Desinformação: uma arma terrível contra mulheres poderosas

13:31 | Jan. 04, 2022

Por: AFP

Brigitte Macron, Michelle Obama ou Jacinda Ardern: mulheres poderosas que têm em comum o fato de terem sido vítimas de informações falsas sobre sua identidade de gênero ou sobre sua sexualidade, com o objetivo de zombar delas ou humilhá-las.

Esses atos maliciosos preocupam a ONU, que em abril passado denunciou em relatório um número crescente de "campanhas sexistas de desinformação online", especialmente contra "mulheres jornalistas, políticas e defensoras da igualdade de gênero que frequentemente falam sobre questões feministas".

Durante meses, mensagens nas redes sociais argumentaram que Brigitte Macron, esposa do presidente francês Emmanuel Macron, seria uma mulher transgênero cujo nome de nascimento era Jean-Michel. Uma informação falsa que se tornou viral em dezembro, poucos meses antes das eleições presidenciais de abril.

A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, e a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama também foram alvo de rumores, em 2017 e 2018, que afirmavam que eram do sexo masculino ao nascer.

Boatos que se espalharam como um incêndio na internet. Pouco importa que ninguém ou quase ninguém acredite que Brigitte Macron é uma mulher transgênero, tais informações dão margem a insultos, humilhações e até atos de cyberbullying.

Na realidade, essa "desinformação com preconceito de gênero" afeta uma população muito maior, além das mulheres poderosas, especialmente mulheres pertencentes a minorias sexuais ou de gênero engajadas na vida pública, com maiores ou menores graus de responsabilidades.

A fofoca visa "silenciá-las e removê-las da esfera política", diz Lucina Di Meco, uma ativista feminista e cofundadora da #ShePersisted, uma iniciativa global de combate à desinformação.

Além disso, têm um "impacto na vida real", sublinha Marylie Breuil, do coletivo feminista francês Nous Toutes, empenhada na luta contra a violência sexista, sexual ou econômica.

Por culpa desses rumores, "a carreira de quem se expõe publicamente pode ser totalmente destruída". Esse fenômeno costuma ser acompanhado de atos de assédio online e até mesmo fora das redes sociais.

Em 2013, o boato de que havia dançado de lingerie na televisão custou à Laura Boldrini, ex-presidente da Câmara dos Deputados italiana, milhares de insultos sexistas, ameaças de estupro e montagens pornográficas.

Intidhar Ahmed Jassim, candidata às eleições parlamentares do Iraque no início de 2018, teve que desistir de concorrer após ser assediada por internautas que alegaram tê-la reconhecido em um vídeo pornográfico.

Ao impedir que as mulheres participem da vida pública ou pressioná-las a desistir, a desinformação através do preconceito de gênero apenas favorece a "erosão das instituições democráticas", diz Lucina di Meco.

Esse tipo de desinformação, com viés de gênero, tende a transmitir estereótipos, atacando o que "percebe como não condizente com um modelo heteronormativo clássico", explica Réjane Sénac, diretora de pesquisa do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Nos rumores sobre Brigitte Macron, a transidentidade é usada como um "veículo" para "quebrar a reputação de alguém com uma posição de poder na hierarquia social" (neste caso, Emmanuel Macron), aponta Maud-Yeuse Thomas, antropóloga e co-fundadora do Observatório das Transidentidades.

Espalhar boatos sobre uma suposta transidentidade ou homossexualidade reforça a estigmatização de pessoas LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexuais e outras minorias de gênero).

Ao afirmar que Brigitte Macron tem uma "masculinidade oculta", quem espalha o boato usa a transidentidade, que vêem como uma humilhação, como uma arma, analisa Marie-Joseph Bertini, professora de Ciências da Informação e da Comunicação da Universidade Nice Sophia Antipolis.

Mas, além disso, aproveitam o boato para reativar outro, que circulou amplamente durante a campanha presidencial de 2017, que afirmava que Emmanuel Macron "esconde" uma suposta homossexualidade.

Em qualquer caso, além de como têm sido capazes de afetar pessoas influentes, essas campanhas de desinformação provavelmente contribuíram "para o aumento dos crimes de ódio denunciados contra pessoas LGTBI+ na Europa nos últimos anos", alertou o Parlamento Europeu em julho.

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