Eleições 2020: entenda como funciona o Colégio Eleitoral e como é eleito o presidente dos EUA
Um guia completo para entender, do voto comum aos estados-pêndulo até o Colégio Eleitoral, como é eleito o presidente da maior economia e maior potência militar do mundoNo dia 3 de novembro, os estadunidenses devem eleger um novo presidente para comandar o país ou manter o atual na Casa Branca. Desta vez, o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden disputam a preferência do eleitorado, mas, por lá, ter a maioria dos votos não significa necessariamente ser eleito.
Em 2016, a candidata democrata Hillary Clinton foi a mais votada nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Ela recebeu quase 3 milhões de votos a mais que Trump, ainda assim, foi ele que chegou à presidência. Como isso é possível em uma democracia? A resposta está no Colégio Eleitoral, o sistema indireto que elege o presidente dos Estados Unidos em apenas um turno.
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O que é o Colégio Eleitoral?
Primeiro, o Colégio Eleitoral não é um lugar, é um processo. Ele está em vigor desde a Constituição de 1787 e foi criado pelos Pais Fundadores - como são chamados os patriarcas da independência norte-americana - para equilibrar o peso entre os estados mais populosos e aqueles menos habitados. Ao todo, o Colégio Eleitoral tem 538 eleitores. Para ser eleito presidente, o candidato precisa conquistar no mínimo 270 votos.
Cada estado tem um número de votos no Colégio Eleitoral, que é igual ao número de representantes que ele tem no Congresso Nacional. Todos os estados do país elegem dois senadores, mas o número de deputados varia conforme a população. Por exemplo, o Texas elege 36 deputados e dois senadores, isto é, 38 parlamentares ao todo, e este é o número de eleitores que ele tem no Colégio.
Como são 50 estados, ao todo o país tem 100 senadores. Já o número de deputados é de 435, o que totaliza 535 congressistas. No entanto, o Distrito de Colúmbia, onde está a capital do país, Washington, tem direito a três votos no Colégio Eleitoral - mesmo sem ser um estado. Assim, são 538 eleitores.
Quem são os eleitores do Colégio Eleitoral?
Não há muitas regras sobre quem pode ser indicado pelo estado como um eleitor no Colégio Eleitoral. Senadores e deputados não podem ser eleitores, assim como aqueles acusados de traição ou de insurreição contra o país. Fora isso, qualquer cidadão estadunidense está apto a ser indicado, embora geralmente fique a cargo de figuras mais conhecidas ou representantes locais dos partidos.
Cada partido cria uma lista de eleitores do Colégio Eleitoral antes das eleições. Após a votação das urnas, a lista escolhida para representar o estado é a do partido vencedor. Há estados que anexam a lista de votantes no Colégio Eleitoral junto à cédula de voto com o nome do candidato a presidente, mas não é regra e muitas vezes só se conhece a lista de eleitores posteriormente.
Inclusive, na quinta-feira, 29, a candidata à presidência em 2016, Hillary Clinton, disse que será indicada como eleitora no Colégio Eleitoral pelo estado de Nova York, caso os democratas ganhem por lá. "Tenho certeza de que votarei em Joe [Biden] e Kamala [Harris] em Nova York e é muito emocionante", afirmou a ex-senadora, confiante no resultado favorável a Biden no estado.
Desde a década de 1980 os nova-iorquinos não votam em um republicano. O estado tem 29 votos no Colégio Eleitoral, empatado com a Flórida e atrás somente da Califórnia e do Texas.
Qual o papel do voto do eleitor comum e como eles votam?
Os eleitores do Colégio Eleitoral votam de acordo com a população do seu estado. Neste ano, em que concorrem Joe Biden e Donald Trump, quem for mais votado pela população de um estado ganha os eleitores que ele tem no Colégio Eleitoral. Assim, entre Biden e Trump, quem levar a melhor nas urnas no Texas, por exemplo, vai ficar com os seus 38 votos no Colégio Eleitoral. Desse modo, os candidatos precisam ganhar em estados o suficiente até acumular os 270 votos.
Em 48 dos 50 estados, o candidato mais votado leva todos os eleitores que eles têm no Colégio Eleitoral, mesmo que vence por uma margem pequena, sem divisão entre os outros concorrentes. Em 2016, Trump venceu no Michigan, um estado-pêndulo, por apenas 11 mil votos de diferença para Hillary Clinton e levou todos os 16 votos que o estado tem no Colégio. A exceção para esta regra são o Maine e Nebraska, que dividem seus eleitores no Colégio de acordo com a proporção de votos recebida pelos candidatos à Presidência.
Nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório. Boa parte do trabalho dos candidatos é convencer os eleitores a irem votar. De acordo com a fundação Verified Voting, no país, o voto é majoritariamente no papel - apenas 6 dos 50 estados utilizam equipamentos eletrônicos, como as urnas do Brasil. Nos outros 44 estados, prevalecem as cédulas de papel ou os sistemas mistos (em que se vota no papel e depois o voto é escaneado por um aparelho eletrônico).
Também há estados que realizam toda a votação por correio, isto é, utilizando cédulas de papel. Para receber a cédula, o eleitor precisa se cadastrar com antecedência e preencher corretamente o papel do voto, ou ele não será contabilizado. Também é necessário enviar dentro do prazo estipulado, ou o voto não chega a tempo de entrar para a contagem.
Embora vários estados permitam o voto por correio assim como o presencial, neste ano, em função da pandemia, a primeira opção tem sido a preferida dos norte-americanos. Segundo o site US Elections Project, que produz estatísticas sobre as eleições por lá, até o momento 82 milhões de estadunidenses já votaram antecipadamente, um recorde de participação.
Isso também é possível pelo hábito de abrir as urnas antes do "dia" da eleição, a terça-feira 3 de novembro. Dakota do Sul, Minnesota (este um estado-pêndulo), Virgínia e Wyoming, por exemplo, estão com as urnas abertas desde o meio de setembro, mais de um mês antes da data em que a votação encerra.
Quem organiza as eleições nos EUA?
O fato de haver tamanha diversidade nas possibilidades de voto - papel, eletrônico, presencial, correio - tem a ver com o sistema político federalista dos EUA. Diferente do Brasil, nos Estados Unidos a organização das eleições é altamente descentralizada. Isso porque aqui há um órgão maior, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que coordena o pleito, e, em cada estado, há um Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que aplica as instruções do TSE em cada local.
No país, a organização da disputa eleitoral é feita pelos condados e cada estado tem leis próprias. Os condados são entidades administrativas que englobam cidades e vilas, como o Condado de Orange, na Flórida, onde está localizada a cidade de Orlando e Bay Lake, sede da Disney. Embora isso varie de estado para estado, cada condado tem suas autoridades eleitas (e algumas cidades também), e, entre elas, os oficiais para eleições.
Como cada estado tem suas regras eleitorais (se o voto é eletrônico ou no papel; se há voto antecipado ou não; quem pode se registrar para votar e como é feito o registro), cabe aos condados aplicar parte desta regulação: são estes funcionários que escolhem os locais de votação, atestam a integridade das urnas, garantem a acessibilidade ao local e a segurança do processo de votação.
Segundo a Associação Nacional dos Condados (NACo, na sigla em inglês), nas eleições presidenciais de 2016, foram mais de 100 mil locais de votação presencial administrados 700 mil funcionários eleitorais dos condados.
O que são os estados-pêndulo?
Nos Estados Unidos, há dois grandes partidos que centralizam a vida política: o Democrata e o Republicano. Existem estados que há décadas só votam em um desses partidos. Então, dada a largada das eleições, os candidatos costumam já ter uma base mínima de votos no Colégio Eleitoral, correspondente àqueles estados cuja vitória do partido é garantida.
Assim, para alcançar os 270 votos necessários para a eleição, a verdadeira disputa está nos chamados estados-pêndulo (swing states, nos EUA), aqueles que às vezes votam democrata, às vezes votam republicano. É neles que a campanha é mais agressiva, os candidatos visitam mais vezes, investem mais dinheiro, porque são os votos deles no Colégio Eleitoral que acabam por decidir as eleições.
Por exemplo, em 37 estados as vantagens de cada um estão consolidadas e seus votos são avaliados como seguros ou muito prováveis, de acordo com a Folha de S. Paulo. Nessa lista, Biden teria mais de 200 votos no Colégio Eleitoral, enquanto Trump tem 125. É o caso do estado de Indiana, tradicionalmente republicano, que em 50 anos só votou uma vez pelos democratas. Nos cálculos republicanos, não há o que se preocupar com lá.
Já a Flórida, um estado-pêndulo, votou pelo democrata Bill Clinton em 1996, pelo republicano George Bush nos anos 2000 e 2004, optou por Barack Obama, democrata, em 2008 e 2012, e em 2016 votou por Donald Trump, republicano. A lista de estados-pêndulo costuma variar. Neste ano, a estimativa, segundo o portal FiveThirtyEight, focado em pesquisas eleitorais, é que 13 estados são competitivos, ou seja, podem mudar de lado. Ao todo, eles somam 196 votos.
Um destes 13 estados tem inclinação pró-Trump, o Texas, justamente o que possui mais votos nesta lista. Cinco estão indefinidos: Flórida (segundo com mais votos na lista), Geórgia, Carolina do Norte, Iowa e Ohio. E sete deles têm leve inclinação pró-Biden nas pesquisas: Arizona, Michigan, Minnesota, Nevada, New Hampshire, Pensilvânia (terceiro com mais votos na lista) e Wisconsin.
