O Natal é comemorado em outras culturas e crenças? Explicamos as diferenças

O Natal é uma data cristã, mas nesta época do ano outras celebrações são comuns. Conheça algumas crenças e culturas que celebram - ou não - o Solstício.

10:24 | Dez. 24, 2020

Por: Sâmya Mesquita
Árvores de Natal faz parte de algumas culturas (foto: Alessio Zaccaria/Unsplash)

O Natal é uma festa que remonta os primórdios do cristianismo. Apesar de, na vida moderna, ser uma data associada ao consumo desenfreado, muitos ainda comemoram seu significado relacionado ao nascimento de Jesus Cristo. Mas nem todos. Nesse período, outras festas são celebradas em diversas culturas e religiões. O POVO entrevistou praticantes de religiões e culturas diferentes do cristianismo hegemônico para falar de suas diferentes experiências sobre as festas do Solstício de Inverno - ou de Verão, no Brasil.

O Solstício de Inverno do Hemisfério norte - correspondente ao Solstício de Verão no Hemisfério Sul - marca a noite mais longa do ano. Acontece entre 21 e 22 de dezembro e sempre foi associada ao misticismo pelos povos antigos. Por isso, diversas festas de fertilidade eram celebradas, como promessa de uma boa colheita no ano seguinte.

Em Roma, comemorava-se a Saturnália e, posteriormente, o Dia do Nascimento do Sol Invicto. Ramón Teja, professor emérito de História Antiga da Universidade de Cantábria (Espanha) disse ao El País que “a data do Natal foi fixada em 25 de dezembro pelo imperador Constantino, porque nesse dia era celebrada a grande festa solar em Roma”. Assim, o imperador que governou entre 306 e 337 e que transformou o cristianismo na religião oficial de Roma aproveitou o antigo festival para que o povo não deixasse de festejar a data. “Foi uma fusão do culto solar com o culto cristão”, diz Teja.

Apesar da expansão do cristianismo, outros cultos permaneceram vivos no imaginário popular, principalmente porque muitos de seus símbolos ainda são utilizados no catolicismo. O Yuletide, por exemplo, é uma festividade nórdica que tinha como um de seus símbolos o pinheiro, englobado pelo Natal cristão como a árvore de Natal. O Yule, simplificando o nome, foi revivido por religiões neopagãs, como a Wicca.

Rafaela Araújo é wiccana há 12 anos e faz parte de Clã de Arianrhod. Ela diz que a celebração do Yule, de forma semelhante ao cristianismo, também comemora o nascimento da "criança da promessa". A diferença é que, como politeísta, essa "criança" é a representação de diversos deuses, como Hórus e Mitra, que são, segundo a crença, a própria luz do Sol. "Nós celebramos a união nesse período e a fraternidade por estarmos em família", diz a designer, explicando que é nessa época do ano o auge do inverno no Hemisfério Norte. E que os povos antigos juntavam famílias inteiras numa mesma casa para estocar comida e não morrer de fome.

 

"O Natal advém de outras culturas. As pessoas 5que celebram o Natal não sabem da onde vêm os símbolos: a árvore, as bolas vermelhas, as luzes, os presentes... Nos povos antigos, tudo isso tinha um significado", relata Rafaela, confessando que, neste ano, o Yule não será celebrado presencialmente devido ao isolamento social provocado pela Covid-19.

"Essa pandemia veio mostrar para todo mundo que o coletivo não era o foco da nossa sociedade. Estamos passando por uma transformação muito poderosa, que é independente de religião. A gente tem que evoluir. Nós somos uma teia e estamos interligados nela", afirma.

Uma outra festividade desta época é o Chanucá - ou Hanukkah. É uma das mais importantes celebrações do calendário judaico. Marca a celebração de vitória do povo judeu sobre o domínio grego no Cerco de Jerusalém, em 63 a.C. E rememora o milagre da multiplicação do óleo: segundo a tradição, o óleo para as velas era suficiente apenas para um dia, mas durou oito. Daí a festa ser celebrada por oito dias seguidos e o motivo de se acender um braço da menorá, o candelabro típico, a cada novo dia. Este ano, as festividades foram do dia 29 de novembro até 6 de dezembro, variando a cada ano, de acordo com o calendário judaico.

Em entrevista concedida ao O POVO, Hila Tal Orenshtein, 22, falou da importância da celebração para aprimorar o sentido de comunidade. Ela comemora o período com a família em Yavne, a 30 minutos de Tel Aviv, em Israel, acendendo a menorá, comendo o doce típico Sufganiya e cantando. Infelizmente, devido à pandemia, muitos shows e atividades para crianças foram canceladas em Israel. Mas a gerente de laboratório de celulares é otimista.

 

"Assim como aconteceu um milagre e o óleo durou oito dias, haverá um milagre e esses tempos horríveis também acabarão. Devemos todos ser positivos e ter fé nestes tempos e a luz de dentro de nós fará com que os tempos sombrios desapareçam", observa.

