Nobel: o que são buracos negros e por que a ciência é tão interessada neles?

O estudo dos buracos negros expande o conhecimento humano e pode responder às mais variadas perguntas. As aplicabilidades das pesquisas ainda são responsabilidade do futuro, mas cientistas reforçam a importância do saber e da curiosidade

 

O astrofísico Fábio Cafardo, 40, tinha acabado de acordar quando recebeu a notícia de que a americana Andrea Ghez e o alemão Reinhard Genzel tinham recebido parte do prêmio Nobel de Física pela descoberta de um buraco negro no centro da Via Láctea, o Sagitário A Estrela (Sgr A*). O entusiasmo percorreu o corpo do pesquisador: esse é o mesmo buraco negro sobre o qual Fábio está escrevendo a tese de doutorado, a ser defendida ainda este ano no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP).

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Em outro espaço e tempo, Roberta Duarte ficou sabendo da novidade enquanto preparava-se para começar, no dia seguinte, 7, o doutorado no IAG, estudando justamente buracos negros. A divulgação dos vencedores, incluindo o britânico Roger Penrose - por demonstrar "que a formação de um buraco negro é uma previsão sólida da teoria da relatividade geral" -, encheu a astrofísica de 24 anos de ânimo e alegria.

 

Anúncio dos vencedores do Nobel de Física. O britânico Roger Penrose, o alemão Reinhard Genzel e a americana Andrea Ghez são os vencedores por suas pesquisas sobre os buracos negros"
Anúncio dos vencedores do Nobel de Física. O britânico Roger Penrose, o alemão Reinhard Genzel e a americana Andrea Ghez são os vencedores por suas pesquisas sobre os buracos negros" (Foto: Fredrik SANDBERG / AFP)

Parecia que o Nobel validava a afirmação do orientador deles, o doutor Rodrigo Nemmen: o mundo científico está na era de ouro dos buracos negros, a era observacional. Mas o que são os buracos negros e o que há de tão impressionante neles? É o que Roberta, Fábio e o astrofísico Daniel de Freitas, da Universidade Federal do Ceará (UFC), explicam ao O POVO.

 


Os buracos negros

Buracos negros são pontos no universo com um campo gravitacional tão intenso que nem a luz consegue fugir deles. O campo gravitacional, como explica o astrofísico Daniel, é criado a partir de qualquer objeto que tenha massa. A Terra, por exemplo, tem o seu próprio campo gravitacional, responsável por manter a Lua na órbita do planeta e todas as coisas presas ao chão.

No entanto, é possível “fugir” do campo gravitacional da Terra se você for rápido o suficiente - é o que os foguetes fazem ao serem lançados em uma velocidade de 11 quilômetros por segundo. Acontece que os buracos negros são corpos tão massivos que nem o objeto mais rápido do universo, a luz, consegue fugir.

A astrofísica Roberta aprofunda um pouco mais: “Em termos físicos, os buracos negros são uma distorção no espaço-tempo”. Para entender, basta imaginar um lenço esticado de ponta a ponta. Se você colocar uma bolinha de gude no lenço, ela vai afundar no tecido. A partir daí, teste colocar outros objetos no lenço distorcido: todos vão deslizar até o local afundado pela bolinha de gude. Isso é a distorção no espaço-tempo e o consequente campo gravitacional.

Objetos massivos fazem com que o espaço-tempo se curve, assim como uma bola pesada cria um orifício em um pedaço de tecido esticado
Objetos massivos fazem com que o espaço-tempo se curve, assim como uma bola pesada cria um orifício em um pedaço de tecido esticado (Foto: DIVULGAÇÃO NASA/GSFC/J. Friedlander)

 

Os buracos negros podem ser divididos em duas classes. Os estelares, que são buracos negros menores e surgem da morte de estrelas massivas; e os supermassivos. Os supermassivos têm milhões e milhões de massas solares e estão no centro das galáxias. E na Via Láctea, onde moramos, esse buraco negro é o Sgr A*. “Ele tem 4 milhões de massas solares e está ‘bem perto’ da gente, há 23 mil anos-luz”, descreve o astrofísico Fábio.

Sagitário A Estrela

Foi pela confirmação definitiva da existência do Sgr A* no centro da Via Láctea que Andrea e Reinhard receberam parte do prêmio Nobel de Física 2020. Como não é possível enxergar o buraco negro (já que a luz foge dele), os cientistas o observaram a partir da análise da órbita de estrelas.

Foram aproximadamente 20 anos de observação até a confirmação de que, sim, as estrelas no centro da Via Láctea só poderiam se movimentar da forma que se movimentam pela influência gravitacional de um buraco negro.

 


A outra metade do prêmio foi concedida a Penrose, responsável por demonstrar matematicamente que a existência dos buracos negros só é possível a partir da Teoria da Relatividade Geral. A teoria foi desenvolvida por Albert Einstein há mais de um século, em 1915.

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Mas por que a Ciência está tão interessada em entender buracos negros? “Curiosidade”, responde Roberta. “A gente está compreendendo a Física propriamente dita. Os buracos negros estão quase fora da nossa compreensão física. Ao redor deles, as coisas são misteriosas”, explica. Ao mesmo tempo, existem linhas de pesquisa que acreditam que eles interagem com a evolução e a origem das galáxias. “[Estudá-los] faz a gente compreender como a gente está aqui”, completa a astrofísica.

“É como a Arte”, compara Fábio. “Pra quê eu vou pintar um quadro? Qual a utilidade disso? Bom, talvez não tenha utilidade prática. Mas tem a utilidade de te fazer sentir mais humano, de saber o que está por trás de como funciona a natureza e o Universo”, diz.

Mesmo assim, os cientistas reforçam que as aplicações poderão surgir mais para frente, como ocorreu com as pesquisas voltadas para a radioastronomia. Quando o ramo da astronomia que estuda as radiações electromagnéticas emitidas ou refletidas pelos corpos celestes começou, ninguém sabia para quê servia. No entanto, o legado de conhecimento que essas pesquisas deixaram levou a humanidade a criar o WiFi.

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O GPS também é um uso da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Como o estudo dos buracos negros leva a compreensão da teoria ao limite, é possível que no futuro outras grandes tecnologias sejam construídas. “Já existem várias pessoas que estão tentando criar buracos negros artificiais, do tipo eletromagnético. A ideia é interessante porque a gente poderia pensar que, no futuro distante, a gente tenha processadores de computador que seriam, na verdade, mini buracos negros”, comenta o astrofísico Daniel de Freitas.

As próximas gerações

Pode-se dizer que outra aplicação da pesquisa é inspirar as futuras gerações de cientistas. “As pessoas se interessam por esse assunto. A astronomia atrai o jovem, a criança, a se interessar por ciência”, analisa Fábio. Foi o caso da Roberta, que sempre amou buracos negros.

Desde pequena, os pais a presenteavam com leituras sobre astronomia, mesmo o mais simples, e ela ainda guarda a maioria deles. Em torno dos 10 anos, Roberta ganhou um que tratava justamente dos buracos negros. Quase 15 anos depois, a astrofísica está começando o doutorado na USP para estudar os gigantes massivos.

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Da mesma maneira, ver mulheres recebendo o prêmio Nobel inspira meninas a acreditarem em seu potencial para serem pesquisadoras. “É uma geração de astrofísicos que hoje é criança, adolescente, e vai atrás. Mesmo que depois não seja astrofísico, mas é uma motivação para estudar”, conclui Fábio.

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