Por isso, Trump precisa vencer nos estados com mais votos entre os 13 competitivos, com foco no Texas (sem vencer aqui, é praticamente impossível o republicano ser reeleito), na Flórida (a última vez que um republicano chegou à Casa Branca sem ter vencido na Flórida foi em 1924) e na Pensilvânia (sem vencer aqui, aponta o FiveThirtyEight, ele só tem 2% de chances de ganhar a eleição).
Além disso, ele tem que vencer em outros estados menores destes indecisos, como Michigan e Wisconsin.
E como alguém menos votado pode ganhar, como ocorreu com Donald Trump?
Isso porque em quase todos os estados do país impera o sistema do vencedor leva tudo. Ou seja, o número de eleitores no Colégio Eleitoral vai todo para quem for mais votado, independente da margem de votos. Exemplo:
Imagine que existem os estados A, B e C. Cada um desses estados tem uma população votante de 10 milhões de pessoas e 10 eleitores no Colégio Eleitoral. Na disputa presidencial, estão os candidatos 1 e 2.
No estado A, o candidato 1 teve 5,5 milhões de votos e o candidato 2 teve 4,5 milhões. Assim, o candidato 1 conquistou os 10 eleitores que representam o estado A no Colégio Eleitoral.
No estado B, o cenário foi o mesmo, o candidato 1 teve 5,5 milhões de votos e o candidato 2 teve 4,5 milhões. Assim, ele conquistou os 10 eleitores do estado B e agora o candidato 1 tem 20 votos no Colégio Eleitoral.
Já no estado C, o candidato 2 teve 8 milhões de votos e o candidato 1 teve apenas 2 milhões. Assim, no estado C, foi o candidato 2 que ficou com os 10 eleitores do Colégio Eleitoral.
Na prática, juntando os três estados, o candidato 2 teve 17 milhões de votos. Já o candidato 1 teve 13 milhões. E ainda assim, é o candidato 1 que tem mais votos no Colégio Eleitoral.
Ao longo da história, houve cinco casos em que o mais votado nas urnas não foi eleito por não ter conseguido o número de votos no Colégio Eleitoral. Entre eles, Hillary Clinton. Ela foi mais votada, mas nesse sistema do Colégio Eleitoral, não importa vencer por grande margem. O importante é ter maioria simples nos estados certos, ou seja, nos estados-pêndulo.
Como funciona a apuração e a votação do Colégio Eleitoral?
A quantidade final de votos populares em cada candidato pode levar semanas para ser conhecida nos EUA. Isso porque, nos estados que utilizam cédulas de papel (a maioria), é preciso contá-las, verificar se estão corretas e só então validá-las. A apuração de cada condado é feita pelas autoridades locais e só depois repassada ao governo estadual. Por isso, os estadunidenses conhecem os resultados parciais já no dia 3 de novembro não pelas autoridades, mas pela imprensa, que recolhe os números.
Há outros fatores que podem bagunçar o resultado: neste ano, com recorde de votação pelos correios, pelo menos 28 estados confirmaram que não vão contar os votos que chegarem após o dia 3. Já estados como Michigan (estado chave para ganhar a eleição) só começa a contar no dia 2 de novembro, enquanto Wisconsin e Pensilvânia (sem o qual Trump dificilmente seria reeleito) só começam a apurar a votação no próprio dia 3 de novembro. Aliás, Pensilvânia e Carolina do Norte, dois estados-pêndulo, vão contar votos até o dia 6, em mais uma demonstração do quanto pode demorar a apuração oficial.
Terminada apuração das urnas, cada governador declara quem venceu no estado, ou seja, em quem a população votou. Depois, o governador emite um certificado com a lista dos eleitores - indicada pelo partido vencedor - daquele estado no Colégio Eleitoral.
Cada grupo de eleitores do Colégio se reúne nas capitais dos seus estados em dezembro e depositam seus votos em uma urna. Em tese, eles votam no candidato mais votado pela população do estado, embora não exista uma regra clara sobre isso. Em 2016, por sinal, dois eleitores do Texas se rebelaram contra o partido e não votaram em Trump, mesmo o estado tendo escolhido ele.
Há estados que multam o eleitor que não votar conforme a população. Mas, na maioria das vezes, o que acontece é uma desqualificação: o partido vencedor tira o nome do eleitor rebelde e o substitui por outro fiel. Depois de concluída a votação do Colégio Eleitoral, aquele que tiver 270 votos ou mais é o novo presidente da República, que toma posse no dia 20 de janeiro.
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