O Candomblé, ao contrário do Yule e do Chanucá, não festeja a data. Pelo menos não oficialmente. Segundo Joécio Dias, professor e técnico educacional de Educação para as Relações Étnico-Raciais da Seduc/CE, apesar de alguns membros terem liberdade para confraternizar com seus parentes cristãos e até mesmo participar de missas, dentro da crença não há qualquer sincretismo religioso que possibilite uma celebração. O responsável pela comunicação externa do Ilè Ibá Asè Possun Aziri, a mais antiga de candomblé de Fortaleza, ressalta a importância da data para campanhas de solidariedade.

 

Joécio ressalta a importância de não celebrar o Natal como ato de resistência de identidade, principalmente no que cerne à intolerância do racismo religioso: "O fato de existirem casas de candomblé abertas quer dizer muito sobre o processo de resistência de uma cultura que mexe com o sagrado e com o subjetivo das pessoas, em termos de coletividade".

Mesmo assim, o candomblecista ressalta a importância da data por representar, em diversas culturas, renovação de votos e fechamento de ciclos: "O que a gente sempre pede é esperança. Não aquela de esperar as coisas acontecerem, mas de esperançar, de fazer valer as coisas. Nada melhor que um final de um processo pra que a gente possa refletir, avaliar as nossas práticas, ações e rotinas e lidar com os outros, seja dentro ou fora do candomblé", afirma.

Práticas Natalinas ao redor do mundo

 

No Brasil, o Natal não dispõe de neve na porta das casas ou chaminés para incrementar o imaginário das crianças sobre o Papai Noel. Isso já torna a festividade diferente de outros lugares do mundo. Mas existem peculiaridades em outros países que nos são estranhas. Confira algumas diferenças que tornam o Natal único, segundo a Superinteressante:

Itália

 

Papai Noel tem uma rival. É Befana, uma velha bruxa que visita as casas no dia 6 de janeiro - aqui, Dia de Reis - deixando doces para as boas crianças e um carvão para más. Sua generosidade seria fruto de arrependimento: ela teria se negado a viajar com os Reis Magos quando eles seguiam para visitar Jesus, pois tinha que varrer a casa. Agora tentaria reparar o mal que fez.

França

 

No dia 25 de dezembro, os franceses vão até a casa de um inimigo para fazer as pazes com ele.

Áustria

 

Em 5 de dezembro, os austríacos celebram a existência do Krampus, espécie de demônio que puniria as crianças más. Na data, as pessoas saem às ruas fantasiadas como o tal monstro, batendo umas nas outras com sua arma típica: uma vara.

Holanda

 

Na festa do Zwarte Piet (“Pedro Preto”, em português), o ajudante negro do Papai Noel, pessoas pintam o rosto de preto e lábios de vermelho. Também usam uma peruca black power e desfilam pelas ruas no dia 5 de dezembro. O traje é acusado de ter caráter essencialmente racista e configura blackface.

Catalunha (Espanha)

 

O Caga Tió (“Tronco Cagão”, em uma tradução aproximada) é um costume, no mínimo, estranho. Pega-se um tronco oco e enche-se de doces durante todo o mês de dezembro; no dia 25, o tronco deve ser espancado com pedaços de pau, para que ele devolva o que “comeu”.

País de Gales

 

Antes de o cristianismo se difundir pela Europa, em dezembro aconteciam festas pagãs para celebrar o inverno. Uma delas, viva até hoje, é a da Mari Lwyd, que ocorre no último dia do ano em certos locais do País de Gales. As pessoas saem pelas ruas carregando a tal Mari, um boneco com a caveira de uma égua como cabeça, e tentam invadir casas e pubs.

Letônia

 

"A ÁRVORE SOMOS NOZES": Na terra do Papai Noel, a tradição manda que o Bom Velhinho traga presentes para crianças durante 12 dias seguidos! Além disso, é de lá o primeiro registro sobre a montagem de uma árvore de Natal, na praça de Riga, capital do país, em 1510.

Estados Unidos

 

A festa de Natal americana sempre tem presentes, um pinheiro decorado e, claro, uma lareira acesa - isso não é novidade pra ninguém que assiste filmes natalinos. Só que milhões de lares no país não possuem lareira na sala. Por isso, uma emissora de TV criou uma solução: uma transmissão 24 horas, sem parar, de uma lareira queimando! A ajudinha já acontece há mais de 40 anos.

China

 

Os poucos cristãos decoram sua casa com lanternas de papel, flores e árvores de Natal. E as crianças também penduram meias para os presentes do Papai Noel. O Bom Velhinho é chamado de Dun Lhe dao Ren, que significa “Velho Natal”.

Índia

 

Os indianos celebram o nascimento de Jesus decorando plantas nativas do país, como a bananeira e a mangueira. Além disso, enfeitam a casa toda com folhas de bananeira, outras plantas e lamparinas feitas de argila.

Iraque

 

As famílias cristãs se reúnem no quintal para ouvir histórias da natividade de Jesus. Depois, queima-se uma pilha de espinhos secos. Segundo a crença, a forma como o fogo queima indica como será o futuro.