Cúpula sobre coronavírus discute como combater desigualdade vacinal
Enquanto as nações mais ricas já ministram doses de reforço, em outros países poucos conseguem acesso aos imunizantes. Entidades humanitárias querem que farmacêuticas liberem acesso à tecnologia.No final da semana passada, a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas pediu aos 193 países membros que não enviassem suas delegações a Nova York pessoalmente, mas virtualmente. Seu medo era de que a 76ª Assembleia Geral da ONU, que termina neste sábado (25/09) pudesse se transformar em um "evento super disseminador" da covid-19. Mas muitos países não atenderam ao apelo. E, diferente de todos os outros viajantes aos EUA, os líderes políticos e suas delegações diplomáticas precisam apenas apresentar um teste negativo para o coronavírus, sem a necessidade de um comprovante de vacinação. O fato de que muitos diplomatas aparentemente sequer estarem vacinados reflete a distribuição extremamente desigual de vacinas em todo o mundo. Enquanto nos países ricos lotes de vacinas ameaçam expirar, nos países pobres aparentemente não há doses suficientes disponíveis para os diplomatas se vacinarem contra covid-19. De acordo com o portal especializado em estatísticas Our World in Data (nosso mundo em dados), menos de 1% da população de Tanzânia, Haiti, Turcomenistão e outros países já foi totalmente imunizada. Na África como um todo, cerca de 135 milhões de doses da vacina foram administradas até o momento. Isso é suficiente para que quase 4% estejam totalmente imunizados e cerca de 6% parcialmente. A UE, com um terço da população africana, aplicou quatro vezes mais doses. Os EUA ainda mais. A China, que tem uma população pouco maior do que a África, aplicou mais de dois bilhões de vacinas contra o coronavírus. Doações insuficientes Há um amplo consenso internacional – pelo menos aparentemente – de que algo deve mudar nesse aspecto. China, Índia, Emirados Árabes Unidos, Alemanha e outros países europeus aderiram à iniciativa Covax, mecanismo criado em abril de 2020 por iniciativa de França, a União Europeia e Organização Mundial de Saúde (OMS) para que as vacinas não acabem sendo destinadas apenas aos países que o têm dinheiro suficiente para comprá-las. Os EUA há muito tinham sua própria iniciativa nesse sentido, fornecendo vacinas esporadicamente a países parceiros. No final de julho, o presidente americano, Joe Biden, anunciou que doaria meio bilhão de doses de vacinas por meio de vários canais, incluindo Covax. Agora, ele convocou uma cúpula sobre o coronavírus à margem da Assembleia Geral da ONU. AI e OMS querem ver progresso As organizações de direitos humanos e ajuda humanitária há muito clamam por mais vacinas para os países menos desenvolvidos. A Anistia Internacional apresentou agora um relatório que destaca o problema novamente. Nele, a organização ataca principalmente as empresas farmacêuticas ocidentais, acusando-as de insistir em proteger suas patentes, embora tenham desenvolvido os princípios ativos graças a bilhões de dólares em financiamento público para pesquisas. A reivindicação da ONG é que, em vez disso, compartilhem seus conhecimentos para viabilizar a produção em todo o mundo. A Anistia também responsabiliza os governos. "Vacinas contra covid-19 devem ser facilmente disponíveis e acessíveis a todos. Cabe aos governos e às empresas farmacêuticas possibilitar que isso ocorra", afirma a secretária-geral da Anistia, Agnès Callamard, em nota à imprensa por ocasião da publicação do estudo. Nos 100 dias que restam do ano, dois bilhões de doses de vacina devem ser distribuídas a países de baixa e muito baixa renda, visando vacinar 40% da população mundial. Essa também é a meta da OMS. Excesso de suprimentos À primeira vista, isso parece algo muito ambicioso. No entanto, os analistas de dados da companhia de análise de dados científicos Airfinity mostram que no início de setembro havia 500 bilhões de doses de vacina que tinham sobrado apenas na América do Norte, UE, Reino Unido e Japão. No ritmo de produção atual, as sobras podem chegar a 1,2 bilhão até o final do ano – sem que os países citados tenham que reduzir eu próprio ritmo de vacinação. Elisabeth Massute, especialista na campanha antidrogas da ONG Médicos Sem Fronteiras, confirma a informação. "Este é um problema de distribuição. Os países ricos compraram vacinas demais, e os países mais pobres ainda não têm o suficiente", diz. Transferência de tecnologia Também médicos da Alemanha relatam que possivelmente nem todas das doses estão podendo ser administradas antes do prazo de validade. De acordo com as análises do Airfinity, 100 milhões de doses de vacina podem expirar sem terem sido usadas em países ricos até o final do ano. Para evitar o descarte de imunizantes, o Airfinity recomenda que doses sejam enviadas o mais rápido possível a países necessitados. Embora isso seja possível e desejável, o esforço logístico é muito grande, na avaliação de Elisabeth Massute, da Médicos Sem Fronteiras. Ela propõe que, em vez disso, mais vacinas sejam enviadas diretamente ao programa de redistribuição global Covax. "Este é um passo importante, manter a logística mais ágil que for possível", afirma. Mas em última análise, o procedimento também não seria suficiente, segundo Massute, Ela afirma que para atender à demanda global e também tornar os países mais pobres mais independentes, é importante que as capacidades de produção nessas nações sejam ampliadas e a tecnologia, transferida para essas nações, tal como propõe a Anistia Internacional. "Acima de tudo, empresas como Moderna e BioNTech têm que transferir suas tecnologias de mRNA, para que também possa ser produzido em outros países e avaliadas no local possibilidades de se adaptar esse inoculante às diferentes variantes."
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