A outra votação dos EUA: população votou em referendos que vão de aborto a drogas e impostos
Nos Estados Unidos (EUA), é comum a população ser chamada às urnas para decidir sobre temas específicos. Último referendo que Brasil realizou a nível nacional foi em 2005
22:42 | Nov. 06, 2020
Embora os números ainda não estejam fechados, as eleições gerais de 2020 nos Estados Unidos (EUA) trouxeram alguns recordes de participação popular, em especial no número de votos antecipados, que superou 100 milhões. Eles votaram para escolher o presidente, todos os 435 membros da Casa dos Representantes (a Câmara dos Deputados), um terço do Senado, cerca de 16 governadores e milhares de cargos estaduais e municipais.
Além disso, vários estados do país levaram às urnas uma série de perguntas sobre temas diversos, em que a população decidiu sobre drogas, aborto, educação, reforma judicial, direitos trabalhistas, impostos e outros assuntos. Ao todo, foram 32 estados e o território de Porto Rico consultando suas populações, totalizando 120 plebiscitos, segundo a Associated Press. Ainda neste ano, antes das eleições, outros oito referendos estaduais haviam sido realizados. Em dezembro, há mais um referendo estadual previsto.
Para os estadunidenses, esse tipo de consulta é comum e costuma ocorrer com frequência, no que representa uma participação mais direta do cidadão na decisão política. Em comparação, a última vez que o Brasil realizou um referendo, a nível nacional, foi em 2005, sobre comércio de armas e munição. A nível estadual, houve um referendo no Acre em 2010 para decidir o fuso horário e, em 2014, os paraenses votaram um plebiscito sobre a divisão do estado em dois.
O POVO destacou algumas das votações nos EUA com temas de destaque ou que foram abordados por mais de um estado. Confira:
Maconha e outras drogas
Possivelmente uma das maiores vencedoras do pleito, a maconha foi legalizada para uso recreativo em quatro estados: Arizona, Nova Jersey, Montana e Dakota do Sul. Este último estado, aliás, também legalizou o uso medicinal da planta, assim como o conservador Mississipi. Agora, o uso medicinal é permitido em 36 dos 50 estados e o uso recreativo é liberado em 15 estados mais o Distrito de Columbia (onde fica a capital, Washington).
Além disso, o estado do Oregon, na Costa Oeste, descriminalizou a posse de pequenas quantidades de drogas em geral, como heroína, LSD, entre outras. Quem for pego com estas substâncias, em vez de ser preso, deve receber multa ou ser encaminhado para aconselhamento.
Os eleitores do Distrito de Columbia também optaram por descriminalizar algumas plantas de uso psicodélico, como os cogumelos.
Exigência de cidadania para voto
Em vários estados como Alabama, Colorado, Flórida, entre outros, foi aprovada a exigência de cidadania para exercer o direito ao voto. Como cada estado tem suas regras eleitorais próprias, o movimento é uma tentativa de criar certa uniformidade mínima para votar. Com a aprovação do marco, fica decidido, nestes lugares, que tem direito ao voto qualquer cidadão dos Estados Unidos a partir de 18 anos.
Trabalho forçado como pena de prisão
Dois estados, Nebraska e Utah, votaram a favor de proibir o trabalho forçado como forma de punição a criminosos. A prática, um legado do século XIX, permitia que uma pessoa condenada fosse obrigada a realizar trabalhos braçais como pena (o que é distinto da mão de obra prisional contratada por empresas privadas nos EUA, prática também criticada).
Pacto Nacional pelo Voto Popular
A população do Colorado aprovou o ingresso do estado no Pacto Nacional pelo Voto Popular, uma iniciativa interestadual para fazer com que o presidente mais votado seja eleito. Como nos EUA o presidente é eleito pelos 538 eleitores do Colégio Eleitoral, é possível, matematicamente, que o candidato menos votado seja eleito, exatamente como ocorreu com Hillary Clinton e Donald Trump em 2016, quando o republicano recebeu quase 3 milhões de votos populares a menos que Hillary, mas ainda assim venceu as eleições.
A ideia do pacto é que os estados signatários vão entregar todos os votos ao candidato mais votado a nível nacional (pela regra atual, cada estado decide em quem votar no Colégio Eleitoral conforme o desejo do eleitorado nas urnas). Na prática, o projeto iria abolir o Colégio Eleitoral sem precisar encerrar o sistema, que está previsto na Constituição federal. No entanto, o pacto só tem efeito quando for aprovado por estados o suficiente para alcançar 270 votos (o mínimo necessário para eleger o presidente). Atualmente, a soma dos signatários é 196 votos.
Como o federalismo dos EUA permite um alto grau de autonomia para os estados, as legislações variam bastante. O POVO destacou algumas regras que foram votadas em alguns estados:
Arizona: impostos para ricos
Palco de uma das mais intensas batalhas na eleição presidencial, além de votar a favor da legalização da maconha, o Arizona foi a favor de aumentar os impostos sobre famílias de renda alta.
Califórnia, o estado com maior número de decisões
A liberal e diversa Califórnia fez 12 perguntas aos cidadãos, que decidiram sobre assuntos como educação, justiça, direito ao voto e cotas e direitos trabalhistas. Os californianos foram contra um dispositivo legal que permitia as administrações estaduais e municipais de discriminar positivamente (com a criação de cotas, por exemplo) por raça, gênero, nacionalidade.
O estado também votou a favor de devolver a pessoas em liberdade condicional o direito de votar. Além disso, os eleitores foram a favor de restringir os tipos de dados que empresas podem repassar sobre o consumidor. Outro destaque foi a votação favorável à Uber, com os californianos concordando que os motoristas do app não têm vínculo empregatício com a empresa.
