rio anterior, o evangélico Marcelo Crivella (2017-2020), retirou ao rechaçar a festa popular.

Porém, o setor privado financia a maior parte dos desfiles, cujos carros alegóricos e fantasias alcançam o valor de centenas de milhões de dólares.

A segurança, cujas falhas provocaram vários acidentes no passado, também desperta atenção, depois que uma menina de 11 anos faleceu na sexta-feira (22), após ser esmagada na noite de quarta (20) por um carro alegórico na saída do Sambódromo.

A prefeitura não autorizou este ano os desfiles de rua que são organizados normalmente em paralelo e deixam a Cidade Maravilhosa em êxtase musical, mas alguns blocos de menor porte realizaram seus cortejos, se recusando a adiar a festa nem por um minuto a mais.

O carnaval traz também alívio para setores econômicos afetados pela pandemia, como o hoteleiro, com uma ocupação em torno de 78%, apesar da queda do número de estrangeiros (14% dos presentes, frente a 23% em 2020).

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