As ameaças da guerra para a economia mundial
10:20 | Mar. 11, 2022
Ainda não recuperada dos impactos da pandemia da covid-19, a economia mundial volta a ser ameaçada pela guerra na Ucrânia e pela explosão do preço das matérias-primas, acabando com as esperanças projetadas no início do ano.
"A guerra ocorreu em um momento em que a Europa e os Estados Unidos estavam desfrutando uma excelente recuperação", observa Jacob Kirkegaard, membro do "think tank" americano German Marshall Fund, em Bruxelas.
Em apenas duas semanas, a invasão russa "aumentou consideravelmente" os riscos, admitiu a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, na quinta-feira (10), reduzindo em 0,5 ponto sua previsão de crescimento para a zona do euro em 2022, agora em 3,7%.
Ontem, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também alertou que reduzirá seus próximos prognósticos, enquanto a agência de classificação de riscos S&P Global previu um declínio de 0,7 ponto no crescimento mundial, para 3,4%, devido ao colapso esperado do Produto Interno Bruto (PIB) russo e dos preços da energia.
Entre o impacto na conta de energia, o acolhimento de refugiados e o apoio em dinheiro, a guerra deve custar até 175 bilhões de euros à União Europeia, calcula o economista Jean-Pisani Ferry, do Instituto Bruegel.
Não há razão para temer grandes recessões, porém, avalia Kirkegaard, que antecipa mais um risco de estagflação, um fenômeno que ocorre quando o crescimento fraco é acompanhado por inflação alta.
Há um ano, a inflação vem aumentando: em um primeiro momento, pelas perturbações nas cadeias de abastecimento; e agora, devido à explosão do preço das matérias-primas, que sobrecarregam os custos de produção das empresas e o poder de compra das famílias.
"Estamos diante de um choque do petróleo, ao qual se soma um choque de gás, um choque de eletricidade. Nunca vimos essa concomitância, e trata-se apenas de energia", observa o diretor do Centro de Energia do Instituto Jacques Delors, Thomas Pellerin-Carlin.
Questionado no Congresso dos Estados Unidos, o presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano), Jerome Powell, afirmou que cada aumento de 10 dólares no petróleo corta o crescimento em algo em torno de 0,1 ponto e acrescenta 0,2 ponto de inflação. Os Estados Unidos acabam de registrar uma inflação de 7,9% em fevereiro.
Além do petróleo e do gás, muitos outros produtos disparam: alumínio, níquel, trigo, milho, e a lista segue. O próprio presidente russo, Vladimir Putin, alertou na quinta-feira sobre o efeito bumerangue das sanções impostas a seu país e a inflação que elas causam.
A maioria dos setores é afetada: desde a fabricação de vidro à base de petróleo até a fabricação de baterias elétricas, graças ao níquel, passando pela aeronáutica dependente do alumínio, ou pelo gás que opera as fábricas.
Na Espanha, por exemplo, instalações siderúrgicas já foram fechadas e, em geral, aquecer, locomover, ou comer está se tornando mais caro.
No Egito, "o preço do pão aumentou enormemente!", disse à AFP Omar Azzam, de 31 anos, morador do Cairo: saltou 50% desde o início da invasão ucraniana.
Primeiro importador de trigo do mundo, o Egito reduziu o peso do pão subsidiado distribuído para os mais pobres e está considerando aumentar seu preço, pela primeira vez desde 1977 e "os motins do pão".
Popularizada pelo ex-presidente do BCE Mario Draghi, a expressão "whatever it takes" ("custe o que custar", em tradução livre) deu origem a um plano orçamental histórico na Europa em 2020, acompanhado de uma dívida comum.
Os Estados Unidos adotaram vários planos massivos, e o Japão, um terceiro plano, em novembro passado.
Ante finanças públicas degradadas, a ajuda, desta vez, deve ser mais direcionada para ajudar as vítimas da inflação - uma iniciativa discutida pelos membros do G7, na quinta-feira, para o gás.
Para as empresas, os investidores não antecipam falências, apenas "um leve estresse", analisa Christophe Barraud, economista-chefe da empresa de investimentos MarketSecurities.
Já os países emergentes, mais vulneráveis à inflação, podem ver sua situação fragilizada e, eventualmente, até mesmo sua estabilidade política.
A China, a fábrica do mundo, ainda está lutando contra o coronavírus. Acaba de confinar nove milhões de habitantes e pode ter de ir mais longe.
"Se isso acontecer, a economia vai desacelerar drasticamente. Eles vão fechar tudo o que puderem. Essa incerteza é pelo menos tão grande quanto a guerra", alerta Jacob Kirkegaard.
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