EUA x Irã: veja cronologia das hostilidades entre os dois países

A morte do general Qassem Soleimani foi mais um passo explosivo na tensa relação entre os dois países, que envolve rivalidades com Arábia Saudita e Israel, além de atuação na Síria, Iraque, Líbano e Iêmen

12:46 | Jan. 03, 2020

Por: Leonardo Igor/Especial para O POVO
Era um dos homens mais poderosos do Irã (foto: AP)

Os Estados Unidos anunciaram nesta sexta-feira, 3, a morte do principal general iraniano e um dos principais líderes do país, Qassem Soleimani, após ataque aéreo no aeroporto de Bagdá, no Iraque. Soleimani liderava a unidade especial Guarda Revolucionária Iraniana chamada Al Quds, com atuação no exterior.

Após confirmação da morte pelo governo do Irã, o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei clamou por “vingança”. As hostilidades entre os dois países vêm há décadas, mas afloraram após a Revolução Iraniana de 1979 e o posterior rompimento das relações diplomáticas das nações. Confira a linha tempo política do país persa e sua influência no Oriente Médio.

Cronologia: 

Da Pérsia ao Irã

Até 1925, o Irã era oficialmente o Sublime Estado do Pérsia, governado pela dinastia Qajar. Após os eventos da Primeira Guerra Mundial, o monarca foi deposto pelo líder da brigada militar persa-cossaco, Reza Khan, em um golpe militar apoiado pelo Reino Unido. Khan passou a se chamar Reza Pahlavi e adotou o título do xá, tradicional dos imperadores persas. Ao assumir o poder, mudou o nome do país para Irã.

O reinado dos xás

De 1926 a 1941, o xá Reza Pahlavi adotou uma série de medidas modernizantes no país, como a construção de rodovias, a fundação da Universidade de Teerã (a primeira do país) e o avanço no direito para as mulheres. Durante a Segunda Guerra Mundial, Reza foi obrigado a abdicar do trono após invasão britânica e da União Soviética. Seu filho, o príncipe herdeiro Mohammed Reza Pahlavi, assumiu em 1941 o trono como o segundo xá do século XX.

O último xá

A despeito do pai, que gozava de forte apoio popular, o xá Mahomad Pahlavi ficou conhecido pela inclinação pró-ocidental e o estilo de vida extravagante em que vivia enquanto a maior parte do país tinha uma realidade pobre e rural. Já desde o governo do pai, as medidas liberais iam de encontro aos preceitos do stablishment religioso, os mullahs, termo utilizado no Islã xiita para se referir aos homens muçulmanos versados em teologia e Direito corânico. Com o início da convulsão social no país nos 70, o governo do xá passou a contar com forte apoio dos Estados Unidos e a CIA para a repressão popular e tortura de opositores.

A Revolução de 1979

Diante das altas taxas de pobreza, a repressão ditatorial, a oposição do clero xiita e a rejeição à influência dos Estados Unidos, entre 77 e 78 estourou no Irã uma série de protestos massivos, também influenciados pelo clérigo exilado Ruhollah Komeini. A reação do regime do xá foi brutal e o país mergulhou em conflito. Em 16 de janeiro de 79, Mohammed Pahlavi foi obrigado a se exilar e em, 1º de fevereiro, Komeini retornou ao Irã para conduzir o movimento. Em um contestado plebiscito, 99% da população teria votado pela instalação de uma República Islâmica, em que o líder supremo religioso, o aiatolá, tem a última palavra, acima do presidente. Nesta época, houve a invasão da embaixada dos Estados Unidos por manifestantes iranianos, que culminou posteriormente com o fim das relações diplomáticas entre os dois países.

A Guarda Revolucionária

A Guarda Revolucionária Iraniana nasceu com a República Islâmica como um exército profundamente ligado à ideologia da Revolução, que existe em paralelo às Forças Armadas. O grupo responde diretamente ao aiatolá e passou a ganhar espaço com o investimento militar do país, a campanha contra a influência dos Estados Unidos, apelidado de “Grande Satã”; e peso econômico após passar a comandar setores-chave da estatizada economia iraniana. A Guarda Revolucionária fundou a Força Quds, um braço armado voltado para a política externa, que atua fundamentalmente no Oriente Médio e no Sul da Ásia. Quds é a palavra farsi para Jerusalém, cidade que os combatentes prometem retomar. A unidade foi liderada por Qassem Soleimani desde 1998.

