'Vivendo em uma era sombria': um ano depois do golpe de Estado em Miammar
07:28 | Jan. 28, 2022
Algumas horas antes de uma reunião do novo Parlamento de Mianmar em 1º de fevereiro de 2021, as tropas militares encurralaram os congressistas em operações durante a madrugada, o que acabou com um breve intervalo democrático e abriram caminho para meses de extrema violência.
Um ano depois, a junta militar do país se esforça para conter a reação provocada por sua tomada de poder, o que inclui confrontos diários e áreas do país fora de seu controle.
Quase 1.500 civis morreram e mais de 11.000 foram detidos na onda de repressão, segundo uma ONG local que denuncia casos de tortura e execuções extrajudiciais.
Nesta sexta-feira, o Conselho de Segurança da ONU se reunirá a portas fechadas para examinar a situação em Mianmar, de acordo com fontes diplomáticas.
Para o movimento pró-democracia, a única opção é acabar de uma vez por todas com décadas de interferência dos militares na política de Mianmar.
Os analistas não acreditam em uma solução em breve para um conflito que devastou a economia, esvaziou as escolas e hospitais do país e provocou a fuga de milhares de pessoas para as vizinhas Tailândia e Índia.
"Ainda estamos vivendo em uma era sombria", disse Htoo Aung - que usa um pseudônimo por medo de represálias - em um mercado de Yangon, centro comercial e econômico do país.
"Temos que pensar em como lidar com nossa vida diária sob a ditadura militar, e não em nossos objetivos, nossos sonhos para o futuro", acrescenta.
Em Yangon e outras cidades, a junta militar tenta projetar um retorno à normalidade. De maneira paulatina, os engarrafamentos voltam às avenidas, assim como os clientes aos centros comerciais.
Mas, a poucos dias do aniversário do golpe de 1º de fevereiro, os militares não querem deixar nenhuma margem para o movimento pró-democracia.
As autoridades anunciaram recentemente que aqueles que buzinam ou batem em panelas - formas populares de protestos nas cidades após o golpe - serão acusados de traição ou sob a lei antiterrorista.
Porém, os confrontos diários com dezenas de milícias das Forças de Defesa do Povo (PDF) em todo o país para lutar contra o golpe não dão mostras de redução.
Embora tenham pouco armamento pesado, os manifestantes e moradores de áreas rurais que se uniram a suas fileiras infligiram dolorosos reveses aos militares, com emboscadas de guerrilha e ataques com minas.
Um grupo de parlamentares que atua de forma paralela ao governo militar afirma que quase 3.000 soldados morreram em combates contra as forças rebeldes entre junho e novembro. A junta reconhece apenas 168 baixas de soldados e policiais entre fevereiro e o final de outubro.
Os 12 meses de conflito afetam as Foras Armadas, que enfrentam problemas de moral e dificuldades para recrutar soldados, explica o representante para Mianmar do International Crisis Group, Richard Horsey.
"Mas é improvável que estes desafios forcem os militares a capitular ou perder seu controle do poder estatal", completa.
As tropas da junta militar foram acusadas pelo massacre da noite de Natal em que os corpos carbonizados de mais de 30 pessoas, incluindo dois trabalhadores da ONG Save the Children, foram deixados em uma estrada no leste do país.
E em janeiro deste ano, o regime ordenou ataques aéreos e de artilharia contra uma capital regional, no leste do país, para evitar que as tropas rebeldes se reunissem na cidade.
Os vários grupos étnicos armados de Mianmar resistiram durante muito tempo a aderir ao movimento pró-democracia, principalmente por um antigo receio a respeito da elite da maioria bamar, personificada em Aung San Suu Kyi e sua deposta Liga Nacional para a Democracia.
Agora o "governo nacional de unidade" na sombra, dominado por membros de seu partido e com grande apoio social, tenta acabar com a desconfiança.
Ao mesmo tempo, sua líder enfrenta um julgamento a portas fechadas em Naypyidaw, a capital construída pelos militares. Nos próximos meses, Suu Kyi provavelmente será condenada por acusações de corrupção que podem resultar em 15 anos de prisão.
Com os generais apoiados na ONU pela China e pela Rússia, e a atenção internacional volta para outros conflitos como Ucrânia, Iêmen ou Etiópia, muitos birmaneses perderam a esperança de receber ajuda do exterior.
O exército mata manifestantes quase diariamente "sem que o mundo fique sabendo", protesta Htoo Aung.
Os generais prometeram um retorno à democracia multipartidária e eleições em 2023. "Mas é impossível imaginar como poderão fazer isto, com seu frágil controle de boa parte do país", afirma o analista Richard Horsey.
"Parece muito improvável que qualquer lado consiga um nocaute", disse. "O palco está montado para meses, possivelmente anos, de confronto violento", conclui.
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