Há 25 anos, o mundo conhecia Dolly, primeiro animal clonado

A ovelha nascida na Escócia foi reproduzida a partir da célula somática de um outro animal adulto - técnica diferente de tentativas anteriores. Mas o que todos quiseram saber era se os homens também teriam exemplares duplicados dali em diante. O debate ético e religioso sobre a manipulação genética foi imediato

A humanidade foi surpreendida 25 anos atrás ao ser apresentada à simpática Dolly. Criada em laboratório, a ovelha surgiu como um passo gigantesco da ciência por se tratar da primeira clonagem bem-sucedida de um mamífero a partir de célula somática adulta. Ela foi reproduzida das células de uma ovelha que tinha seis anos de idade, da raça Dorset finlandês. Mesmo o estudo envolvendo um animal, a pergunta, quase ficcional, colou-se ao tema: os humanos também seriam duplicados?

Era 22 de fevereiro de 1997 quando Dolly foi anunciada. Completaria sete meses de vida. Seu nascimento significou uma revolução que extrapolou o mundo científico, incitando debate mundial das vantagens e desvantagens da clonagem e reverberando nas questões éticas e religiosas da manipulação genética.

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Dolly ativou o maior dos medos da sociedade: a possibilidade da clonagem humana. Temia-se a modificação de genes na criação de seres humanos perfeitos, a eugenia. Não havia certeza alguma sobre isso, mas organismos internacionais, governantes e líderes mundiais anunciaram decisões e puxaram o debate para conter o receio geral.

Notícias sobre Dolly e o debate da clonagem

O Vaticano pediu a condenação das técnicas de clonagem em humanos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Unesco, vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU), e a Comissão Europeia solicitaram mais estudos sobre os clones animais. Bill Clinton, à época presidente dos Estados Unidos, proibiu a utilização de fundos federais para a clonagem humana e o Conselho da Europa adotou, em 1997, protocolo vetando a técnica em humanos.

Em 25 de julho de 1997, apenas cinco meses após a chegada de Dolly ao noticiário, mais de 80 países representados por especialistas governamentais elaboraram para a Unesco a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. No Brasil, a clonagem de seres humanos é totalmente proibida através da Lei de Biossegurança (lei 11.105), sancionada em 24 de março de 2005.

O tema da clonagem humana hoje parece mais contido, pelo menos nos debates públicos.

Dolly nasceu na Escócia, em 5 de julho de 1996, no Instituto Roslin, que faz parte da Universidade de Edimburgo. Os coordenadores da pesquisa foram os biólogos britânicos Ian Wilmut e Keith Campbell - este morreu em outubro de 2012, aos 58 anos.

O embriologista Ian Wilmut foi o coordenador da pesquisa que gerou a ovelha Dolly, clonado a partir da célula de uma ovelha de seis anos de idade. Dolly nasceu em julho de 1996 e foi anunciado sete meses depois
Foto: AFP PHOTO/FILES/ALESSANDRO ABBONIZIO/COLIN MCPHERSON
O embriologista Ian Wilmut foi o coordenador da pesquisa que gerou a ovelha Dolly, clonado a partir da célula de uma ovelha de seis anos de idade. Dolly nasceu em julho de 1996 e foi anunciado sete meses depois

A ovelha inicialmente foi nomeada como 6LLS, mas depois rebatizada como Dolly em homenagem à cantora country norte-americana Dolly Parton. Dolly foi clonada a partir de uma célula da glândula mamária. A referência foi porque a artista era conhecida por seus grandes seios. 

Um dos questionamentos da comunidade científica em relação à clonagem da ovelha foi a baixa taxa de sucesso na reprodução de um indivíduo. Foi realizada a transferência nuclear em centenas de óvulos para que 29 desenvolvessem um embrião, e desses, apenas Dolly nasceu. A técnica utilizada foi de clonagem por transferência nuclear (SCNT - somatic cell nuclear transfer). Outras técnicas haviam sido tentadas anteriormente. Até houve questionamentos sobre a originalidade da pesquisa.

Na transferência nuclear, o núcleo de uma célula somática é removido da célula doadora, o restante da célula é descartado. Simultaneamente, o núcleo do óvulo receptor também é removido. O núcleo da célula somática doadora é introduzido no óvulo e, então, o padrão de expressão do núcleo é reprogramado pela célula hospedeira.

