Negativismo do HIV agrava a epidemia de aids na Rússia

14:58 | Nov. 30, 2017

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Alguns russos estão convencidos de que a aids é um mito criado pelos gigantes da indústria farmacêutica para vender mais medicamentos, uma teoria que preocupa as autoridades confrontadas com uma epidemia de consequências dramáticas.

Mais de 900 mil russos são soropositivos e a cada hora se registram dez novas infecções, segundo cifras oficiais. Durante os seis primeiros meses do ano, uma média de 80 pessoas morreram diariamente por causas relacionadas à aids, contra 50 diárias em 2016.

Menos da metade dos doentes se submetem a um tratamento com anti-retrovirais. Nos últimos meses, foram registrados casos de pacientes falecidos por falta de cuidados, inclusive o de uma menina de 10 anos em um hospital de São Petersburgo (noroeste), cujos pais, muito religiosos, se negavam a que fosse tratada.

"É inaceitável que nos nossos dias morram crianças (de aids) quando há tratamentos disponíveis", afirma, indignado, Alexei Yakovlev, médico-chefe do hospital Botkin de São Petersburgo.

Alguns pacientes não recebem tratamento por falta de medicamentos, mas outros porque negam a existência do HIV, explicam, preocupados vários funcionários e militantes da luta contra a aids.

O deputado russo pró-Kremlin Alexander Petrov pediu recentemente às associações que "se dirijam a quem não acredita que (o HIV) existe".

Sob pressão da Onuaids, a rede social russa Odnoklassniki suprimiu um grupo que negava a existência do HIV. Mas o mesmo voltou a se formar em outra plataforma.

"São como ratos, fogem para outra parte e continuam propagando suas ideias", denuncia Vinay Saldanha, diretor da Onuaids para o leste europeu e a Ásia central. "É inaceitável que se tolerem fóruns e grupos de discussão (que negam a existência do HIV) em alguns sites na internet".

Na internet, a AFP encontrou vários grupos negacionistas com milhares de seguidores, por exemplo na Vkontakte, rede social mais popular que o Facebook na Rússia.

"O HIV é um dos maiores mitos do século XX", afirma um destes grupos que explica como negar um tratamento anti-retroviral e qualifica os remédios de veneno e os médicos de assassinos encarregados de enriquecer as empresas farmacêuticas.

Estes grupos negacionistas costumam citar as declarações de Olga Kovej, médica de Volgogrado (sul), para quem "um dos objetivos do mito do HIV é reduzir em 2 bilhões a população mundial". Além disso, afirma que os Estados Unidos usam a Rússia como "colônia" para testar suas vacinas contra o HIV.

Os encarregados das associações atribuem em parte a propagação destas teorias à retórica antiocidental das autoridades.

"A televisão não para de dizer que a Rússia está cercada de inimigos, que temos que lutar contra todos", afirma Elena Doljenko, da Fundação SPID.Tsentr de Moscou.

Este tipo de discurso ajuda, segundo ela, a legitimar a ideia de uma conspiração ocidental contra a Rússia, com o HIV como arma.
Mas para Ekaterina Zinger, no comando da Fundação Svecha de São Petersburgo, o negativismo do HIV se deve, sobretudo, à "falta de consulta médica".

"As pessoas não recebem informação suficiente e começam a pensar que lhes escondem algo", acrescenta.

Estas teorias, diz, encontram eco sobretudo entre os heterossexuais, convencidos de que a aids ataca em particular os homossexuais e os dependentes químicos. "Não entendem o que acontece com eles".

Na Rússia, país defensor dos "valores tradicionais", as recentes campanhas de sensibilização se concentram na fidelidade no lugar da proteção.

"Estas campanhas não ajudam, agravam a situação e a negação da existência do HIV talvez se deva a elas", denuncia Doljenko.

Ele dá um exemplo: "imagine uma jovem ortodoxa que vai à igreja todos os domingos, se casa e descobre que é soropositiva"; como o HIV é considerado coisa de "gays americanos", "pensará que nada tem a ver com ela".

AFP