Colorado: o segundo maior número de perguntas
Ao todo, o Colorado fez 11 perguntas aos eleitores, atrás somente da Califórnia. Por lá, os moradores decidiram aumentar os impostos sobre o cigarro, foram contra proibir o aborto para mulheres com gestação superior a 22 semanas e também votaram algumas regras sobre os jogos de azar, permitidos no estado.
Flórida: salário mínimo
Os eleitores do estado ensolarado responderam a algumas perguntas e, entre elas, foram favoráveis a uma proposta para aumentar o salário mínimo no estado para US$ 15 por hora (R$ 81, pela cotação da sexta-feira, 6). Atualmente, o salário mínimo lá é de US$ 8,56 (R$ 46). O aumento deve ocorrer aos poucos: vai para 10 dólares em setembro de 2021, depois vai subir 1 dólar por ano até 2026.
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Luisiana: luta contra o aborto
Um dos estados mais conservadores do sul dos Estados Unidos, os eleitores aprovaram uma regra que impede a Constituição estadual de ter qualquer palavra que indique que o direito ao aborto está garantido.
Massachusetts
Entre as duas perguntas que os eleitores do estado responderam está uma curiosa: o direito de reparo. A regra impede que empresas criem produtos que não possam ser consertados por terceiros ou que somente as próprias empresas possam consertar. O projeto foi aprovado por unanimidade todas as regiões do estado.
Mississipi
Estado conservador do sul, o Mississipi votou a favor de mudar a bandeira atual, a única do país que ainda possui um símbolo dos confederados. Os confederados, representando o Sul, lutaram na Guerra Civil Americana (1861 a 1865) contra o norte do país, em uma batalha de independência movida, em grande parte, pela escravização dos negros. O sul, de economia rural e dependente da mão de obra escravizada, era a favor de manter a escravidão. Agora, com a mudança de bandeira, o último símbolo dos confederados vai desaparecer do panteão de estados norte-americanos.
Nevada: casamento homoafetivo
A população do estado, onde fica a cidade de Las Vegas, aprovou a inserção do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Constituição estadual. O casamento homoafetivo havia sido legalizado em todo o país pela Suprema Corte em 2015, mas, assim como vários temas como armas, aborto, drogas, impostos, os estados têm espaço para legislar e estabelecer suas regras. Nevada votou por garantir integralmente.
Rhode Island: mudança em nome de passado escravocrata
O estado de Rhode Island, o menor estado do país (é um pouco menor que o território de Quixeramobim ou de Canindé), era também aquele com o maior nome oficial: State of Rhode Island and Providence Plantations. Em uma das votações mais simbólicas desta eleição, assim como mudança de bandeira no Mississipi, a população local optou por retirar do nome oficial o trecho “and Providence Plantations”, que remete ao passado escravocrata. Plantations era o modelo econômico de produção agrícola em latifúndios com uso mão de obra escravizada. Agora, o estado litorâneo vai ter um nome mais curto, como seu território: State of Rhode Island.
Washington: educação sexual
Primeiro, é importante diferenciar o estado de Washington da capital do país, Washington D.C. Os dois estão, literalmente, em lados opostos do país: a capital dos EUA fica na Costa Leste, para o lado do Oceano Atlântico, e é parte do Distrito de Columbia (que não é um estado). Já o estado de Washington fica na Costa Leste, de frente para o Oceano Pacífico, acima da Califórnia e na fronteira com o Canadá. Dito isso, a população do estado de Washington, que foi questionada sobre seis temas nas urnas, aprovou a introdução de uma disciplina de educação sexual para todos os alunos em idade escolar, embora os pais possam solicitar que os filhos seja dispensados destas aulas.
O caso de Porto Rico e o statehood
Na terça-feira, 3 de novembro, os moradores de Porto Rico votaram em um referendo a favor de se tornar o 51º estado dos Estados Unidos, isto é, ganhar o status de statehood. É o sexto referendo que a população vota neste sentido, sendo o último em 2017. O referendo, antes de tudo, é uma forma simbólica de exercer pressão a reconhecer a ilha caribenha como um estado.
O nome oficial da ilha é Estado Livre Associado de Porto Rico. Era uma colônia dos Estados Unidos e, ainda hoje, é considerado por muitos como um estado colonial. Os porto-riquenhos têm cidadania norte-americana, mas não podem votar para presidente (como Porto Rico não é um estado da União, não tem eleitores no Colégio Eleitoral, que representa os estados).
Eles têm uma assembleia legislativa estadual e um governador, como os demais estados, são atendidos pelo serviço postal dos EUA e pelo FBI, o presidente deles é o que está na Casa Branca, a defesa externa é papel das Forças Armadas norte-americanas, mas não têm poder de decisão.
Elegem um membro para a Câmara dos Representantes em Washington, mas que não tem direito a voto. Há anos os porto-riquenhos pedem para ser reconhecidos como estado dos Estados Unidos, assim como o Havaí, o último estado a entrar na União, em 1959. A expectativa é que, assim como o Havaí, a economia cresça, a ilha seja reorganizada e a qualidade de vida melhore.
No entanto, o reconhecimento enfrenta resistência dos republicanos, que temem um desequilíbrio nas forças políticas já que a ilha tende a ser democrata. Uma vez reconhecido como estado, Porto Rico teria direito a 2 senadores, por exemplo, o suficiente para garantir maioria democrata. Também elegeria deputados (no mínimo 1), além de representar uma parcela possível de eleitores democratas na corrida presidencial.
Com o novo referendo, uma nova comissão de estudo será formada para propor a entrada de Porto Rico na lista de estados da maior economia do mundo. A proposta, então, deve ser analisada pelo Congresso Nacional dos EUA e sancionada pelo próximo presidente eleito.