Trump e Kim Jong-un: o que está em jogo no aperto de mãos que mexe com o mundo
O encontro histórico entre os líderes norte-americano e norte-coreano pode suavizar tensões nesta região da Ásia. A desnuclearização da Coreia do Norte, negociada pelos Estados Unidos, torna a área mais estável e menos propensa a conflitos
13:09 | Jun. 06, 2018
Um dos principais pontos da discussão é o programa nuclear e balístico da Coreia do Norte. Desde 2006, o país já realizou seis testes nucleares, que se tornaram cada vez mais avançados com o passar do tempo. O quinto e o sexto já tinham potencial explosivo estimado da ordem de duas a três vezes mais do que as bombas que os Estados Unidos usaram contra Hiroshima e Nagasaki nos últimos dias da 2ª Guerra Mundial. Em 2017, a Coreia do Norte testou sua arma nuclear mais poderosa e lançou três mísseis balísticos intercontinentais que seriam, supostamente, capazes de alcançar o continente americano.
[FOTO4]O governo norte-americano tem sido incisivo em relação à negociação com o país: não existe acordo sem desnuclearização. “Temos sanções, elas são muito poderosas e não vamos retirá-las, a menos que a Coreia do Norte seja desnuclearizada”, anunciou a porta-voz dos Estados Unidos, Sarah Sanders, na ocasião do anúncio da data e local da reunião entre os líderes.
As sanções, inclusive, são grande parte do motivo de Kim querer entrar em uma negociação agora, após tanto tempo de atrito. Com a economia norte-coreana afetada pelos entraves impostos pelos Estados Unidos e pelo Conselho de Segurança da ONU, um acordo com Trump e a desnuclearização do país seria melhor que a perda do poder no regime ditatorial. Com a jogada, a Coreia do Norte perderia poderio militar, mas ganharia politicamente.
Para o presidente do instituto Casa Política, Márcio Coimbra, a mudança de comportamento e a abertura para um acordo também se dá devido à imprevisibilidade de Trump. “Trump elevou a temperatura da discussão, quando a Coreia do Norte falava grosso, Trump falava mais grosso ainda”, compara. O medo de uma possível invasão também pode ter sido motivo para o regime norte-coreano “colocar as barbas de molho”, segundo ele.
[FOTO5]
O que muda caso a reunião seja bem sucedida
A desnuclearização da Coreia do Norte deve evitar conflitos, e mesmo guerras. A região entre as Coreias e proximidades é tensa, com outros países como China e Japão tendo envolvimento nesse tabuleiro. A retirada de armas químicas deixa a área mais estável. “Pode ser o início de um processo que torna a região mais segura”, considera o também especialista em direito internacional pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
A transição, no entanto, deve ser lenta. Márcio estima que a desnuclearização deve demorar entre três e cinco anos, para que seja possível completar um cuidadoso processo de maturação. Durante esse tempo, os Estados Unidos já se declararam dispostos a fornecer garantias de segurança ao regime de Pyongyang, que sempre considerou o seu arsenal nuclear uma espécie de seguro de vida.
A Coreia do Norte já afirmou querer "avançar para uma desnuclearização da península coreana", rejeitando um desarmamento unilateral. A mudança aumenta a probabilidade de, enfim, haver paz na região, dividida desde a Segunda Guerra Mundial. A reunião entre os dois líderes não resolve todos os problemas de imediato, mas é um começo para um processo longo de pacificar a área.
[FOTO2]Um acordo entre Trump e Kim também pode diminuir a presença militar dos EUA entre as Coreias e no Japão. Márcio Coimbra aponta que isso diminui tensões entre os dois países e é benéfico para a China, que tem influência na região e observa as negociações de perto, planejando ações a longo prazo. O comércio na Coreia do Norte também deve melhorar, recuperando a economia abatida do país. “Todos ganham com isso”, diz o especialista.
A desnuclearização é possível?
Márcio Coimbra acredita que sim. “O mínimo que a Coreia pode entregar é a desnuclearização”, afirma. A mudança é benéfica para o país e permite que o regime norte-coreano possa manter o controle, então, Kim deve ceder. Esse é o objetivo principal da reunião segundo Márcio, que rejeita que o encontro seja uma jogada de marketing para ambos países. “Os dois podem lucrar, mas um fracasso teria efeito contrário. Eu vejo disposição de tentar chegar a um acordo”, esclarece.
A conversa entre os dois países é inédita, pelo menos se levando em consideração líderes em exercício. Durante toda a Guerra Fria e mesmo depois dela, nunca um dos presidentes dos EUA se encontrou pessoalmente com um mandatário norte-coreano. Em 1994, delegações de funcionários dos dois governos firmaram um acordo nuclear entre Washington e Pyongyang, a capital norte-coreana.
[FOTO3]Outra tentativa de aproximação também ocorreu em 2000, quando a então secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, viajou para Pyongyang e chegou a tratar de um encontro entre Clinton e o ex-líder norte-coreano Kim Jong Il, pai de Kim Jong-un. O acordo, no entanto, não se firmou antes da eleição de George W. Bush. A negociação fracassou depois que agências de inteligência dos EUA descobriram que a Coreia do Norte estava buscando por outras formas de produzir bombas, usando o enriquecimento de urânio.
Os resultados das tentativas de reuniões anteriores nunca foram profundos, já que não havia encontros de alta cúpula. A situação deve mudar no dia 12 de junho. “A grande chance de chegar a algum lugar é agora”, crê Márcio.