Feminicídio, uma das 'grandes tragédias da humanidade', diz escritora mexicana Rivera Garza
O feminicídio é "uma das grandes tragédias da humanidade", diz a premiada escritora mexicana Cristina Rivera Garza, que capta em sua obra a dor e a falta de justiça pelo crime contra sua irmã há três décadas.
"Não me parece que seja algo identitário ou algo particularmente mexicano, parece-me que é uma das grandes tragédias da humanidade. Precisamente, é uma guerra sistemática contra as mulheres e que faz parte de um sistema patriarcal que nos governa", diz a autora de 57 anos em entrevista à AFP.
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Sua opinião é um alerta premente por ela mesma ser uma vítima indireta da violência de gênero, uma praga contra a qual as mulheres mexicanas protestarão nesta terça-feira, por ocasião do Dia Internacional da Mulher.
Liliana, sua irmã mais nova, foi assassinada há 32 anos por um namorado possessivo e violento, incapaz de aceitar o término do relacionamento.
O homicídio, rotulado na época como "crime passional", permanece impune.
O profundo luto de Cristina e sua família, assim como o espírito livre e o desafio às convenções que caracterizaram sua irmã, são a contribuição de "El invencível Verano de Liliana", obra publicada no ano passado e aclamada por leitores e críticos.
Misto de ensaio, investigação minuciosa e crônica de uma exaustiva busca por justiça, o livro também denuncia as dívidas do Estado mexicano com as vítimas de feminicídio.
O México comemora o Dia da Mulher em meio à crescente violência de gênero, com 1.006 feminicídios em 2021, ante 978 em 2020, e impunidade em mais de 90% dos crimes contra as mulheres, segundo dados oficiais.
Embora reconheça que a violência de gênero "ocorre com particular notoriedade" no México, a autora enfatiza que o problema é global.
"Nos Estados Unidos, onde moro há muito tempo, há muitos feminicídios que não são chamados de feminicídios simplesmente porque a palavra não é usada com tanta frequência quanto poderia ser", diz Rivera Garza, que é professora na Universidade de Houston, Texas, desde 2017.
A autora se recusa a se envolver em controvérsias em torno do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que questiona o movimento feminista mexicano, acusando-o de ser manipulado por seus oponentes políticos.
"Não quero falar de AMLO, quero falar da situação do país, quero falar das mobilizações que surgem da sociedade civil. Parece-me muito mais importante", sustenta.
Reconhece, no entanto, que o Estado e as autoridades devem estar "sempre na mira" da luta feminista, que deve ser "multifocal" e permanecer "de olhos bem abertos" diante de vários aspectos da vida cotidiana.
"As autoridades atuais e as do passado mostraram uma contínua indiferença", destaca.
Além da denúncia e do chamado à luta, o livro de Rivera Garza é um testemunho amoroso da personalidade vanguardista de Liliana, que tinha vinte e poucos anos.
Já em 1990, ela defendia "outros tipos de amor", de relações, assim como autonomia pessoal e "solidariedade" que "hoje se tornaram uma coisa cotidiana", diz a escritora.
"Seria apropriado dizer o que disse a [escritora peruana] Gabriela Wiener quando apresentou este livro em Madri: 'Finalmente nos tornamos irmãs de Liliana porque Liliana é muito moderna'".
Apesar da violência de gênero continuar em níveis alarmantes, a autora destaca que a história de Liliana "agora pode ser ouvida com dignidade e respeito".
"Digamos que seus desejos, seus sonhos, que poderiam parecer exagerados ou radicais nos anos 90 (...) são mais compartilhados", aponta.
Seu livro ganhou o Prêmio Mazatlán de Literatura 2022, que reconhece anualmente a melhor obra publicada no México, enquanto Rivera Garza recebeu o Prêmio José Donoso no ano passado no Chile por mais de 30 anos de carreira literária.
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