Eleições 2020 nos EUA: a disputa pelo Congresso e sua importância para o mundo
Como a maior economia, maior vendedor de armas, segundo maior poluente, qualquer passo dos Estados Unidos afetam o mundo inteiro. E o Congresso é quem define as regrasNeste ano, as eleições gerais de 3 de novembro nos Estados Unidos elegem o presidente da República, que deve comandar a maior economia e maior potência militar do mundo nos próximos quatro anos. Dos 50 governadores, 36 também vão enfrentar as urnas, sendo 26 republicanos. Na mesma data, os norte-americanos também devem renovar parte das duas casas que compõem o Congresso, a Câmara dos Representantes e o Senado.
Todos os 435 assentos da Câmara estão em jogo nesta disputa eleitoral. Já no Senado são apenas 35, pouco mais de um terço do total de 100 senadores. Ainda assim, o resultado pode ser o suficiente para alterar a balança do poder no EUA e definir os rumos do mandato do próximo presidente eleito, seja o democrata Joe Biden ou o republicano Donald Trump. Não obstante, o resultado das eleições legislativas lá podem afetar a vida de centenas de milhões em todo mundo, já que muitas leis que passam pelo Congresso incidem sobre imigração, economia, mudanças climáticas e venda de armas.
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Nos Estados Unidos, o voto não é obrigatório. Portanto, os congressistas, assim como os candidatos à presidência, precisam mobilizar sua base para incentivá-la a comparecer às urnas. Entenda como funcionam as eleições legislativas nos EUA e sua importância para o mundo:
Os dois grandes partidos: Republicanos e Democratas
Nos EUA, duas grandes siglas monopolizam o cenário eleitoral: o Partido Republicano e o Partido Democrata. Os dois têm se alternado na Presidência e dominado as duas casas do Congresso Nacional - Senado e Câmara dos Representantes - desde a segunda metade do século XIX.
Embora existam outros partidos e mesmo candidatos independentes, a representação destes costuma ser ínfima no País. Atualmente, dos 100 senadores norte-americanos, apenas dois não são republicanos ou democratas. Hoje, na Câmara, dos 435 assentos, 4 estão vagos e 1 é ocupado por um membro do Partido Liberal. O restante, 430, está dividido entre republicanos e democratas, que têm a maioria desde 2018.
Como é dividido o número de congressistas na Câmara e no Senado?
O número de assentos na Câmara, embora esteja fixado em 435, é distribuído entre os 50 estados nos distritos eleitorais, que são formados com base no número de habitantes averiguado pelo Censo realizado a cada dez anos, conforme prevê a Constituição.
Os moradores de cada distrito eleitoral elegem um deputado e como os distritos correspondem ao tamanho da população de uma área, há estados com dezenas de deputados e outros com apenas um. A Califórnia e o Texas, por exemplo, os dois mais populosos, possuem 53 e 36 distritos eleitorais, isto é, 53 e 36 deputados, respectivamente. Já estados como Alasca ou Vermont, com baixa densidade demográfica, são englobados por um distrito apenas, logo só elegem um deputado.
Um Congresso bicameral, com duas casas, funciona como uma balança de contrapesos. Se a Câmara representa diretamente a população em números, gerando bancadas super numerosas como a californiana, o Senado representa os estados igualmente. Nos EUA, cada estado elege dois senadores, independente da sua população. Assim, as propostas que afetem os estados, se passam pela força do número na Câmara, encontram uma barreira no Senado, e vice-versa.
É o mesmo que no Brasil, onde São Paulo, em função da sua população, possui 70 deputados e o Ceará, 22. Contudo, aqui, a lei eleitoral estabelece um limite mínimo de 8 deputados para garantir representatividade a um estado - como Rondônia, Roraima ou Tocantins, que só têm 8 - e um máximo de 70, para evitar desequilíbrios extremos. Ainda assim, essa representação demográfica é balanceada, assim como nos EUA, pelo Senado, já que no Brasil cada estado elege 3 senadores, independente da sua população.
