Justiça turca envia caso de jornalista assassinado para Arábia Saudita

A Turquia encerrou nesta quinta-feira (7) o processo judicial pelo assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi e o enviou para a Arábia Saudita, uma decisão criticada pelas organizações de defesa dos direitos humanos e que será objeto de recurso da noiva da vítima.

O jornalista crítico do regime saudita, que tinha 59 anos e era colaborador do jornal americano The Washington Post, foi assassinado em 2 de outubro de 2018 no consulado saudita em Istambul, onde foi estrangulado e esquartejado.

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A última audiência do julgamento à revelia contra 26 sauditas, iniciado em julho de 2020, durou poucos minutos e o juiz do tribunal de Istambul anunciou a decisão: "Decidimos transferir o caso para a Arábia Saudita".

A decisão já era esperada. Na audiência anterior, o promotor havia solicitado a transferência alegado que o caso "demora" porque as ordens do tribunal não podem ser aplicadas, pois os suspeitos são estrangeiros".

E o ministro da Justiça, Bekir Bozdag, informou na semana passada que apoiaria o pedido da Promotoria.

Com a necessidade de investimentos para enfrentar a grave crise econômica, a Turquia tinha pressa para concluir o assunto e retomar as relações com a Arábia Saudita, cujo príncipe herdeiro Mohamed bin Salman foi afetado pelo crime.

"Aqui não somos governados por uma família como na Arábia Saudita. Temos um sistema judicial que responde às queixas dos cidadãos: desta maneira, apresentaremos um recurso", declarou diante do tribunal a noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz.

Para ela, a Promotoria turca atende as "demandas sauditas". "Sabemos muito bem que as autoridades não farão nada. Como podemos imaginar que os assassinos investigarão eles mesmos?", questionou.

Um dos advogados de Cengiz, Gokmen Baspinar, afirmou que "a decisão de transferir o processo é contrária à lei e constitui uma violação da soberania turca".

"Não há nenhuma ação judicial na Arábia Saudita. As autoridades sauditas já encerraram o processo e decidiram absolver vários suspeitos", disse o advogado.

Organizações de defesa dos direitos humanos denunciaram a tentativa de enterrar o processo judicial contra os 26 acusados, incluindo duas pessoas próximas ao príncipe herdeiro.

Para Erol Önderoglu, representante da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) em Istambul, a decisão "envia um sinal assustador sobre o respeito que a Turquia concede à liberdade de imprensa".

"O tribunal aceitou transferir para a Arábia Saudita assim, em uma frase, sem sequer (advertir) os advogados sobre a rejeição de seus pedidos", tuitou Milena Büyüm, representante da Anistia Internacional na Turquia.

A secretária-geral da organização, Agnes Callamard, investigou o assassinato em 2019 como relatora especial da ONU e alertou em seu relatório para "evidências críveis" de vínculos de Mohamed bin Salman com o assassinato e sua tentativa de acobertar o crime.

"A Turquia está devolvendo de maneira voluntária e consciente o caso para as mãos dos que são responsáveis", afirmou, antes do anúncio oficial do arquivamento do processo.

Um relatório do serviço de inteligência dos Estados Unidos acusou o príncipe herdeiro saudita de ter "validado" o assassinato, executado por um comando de agentes procedente da Arábia Saudita que depois se livrou do corpo.

Depois de negar o assassinato, Riad finalmente admitiu o crime, mas afirmou que foi cometido por agentes sauditas que atuaram por conta própria.

Inicialmente, cinco pessoas foram condenadas à morte pelo assassinato, mas uma corte saudita revogou a sentença e decretou até 20 anos de prisão contra oito acusados, cujas identidades não foram reveladas em um opaco processo judicial.

Para decepção de Riad, a Turquia prosseguiu com o caso e o presidente Recep Tayyip Erdogan disse na época que a ordem para o assassinato "veio dos níveis mais elevados" do governo saudita.

Nos anos seguintes, embora de forma não oficial, a Arábia Saudita tentou pressionar a economia da Turquia com um boicote às importações.

Agora, em um momento de crise que provoca a desvalorização de sua moeda, a disparada da inflação e um crescente isolamento internacional, com a redução dos investimentos estrangeiros, a Turquia tenta uma aproximação de outras potências regionais como Egito, Emirados Árabes Unidos, Israel ou a própria Arábia Saudita.

O ministro das relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, visitou Riad no ano passado e Erdogan declarou em janeiro que pretendia viajar ao reino.

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