Há 25 anos, o mundo conhecia Dolly, primeiro animal clonado

A ovelha nascida na Escócia foi reproduzida a partir da célula somática de um outro animal adulto - técnica diferente de tentativas anteriores. Mas o que todos quiseram saber era se os homens também teriam exemplares duplicados dali em diante. O debate ético e religioso sobre a manipulação genética foi imediato

16:48 | Fev. 22, 2022

Por: Sérgio Falcão
Ovelha Dolly foi apresentada ao mundo, em 22 de fevereiro de 1997, como o primeiro mamífero clonado a partir de uma célula somática adulta (foto: AFP PHOTO PA FILES/BEN CURTIS/ms)

A humanidade foi surpreendida 25 anos atrás ao ser apresentada à simpática Dolly. Criada em laboratório, a ovelha surgiu como um passo gigantesco da ciência por se tratar da primeira clonagem bem-sucedida de um mamífero a partir de célula somática adulta. Ela foi reproduzida das células de uma ovelha que tinha seis anos de idade, da raça Dorset finlandês. Mesmo o estudo envolvendo um animal, a pergunta, quase ficcional, colou-se ao tema: os humanos também seriam duplicados?

Era 22 de fevereiro de 1997 quando Dolly foi anunciada. Completaria sete meses de vida. Seu nascimento significou uma revolução que extrapolou o mundo científico, incitando debate mundial das vantagens e desvantagens da clonagem e reverberando nas questões éticas e religiosas da manipulação genética.

Dolly ativou o maior dos medos da sociedade: a possibilidade da clonagem humana. Temia-se a modificação de genes na criação de seres humanos perfeitos, a eugenia. Não havia certeza alguma sobre isso, mas organismos internacionais, governantes e líderes mundiais anunciaram decisões e puxaram o debate para conter o receio geral.

Notícias sobre Dolly e o debate da clonagem

O Vaticano pediu a condenação das técnicas de clonagem em humanos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Unesco, vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU), e a Comissão Europeia solicitaram mais estudos sobre os clones animais. Bill Clinton, à época presidente dos Estados Unidos, proibiu a utilização de fundos federais para a clonagem humana e o Conselho da Europa adotou, em 1997, protocolo vetando a técnica em humanos.

Em 25 de julho de 1997, apenas cinco meses após a chegada de Dolly ao noticiário, mais de 80 países representados por especialistas governamentais elaboraram para a Unesco a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. No Brasil, a clonagem de seres humanos é totalmente proibida através da Lei de Biossegurança (lei 11.105), sancionada em 24 de março de 2005.

O tema da clonagem humana hoje parece mais contido, pelo menos nos debates públicos.

Dolly nasceu na Escócia, em 5 de julho de 1996, no Instituto Roslin, que faz parte da Universidade de Edimburgo. Os coordenadores da pesquisa foram os biólogos britânicos Ian Wilmut e Keith Campbell - este morreu em outubro de 2012, aos 58 anos.

A ovelha inicialmente foi nomeada como 6LLS, mas depois rebatizada como Dolly em homenagem à cantora country norte-americana Dolly Parton. Dolly foi clonada a partir de uma célula da glândula mamária. A referência foi porque a artista era conhecida por seus grandes seios. 

Um dos questionamentos da comunidade científica em relação à clonagem da ovelha foi a baixa taxa de sucesso na reprodução de um indivíduo. Foi realizada a transferência nuclear em centenas de óvulos para que 29 desenvolvessem um embrião, e desses, apenas Dolly nasceu. A técnica utilizada foi de clonagem por transferência nuclear (SCNT - somatic cell nuclear transfer). Outras técnicas haviam sido tentadas anteriormente. Até houve questionamentos sobre a originalidade da pesquisa.

Na transferência nuclear, o núcleo de uma célula somática é removido da célula doadora, o restante da célula é descartado. Simultaneamente, o núcleo do óvulo receptor também é removido. O núcleo da célula somática doadora é introduzido no óvulo e, então, o padrão de expressão do núcleo é reprogramado pela célula hospedeira.

Dolly chegou a dar à luz seis bebês. Com o passar do tempo, apresentou envelhecimento precoce constatado com a diminuição das extremidades dos cromossomos, surgindo artrite no quadril e no joelho da pata traseira esquerda. Em 2002 foi anunciado que ela sofria de um tipo de doença pulmonar progressiva e incurável.

Para diminuir seu sofrimento, Dolly foi sacrificada em 14 de fevereiro de 2003. Seu corpo foi empalhado e está exposto no Museu Real da Escócia, em Edimburgo.

Evolução da clonagem

A clonagem vegetal é uma prática rotineira aplicada na agricultura, mas a primeira clonagem animal remonta a seis décadas. Em 1962, o biólogo britânico John Gurdon clonou pela primeira vez um animal adulto extraindo célula do intestino de uma rã e injetando-a no óvulo de outra rã. Em 2012, Gurdon dividiu o Prêmio Nobel de Medicina por seus estudos.

A partir da revolução científica e social de Dolly, mais de 20 mamíferos foram clonados, inclusive animais de estimação. No Brasil, a equipe de reprodução animal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) produziu, em 2001, o primeiro bovino clonado da América Latina, chamada Vitória.

Outros animais clonados

 

Na China, em janeiro de 2018, foram apresentados dois macacos clonados, Zhong Zhong e Hua Hua. O argumento dos cientistas na escolha da espécie foi o benefício futuro de pesquisar doenças, distúrbios e drogas com maior eficácia aos humanos do que testes em camundongos. Mesmo assim, a questão ética com a possibilidade de reprodução humana e sacrifício dos animais foram as principais polêmicas.

Em novembro de 2018, o cientista chinês He Jiankui anunciou à agência de notícias americana Associated Press (AP) a criação dos primeiros humanos geneticamente modificados através da técnica do CRISPR/Cas. Jiankui disse ter alterado os embriões de sete casais para que os bebês tivessem a capacidade de resistir à infecção de HIV, o vírus da Aids. A técnica permite atuar diretamente no gene com defeito. Uma enzima, a Cas9, corta as duas fitas da dupla hélice do DNA, abrindo o espaço para a inserção de um novo trecho, atingindo as células-alvo.

Os dados da pesquisa foram contestados pela comunidade científica, He Jiankui foi processado em seu país, condenado a multa e prisão de três anos em 2019. Verdade ou não, os bebês nascidos estão sendo monitorados pelas autoridades sanitárias chinesas.

A clonagem animal passou a ser adotada mundialmente. Em 2008, a Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo dos Estados Unidos que controla alimentos e remédios, aprovou a venda de produtos de gado clonado. Acredita-se que o principal legado da ovelha Dolly seja os avanços na pesquisa das células-tronco e avanços na medicina regenerativa. Dolly mudou a ciência e o entendimento da sociedade.

Atualmente há esforços para clonar o mamute-lanoso, o panda-gigante e o rinoceronte-branco do norte.

 

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Edição DATADOC: Cláudio Ribeiro
Texto: Sérgio Falcão
Recursos digitais: Roberto Araújo e Alexandre Ramos