De volta aos EUA, com a profunda divisão entre republicanos e democratas e a preferência de determinadas regiões por um dos dois partidos, os políticos e analistas costumam analisar, na prática, apenas aqueles distritos considerados “competitivos”, ou seja, em que há chance de um partido derrotar o outro. Segundo o Cook Political Reporter, um tradicional site independente de análise política, em apenas 92 assentos dos 435 da Câmara há chances reais de um partido derrotar o outro. Os demais devem continuar com quem já estão, segundo as pesquisas, o que pode manter ou ampliar a vantagem democrata na casa.
Já no caso do Senado, dominado pelos republicanos desde 2014, somente 35 vagas estão em competição. Desse número, 12 estão atualmente com os democratas, e 27 com os republicanos. Das 35, 12 têm chances reais de trocar de partido, de acordo com o Cook Political Reporter, sendo 10 destas pertencentes a republicanos. Dependendo dos resultados, se os republicanos perderem em 4, 5 ou 6 destes 10 assentos, o Senado pode passar às mãos dos democratas, o que seria uma reviravolta amarga para Donald Trump, caso seja reeleito, que precisaria governar, pelo menos até 2022, sem maioria em nenhuma casa do Congresso.
Midterms: As eleições do meio de mandato
Nos EUA, os deputados têm um mandato de 2 anos, enquanto senadores têm mandato de 6 anos. É aí que reside a explicação das chamadas midterms, as eleições de meio de mandato, porque ocorrem no segundo ano de um mandato presidencial.
Pela duração dos mandatos, os deputados precisam ser renovados a cada dois anos. Ocorreu em 2018, quando os democratas ganharam maioria. Ocorre de novo nestas eleições de 2020, em que o presidente será eleito, e voltarão a ocorrer em 2022, sempre pondo todos os assentos da Câmara em jogo.
No caso dos senadores, com seis anos de mandato e estas eleições bienais para o Legislativo, acaba que um terço do Senado é eleito a cada dois anos. Em 2018, foram 35 vagas nas midterms. Neste ano, serão outras 35.
Em comparação com o modelo brasileiro, a maior diferença residente nas midterms, já que aqui a eleição para o Legislativo federal - Câmara e Senado - só ocorre a cada 4 anos. Assim como nos EUA, a Câmara põe todos os assentos em jogo nas eleições. No Brasil, o mandato de um deputado dura 4 anos, enquanto o de senador, 8 anos. Logo, também como nos EUA, o Senado brasileiro é renovado em partes: em 2018, foram escolhidos 54 dos 81 senadores; em 2022, serão escolhidos os outros 27, para as vagas dos que haviam sido eleitos em 2014.
As midterms dos Estados Unidos são muitas vezes avaliadas como um termômetro da aprovação ou reprovação de um presidente. A população pode referendar e ampliar o números de congressistas de um partido em detrimento de outro.
Em 2018, quando as polêmicas de Trump já corriam soltas, o partido do presidente, o Republicano, perdeu a maioria de deputados na Câmara, embora tenha continuado a comandar o Senado. Comparativamente, em 2016, ano da eleição de Trump, os democratas, partido do presidente Barack Obama e da concorrente Hillary Clinton, foram “punidos” e viram os republicanos ampliar a vantagem no Senado e controlar a Câmara.
Qual a importância da eleição do Congresso nos EUA para o mundo?
Câmara e Senado, embora dividam as funções legislativas, possuem cada uma poderes reservados. Somente a Câmara pode abrir um processo de impeachment, ainda que este só seja consumado se o Senado aprovar. Se, por acaso, nenhum dos candidatos à Presidência conseguir os 270 votos necessários no Colégio Eleitoral para ser eleito, é a Câmara quem decide quem deve ser presidente.
Já o Senado deve aprovar o gabinete formado pelo presidente. Só toma posse aquele secretário - o que equivalente, no Brasil, a ministro - aprovado pelos senadores, que sabatinam cada um. É o mesmo com os juízes federais e chefes de agências federais como como a CIA: o Senado pode aprovar ou não a indicação.