Guerra Irã-Iraque (1980-88)

Assim como a iraniana, a população do Iraque é de maioria xiita e compartilhava um contexto sócio-econômico semelhante. Um ano após a proclamação da República Islâmica, o então presidente do Iraque, o sunita Saddam Hussein, percebeu o triunfo dos mullahs como uma ameaça. Inicialmente, o conflito se escondia em disputas fronteiriças pela região em que correm os rios Tigres e Eufrates, mas em 82 o Iraque declarou guerra e invadiu de surpresa a fronteira do Irã. O ataque serviu para unificar o país persa, que mais uma vez se sentiu ameaçado por forças estrangeiras. Nesse período, se solidificou o poder da Guarda Revolucionária. Em 88, a Organização das Nações Unidas determinou um cessar-fogo, aceito pelo Irã após as baixas que vinha sofrendo. Alguns dias depois, o Iraque também cessou as hostilidades.

O reavivamento do programa nuclear

Desde a guerra com o Iraque e nos anos 90, o Irã retomou com força o combalido programa nuclear, que teve início nos anos 70. O país firmou acordo com a Alemanha e Rússia para avançar na área e concluir centrais nucleares. Desde 1995, a nação persa sofre sanções econômicas dos Estados Unidos, mas a partir da década seguinte as sanções passarem a ser eminentemente relacionadas ao programa nuclear e ao que os norte-americanos chamam de “atividades desestabilizantes” na região. O Irã insiste que o programa nuclear tem fins pacíficos e medicinais, ainda assim, durante anos proibiu a fiscalização das instalações Agência Internacional de Energia Atômica, vinculada à ONU.

Guerra Estados Unidos-Iraque

Em 2003, na esteira do atentado às Torres Gêmeas, os Estados Unidos invadiram o Iraque e derrubaram o governo de Saddam Hussein. Nessa época, Qassem Soleimani já era líder da Força Quds e o mais importante general da Guarda Revolucionária, alçada ao topo do poder no regime dos aiatolás. Posteriormente, novo sistema político iraquiano favorece a representação étnica e religiosa, o que permitiu ao Irã aumentar sua influência no país através de representações políticas pró-iranianas e até mesmo a negociar a formação de governos.

Primavera Árabe

Diante da convulsão instalada no mundo árabe pelos protestos iniciados na Tunísia em 2010, vários países considerados pelo Irã como áreas de influência sentiram o tumulto em seus territórios. A Força Quds liderada por Qassem Soleimani está na Síria em apoio ao regime do ditador Bashar Al-Assad, bem como no Líbano através do Hezbollah, partido político e força armada anti-Israel que compõe o governo libanês. A presença do Irã em territórios tão próximos ao israelense tem elevado a tensão na região e já incidiu em ataques esporádicos. O Irã também está no Iêmen, onde atua a favor dos rebeldes xiitas na guerra deflagrada em 2011. A presença iraniana é vista como ameaça pela Arábia Saudita, maior produtor de petróleo do mundo e forte aliado dos Estados Unidos, inimiga regional do Irã.

Acordo do programa nuclear iraniano

Em 2015, o Irã firmou um acordo histórico com Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China para reduzir a potência das centrais nucleares, o que impediria a criação de armas atômicas. Com a eleição de Donald Trump, os EUA saíram do acordo e reimpuseram as sanções sob acusação de que o Irã estaria violando os termos e utilizando brechas para desenvolver outros tipos de armas de alcance médio.

Estado Islâmico

Com o vazio de poder gerado pelas revoltas da Primavera Árabe, o grupo terrorista autoproclamado Estado Islâmico dominou uma vasta extensão de terra entre o Iraque e a Síria, incluindo cidades importantes como Mossul. No Iraque, uma força paramilitar pró-iraniana chamada Hash al Shaabi teve papel relevante na derrota dos terroristas e, desde a supressão do grupo, ganhou um status semi-oficial e se tornou umas das principais no país.