Dolly chegou a dar à luz seis bebês. Com o passar do tempo, apresentou envelhecimento precoce constatado com a diminuição das extremidades dos cromossomos, surgindo artrite no quadril e no joelho da pata traseira esquerda. Em 2002 foi anunciado que ela sofria de um tipo de doença pulmonar progressiva e incurável.

Para diminuir seu sofrimento, Dolly foi sacrificada em 14 de fevereiro de 2003. Seu corpo foi empalhado e está exposto no Museu Real da Escócia, em Edimburgo.

Após ter sido sacrificada, em 2003, por problemas de saúde, Dolly teve o corpo empalhado e está exposta no Museu Real da Escócia, em Edimburgo
Foto: Mike Pennington / Licença Creative Commons
Após ter sido sacrificada, em 2003, por problemas de saúde, Dolly teve o corpo empalhado e está exposta no Museu Real da Escócia, em Edimburgo

Evolução da clonagem

A clonagem vegetal é uma prática rotineira aplicada na agricultura, mas a primeira clonagem animal remonta a seis décadas. Em 1962, o biólogo britânico John Gurdon clonou pela primeira vez um animal adulto extraindo célula do intestino de uma rã e injetando-a no óvulo de outra rã. Em 2012, Gurdon dividiu o Prêmio Nobel de Medicina por seus estudos.

A partir da revolução científica e social de Dolly, mais de 20 mamíferos foram clonados, inclusive animais de estimação. No Brasil, a equipe de reprodução animal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) produziu, em 2001, o primeiro bovino clonado da América Latina, chamada Vitória.

Outros animais clonados

 

Na China, em janeiro de 2018, foram apresentados dois macacos clonados, Zhong Zhong e Hua Hua. O argumento dos cientistas na escolha da espécie foi o benefício futuro de pesquisar doenças, distúrbios e drogas com maior eficácia aos humanos do que testes em camundongos. Mesmo assim, a questão ética com a possibilidade de reprodução humana e sacrifício dos animais foram as principais polêmicas.

Os macacos clonados Zhong Zhong e Hua Hua, apresentados em 2018, levantaram nova polêmica sobre a clonagem e a possibilidade de reprodução humana
Foto: Academia Chinesa de Ciências / AFP
Os macacos clonados Zhong Zhong e Hua Hua, apresentados em 2018, levantaram nova polêmica sobre a clonagem e a possibilidade de reprodução humana

Em novembro de 2018, o cientista chinês He Jiankui anunciou à agência de notícias americana Associated Press (AP) a criação dos primeiros humanos geneticamente modificados através da técnica do CRISPR/Cas. Jiankui disse ter alterado os embriões de sete casais para que os bebês tivessem a capacidade de resistir à infecção de HIV, o vírus da Aids. A técnica permite atuar diretamente no gene com defeito. Uma enzima, a Cas9, corta as duas fitas da dupla hélice do DNA, abrindo o espaço para a inserção de um novo trecho, atingindo as células-alvo.

Os dados da pesquisa foram contestados pela comunidade científica, He Jiankui foi processado em seu país, condenado a multa e prisão de três anos em 2019. Verdade ou não, os bebês nascidos estão sendo monitorados pelas autoridades sanitárias chinesas.

Cientista chinês He Jiankui, geneticista envolvido em polêmica sobre clonagem humana em 2018
Foto: Anthony Wallace / AFP
Cientista chinês He Jiankui, geneticista envolvido em polêmica sobre clonagem humana em 2018

A clonagem animal passou a ser adotada mundialmente. Em 2008, a Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo dos Estados Unidos que controla alimentos e remédios, aprovou a venda de produtos de gado clonado. Acredita-se que o principal legado da ovelha Dolly seja os avanços na pesquisa das células-tronco e avanços na medicina regenerativa. Dolly mudou a ciência e o entendimento da sociedade.

Atualmente há esforços para clonar o mamute-lanoso, o panda-gigante e o rinoceronte-branco do norte.

 

Expediente:

Edição DATADOC: Cláudio Ribeiro
Texto: Sérgio Falcão
Recursos digitais: Roberto Araújo e Alexandre Ramos

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