Uma das grandes polêmicas das eleições de 2020 nos EUA, ainda que tenha participação de Trump, só pode ser resolvida no Senado. Em setembro, a juíza progressista Ruth Bader Ginsburg, integrante da Suprema Corte, faleceu aos 87 anos. A morte RBG, como era conhecida, lançou no debate eleitoral a discussão de quem deveria indicar o nome para sucedê-la: o atual presidente, em fim de mandato, ou o vencedor das eleições de 3 de novembro?
Biden defende que a discussão da vaga ocorra somente após as eleições por aquele que for o vencedor nas urnas. Trump, por outro lado, já apresentou o nome de Amy Coney Barrett, uma juíza federal católica e ultraconservadora, para a vaga de RBG. A decisão final é do Senado, atualmente de maioria republicana.
Para além da questão interna do país, o portal Gzero Media, do Eurasia Group, a maior agência de análise de risco e política do mundo, listou alguns pontos em que as eleições do Senado nos EUA podem influenciar os rumos do planeta:
Comércio. Donald Trump sacudiu o livre mercado ao longo do seu mandato ao sair ou renegociar antigos acordos econômicos, como estabelecido entre os EUA, Canadá e México; ou mesmo a guerra comercial contra a China, que obrigou os chineses a sentar na mesa de negociações. Trump impôs tarifas à Europa e até mesmo ao Brasil, mas todas estas medidas precisam do aval final do Senado. Uma composição democrata ou republicano nesta casa pode mudar a disposição do país a fechar novos acordos ou mesmo alterar suas prioridades.
Imigração. Trump causou polêmica ao vetar a entrada de viajantes de alguns países de maioria muçulmana nos EUA, além de ter tentado encerrar o programa de apoio aos dreamers, como são chamados os jovens imigrantes que chegaram por lá ainda crianças. Nesta semana mesmo, o presidente dificultou a emissão de vistos de residência para trabalhadores qualificados. Embora o presidente possa fazer isso sem apoio do Congresso, uma reforma maior do sistema de imigração, como defendido por Trump, só pode acontecer pela via Legislativa. O endurecimento das regras, a mudança nos padrões, o fim do direito de reunião - quando migrantes estabelecidos podem trazer suas famílias para o país -, são medidas que tendem a impactar sobretudo a América Latina, que possui um dos maiores fluxos migratórios a caminho dos EUA. E a decisão cabe ao Congresso.
Vendas de armas e mudança climática. A venda de determinadas armas a outros países precisa ser aprovada pelo Senado. É o caso dos caças F-35, os mais modernos, ou outras armas de guerra que costumam ser encontradas nos conflitos mundo afora. Qualquer mudança nas políticas ambientais, como New Green Deal defendido por Biden - um plano trilionário para incentivar uma economia mais verde - também precisa passar pelo crivo dos congressistas. E sem os EUA, qualquer acordo climático perde potência, já que o país é o segundo maior poluente - exatamente o que ocorreu no Acordo de Paris, do qual o presidente Donald Trump retirou o país.
Qual o papel do vice-presidente nisso tudo?
Na quarta-feira, 7, o atual vice-presidente e candidato à reeleição com Trump, Mike Pence, participou do debate contra a senadora Kamala Harris, candidata à vice-presidência na chapa de Biden. Isso demonstra um protagonismo inédito no Brasil para os vices. De fato, nos EUA, este cargo possui funções mais definidas além de atuar como conselheiro do presidente.
Embora o vice seja eleito na mesma chapa do presidente da República, segundo a Constituição, o vice-presidente é também o presidente do Senado. Por convenção, isso raramente acontece, mas ele tem o poder de conduzir as sessões e até mesmo utilizar o voto em desempates, o que pode ser decisivo em votações cruciais para o governo. Justamente por isso, os vice-presidentes costumam presidir sessões em que algo muito importante e de interesse da Presidência da República está em pauta, de modo a conduzir ou decidir a favor do governo.
Além disso, no caso do Senado ficar dividido igualmente entre os dois partidos - 50/50 -, é a vinculação partidária do vice-presidente dos EUA (republicano ou democrata) que decide qual partido vai ter maioria na casa e, assim, dar o tom da legislatura. Por isso, são comuns debates de vice nos Estados Unidos, já que o cargo não é meramente representativo.