Iraque, Irã, EUA e Arábia Saudita

- Em 20 de junho, o Irã derrubou um drone norte-americano que sobrevoava a região do Golfo Pérsico, em mais um passo na escalada verbal dos dois países desde a saída dos EUA do acordo nuclear.

- Em 14 de setembro, cerca de 20 drones iranianos atacaram as instalações da estatal petrolífera da Arábia Saudita, a Saudi Aramco, o que interrompeu brevemente a produção do maior fornecedor de petróleo do mundo. Os dois países inimigos já vinham se enfrentando indiretamente no Iêmen, de onde os rebeldes xiitas apoiados pelo Irã têm lançado ataques com mísseis em direção ao território dos Saud.

- Em outubro 2019, o governo de coalizão do Iraque passou a enfrentar uma série de protestos que pediam o “fim do regime” e da influência iraniana, além da melhoria da qualidade de vida. Qassem Soleimani chegou a encontrar o primeiro-ministro e oferecer apoio contra a revolta popular e estava desde então em ponte aérea com o país para controlar a situação.

- Em 27 de dezembro, uma base militar de aliados dos EUA foi atacada com trinta mísseis. Um americano foi morto.

- Em 29 de de dezembro, um ataque aéreo dos Estados Unidos matou dezenas de manifestantes pró-iranianos na fronteira com a Síria.

- No dia 31, manifestantes ligados ao grupo Hash al Shaabi invadiram a embaixada dos Estados Unidos em Bagdá. Eles deixaram o prédio no dia 1º de janeiro, mas àquela altura Trump já havia acusado o Irã de ter orquestrado a invasão, afirmando que o país pagaria um “alto preço”.

- Dois dias depois, 3 de janeiro, um ataque aéreo no aeroporto de Bagdá matou o general Qassam Soleimani, das Forças Quds da Guarda Revolucionária do Irã, e Abu Mehdi Al Muhandis, número dois da força Hash al Shaabi.

 

 

Perfis

Qassem Suleimani: líder da Força Al Quds, unidade especial da poderosa Guarda Revolucinária com atuação no exterior. Nos últimos anos, está na Síria, no Líbano, no Iraque e no Iêmen, onde Suleimani fazia as vezes de comandante militar e articulador político. De origem pobre, o general era considerado um herói nacional no Irã por sua atuação na Guerra Irã-Iraque e era próximo do líder supremo o aiatolá Khamenei. Morto em ataque aéreo dos EUA em Bagdá na terça-feira, 3.

Abu Mehdi Al Muhandis: Conhecido como “Al Muhandis”, termo árabe para engenheiro, Abu Mehdi era chefe da força paramilitar iraquiana Hash al Shaabi, proeminente desde a derrota do Estado Islâmico. Tem dupla nacionalidade iraniana e iraquiana e lutou contra Saddam Hussein. Forte opositor dos Estados Unidos. Morto em ataque aéreo dos EUA em Bagdá na terça-feira, 3.

Donald Trump: presidente dos Estados Unidos, desde o governo Obama é forte crítico do acordo nuclear com o Irã e tem imposto mais sanções ao país persa. Em 2011, chegou a dizer que Obama deveria começar uma guerra contra a nação. Após a morte de Qassem Suleimani e a promessa de retaliação, afirmou que o Irã “nunca ganha uma guerra”.

Raio-X do Irã

Nome oficial: República Islâmica do Irã

Capital: Teerã

Língua oficial: farsi

Religião oficial: Islamismo

Principal vertente do Islã: xiismo

População: 87 milhões

Moeda: Rial iraniano

PIB: US$ 1,2 trilhões

Fronteira: Turcomenistão, Afeganistão, Paquistão, Iraque, Turquia, Azerbaijão e Armênia

Acesso ao mar: Golfo Pérsico e Golfo do Omã, importantes rotas de exportação de petróleo

(Fonte: FMI)

Militares na ativa (2017): 523 mil

Orçamento das Forças Armadas (2017): US$ 16 bilhões

Divisão das forças:

- Exército: 350 mil

- Marinha: 18 mil

- Força Aérea: 30 mil

- Guarda Revolucionária: 125 mil

(Fonte: Forbes)

Principais oponentes regionais: Arábia Saudita (sunita) e Israel; Turquia

Principal oponente: Estados Unidos