Milhares de civis seguem presos em Mariupol, enquanto Ucrânia e Rússia negociam

11:41 | Mar. 23, 2022

Por: AFP

Quase 100 mil pessoas permanecem presas em uma situação humanitária extrema entre as ruínas da cidade ucraniana de Mariupol, onde as bombas russas continuam caindo e enquanto as "difíceis" negociações continuam entre Kiev e Moscou.

Depois que a ONU pediu à Rússia para acabar com sua guerra "absurda" e "impossível de ganhar", o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky discursou nesta quarta-feira (23) ao Parlamento do Japão e pediu "reformas profundas" na ONU.

Quase um mês depois de a Rússia lançar sua invasão, em 24 de fevereiro, os diálogos de paz permitiram a instauração de corredores humanitários para evacuar civis e o governo ucraniano afirma que deseja submeter algumas das exigências russas a um referendo.

No entanto, segundo o ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, as negociações em Kiev são "difíceis" porque "o lado ucraniano muda constantemente de posição".

"É difícil se livrar da impressão de que nossos parceiros americanos os estão conduzindo pela mão", disse ele, afirmando que para Washington "não é lucrativo que esse processo termine rapidamente".

O principal negociador ucraniano, Mikhailo Podoliak, também admitiu que as negociações são "difíceis", segundo ele, porque "o lado ucraniano tem posições claras e de princípio".

Nesta quarta-feira, o presidente americano Joe Biden alertou que um ataque químico russo na Ucrânia é uma "ameaça real", antes de partir rumo a Bruxelas para se reunir com líderes da Otan, da União Europeia e do G7.

No dia anterior, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, declarou à rede CNN que a Rússia usará armas nucleares se enfrentar uma "ameaça existencial", uma retórica classificada como "perigosa" pelo porta-voz do Pentágono, John Kirby.

Neste contexto, o chefe de gabinete da Presidência ucraniana pediu nesta quarta aos ocidentais "armas ofensivas", uma "forma de dissuasão" contra Moscou, na véspera da cúpula da Otan, na qual Zelesnky participará por videoconferência.

Para os ucranianos presos em Mariupol e em outras cidades, as declarações da Rússia sobre as negociações de paz são apenas palavras vazias, já que todos os dias são alvos de bombardeios, classificados pelos países ocidentais como crimes de guerra.

Em sua última mensagem de vídeo, Zelensky afirmou que um grupo que seguia uma rota humanitária acordada foi "simplesmente capturado pelos ocupantes".

"Hoje a cidade ainda tem quase 100 mil pessoas em condições desumanas. É um assédio completo. Sem alimento, água, medicamentos, sob constante bombardeio", declarou Zelensky.

O conselho municipal afirmou no Telegram que, no total, cerca de 45 mil moradores da cidade teriam sido retirados.

Imagens de satélite de Mariupol fornecidas na terça-feira pela empresa privada Maxar mostravam uma paisagem de desolação, com vários prédios em chamas e várias colunas de fumaça emanando da cidade.

As forças ucranianas também relataram combates "pesados" em terra com a infantaria russa, depois que na segunda-feira se negaram a aceitar o ultimato de Moscou para se renderem.

Mariupol é fundamental para a Rússia por servir de ponte terrestre entre as forças russas na Crimeia, no sudoeste, e os territórios sob controle russo no norte e leste.

As agências da ONU estimam que cerca de 3.000 pessoas morreram violentamente nessa cidade, mas alertam que esse número ainda pode ser muito maior, já que o saldo real é desconhecido.

O presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Peter Maurer, chegou nesta quarta-feira a Moscou para "continuar as discussões humanitárias com as autoridades russas", anunciou a Cruz Vermelha em um comunicado.

No local, o ministério russo da Defesa registrou alguns avanços no sudeste da Ucrânia e afirmou ter atacado "infraestruturas militares" em todo o país.

Mas a Ucrânia e seus aliados afirmam que as forças russas sofreram muitas baixas, estão mal equipadas e incapazes de realizar operações complexas.

Pela primeira vez, há sinais de que as forças ucranianas estão na ofensiva, ao recuperar uma cidade próxima a Kiev e atacar as forças russas no sul do país.

Na cidade de Mykolaiv, ao sul, centro de combates intensos, os moradores disseram que estão decididos a defendê-la.

Durante o enterro do soldado Igor Dundukov, Serguei chorou ao beijar o corpo de seu irmão. "Apoiamos seu compromisso de defender nossa pátria. Esta é a nossa terra, vivemos aqui", declarou à AFP.

A capital Kiev abandonou, nesta quarta-feira, o toque de recolher de 35 horas decretado na segunda, depois que um bombardeio russo devastou um shopping, deixando oito mortos.

A Rússia alega que o edifício era usado para armazenar armas.

Nesta quarta-feira, um bairro residencial de Kiev localizado a apenas 5 quilômetros do front foi bombardeado. As autoridades não registraram vítimas, mas houve grandes danos materiais.

"Saí para fumar um cigarro e tinha acabado de voltar quando, de repente, bum! O teto caiu", contou à AFP Volodimir Ojrimenko, que mora em uma das casas afetadas, onde os bombeiros apagavam as chamas.

"Perdi a consciência por alguns momentos e depois consegui me levantar. Na casa, onde morávamos duas famílias, estávamos três, com minha irmã e seu esposo. Ninguém morreu", explicou o homem, aposentado, ainda impactado pelo ataque, mas feliz por ter apenas um arranhão no rosto.

A ofensiva russa na Ucrânia "está estagnada, apesar de toda destruição que provoca dia após dia", considerou o chefe de governo alemão, Olaf Scholz, nesta quarta-feira.

"Com esta guerra, Putin também destrói o futuro da Rússia", acrescentou ao Bundestag, alertando para novas sanções ocidentais contra Moscou.

Na terça-feira, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que a guerra "é impossível de ganhar".

Após suas reuniões em Bruxelas, Biden visitará a Polônia, que recebeu grande parte dos mais de 3,5 milhões de ucranianos que fugiram de seu país pela guerra.

Segundo funcionários americanos, o presidente também consultará seus aliados sobre a participação da Rússia na próxima reunião do G20, no final do ano na Indonésia. Um evento que o Kremlin não considera deixar de ir, afirmou a embaixadora russa em Jacarta, Liudmila Vorobieva.

Pouco antes, a China se pronunciou contra a exclusão da Rússia da reunião, apontando que "a Rússia é um importante país-membro (do G20) e nenhum membro tem o direito de expulsar outro país".

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