Há dez anos, Marcos Pontes se tornou o primeiro e até hoje único brasileiro a cruzar os limites da atmosfera e ver a Terra do espaço. Em entrevista à DW, ele relembra a viagem e avalia o programa espacial do Brasil.
A bordo da nave russa Soyuz TMA-8, que partiu do Cazaquistão e carregava 200 toneladas de combustível a uma velocidade de 28 mil km/h, o primeiro e único astronauta brasileiro, Marcos Pontes, levou apenas nove minutos para entrar em órbita há exatamente dez anos, em 30 de março de 2006. Até o momento da acoplagem na Estação Espacial Internacional (EEI), tudo podia acontecer.
Sem grandes imprevistos iniciais, Pontes permaneceu dez dias no espaço para cumprir a Missão Centenário, referência ao voo inaugural do 14-bis de Alberto Santos Dumont, realizado em 1906. Dormia pouco, trabalhava de olho no cronômetro. Natural de Bauru, no interior de São Paulo, ele ajudou a fazer a manutenção da EEI e viu a Terra do alto como "uma criatura viva". Tirou 2.200 fotos, que pretende publicar ainda este ano.
Autor de quatro livros, o ex-piloto de testes da Força Aérea Brasileira (FAB) agora tenta retribuir a oportunidade única e histórica divulgando a ciência. Em entrevista à DW Brasil, ele contou do sonho de deixar a atmosfera uma segunda vez.
DW Brasil: O que você fez nos últimos dez anos?
Marcos Pontes: Fui para a reserva da Força Aérea, e isso ampliou minha possibilidade de atuação em outras áreas. Fui convidado pela ONU para ser embaixador de desenvolvimento industrial. Também trabalho como embaixador da First Foundation, que é para promoção de ciência e tecnologia em escolas. Também criei uma fundação. Usamos ciência e tecnologia para promover a educação. Escrevi quatro livros e montei uma empresa de turismo de aventura porque tenho vontade de levar outras pessoas ao espaço. Sou palestrante e coach.
Então você sonha com uma segunda viagem, que seria com mais gente, com turistas?
Eu sonho e espero que ela se realize. Posso voltar ao espaço através de outras agências ou de iniciativas privadas. É um mercado amplo, e tenho vários convites. Devo voltar ao espaço nos próximos anos e espero ajudar a levar mais pessoas. Sei que esse é o sonho de muita gente.
Como você virou astronauta?
Fiz um concurso público. Foi nos mesmos moldes que a Nasa. Meu irmão viu o edital e mandou para mim quando eu estava fazendo meu doutorado nos Estados Unidos.
Do que você se lembra daqueles dias que antecederam a partida?
Como eu estava em quarentena, nos últimos 15 dias antes do voo, lá no Cazaquistão, eu estava muito focado. As coisas que fazíamos eram ligadas a testes de sistema, verificação da espaçonave, exames médicos, provas de acoplamento. Era aquela expectativa natural do voo. Esses dias foram muito marcantes, também porque fazia cinco meses que eu não via minha família. Eles foram para lá no dia anterior à decolagem. Tive a chance de falar com eles durante meia hora. Aquele foi um momento muito marcante, a despedida. E depois os detalhes da missão, lembro de praticamente tudo.
E a viagem, como foi?
Começa naquele momento em que você está na escada. Você entra num elevador bem apertado. Tira a bota que usamos para caminhar e entra na cápsula. A passagem é estreira. Como aquele macacão é desconfortável, quando você chega dentro da nave, você está suado, e tudo que você quer é se conectar a um cabo. Tem um cabo de comunicação, um de oxigênio e um de ventilação. Quando você conecta, principalmente o de ventilação, dá um alívio. Aí você consegue raciocinar. Toda aquela parte de fora fica para trás. Tem que se concentrar no painel. Depois de todo mundo amarrado, vem o acionamento de todos os sistemas, contagem regressiva, vibração. O foguete vibra muito, o coração acelera bastante. Você está a caminho dos nove minutos mais rápidos da sua vida.
Teve algum momento em que bateu medo?
O medo é a causa de 99% das falhas ou dos insucessos na vida das pessoas. Medo é natural em todo ser humano. A questão é se você tem coragem ou não de fazer o que você precisa fazer. O medo vai aparecer. No momento da decolagem, você sabe que está com 200 toneladas de combustível queimando nas suas costas, e uma explosão certamente leva todo mundo junto. O acoplamento entre as espaçonaves é a 28 mil km/h, você não pode errar. Durante o período na Estação Espacial, tivemos um alarme de incêndio. Conseguimos contornar a situação, e para isso serve o treinamento, para você controlar a emoção e fazer o necessário.
Qual a impressão da Terra lá de cima?
É algo maravilhoso. Captura sua atenção, embora eu tivesse um monte de coisa para fazer porque o tempo é contado, minuto a minuto. Mas sempre que você passa por uma janela, você para um ou dois minutos para olhar. Durante o meu tempo de dormir, seis ou sete horas, era o tempo que eu ficava olhando. Tirava fotos. Tirei 2.200 fotos. A Terra é obviamente viva, com aquela superfície fina. A impressão que você tem é que é uma criatuva viva. É difícil de explicar.
O que era a Missão Centenário? Ela foi cumprida?
Tudo que foi previsto em termos operacionais, nós conseguimos cumprir. Pode me chamar de mecânico de espaçonave. Minha função a bordo era manter os sistemas funcionando e, naquele caso, preparar a estação para a próxima expedição. Todas as tarefas que recebi foram cumpridas. O que digo que foi além é que teve uma repercussão em vários setores, tanto de relações internacionais quanto na divulgação científica do país, e isso tem desdobramentos muito interessantes com relação à educação. No nosso caso, a missão ajudou a motivar jovens não sei o número a seguir carreira na ciência e tecnologia. Para mim é uma coisa que não tem preço.
O Programa Espacial Brasileiro carrega um peso antigo: fruto de uma iniciativa militar, ele se desenvolveu de forma limitada. Uma nova missão com um brasileiro ajudaria o programa a se expandir?
Neste momento, não. O Programa Espacial Brasileiro tem tantos problemas básicos, estruturais. Lógico que uma missão tem uma repercussão em termos de divulgação que vai causar apoio público, que vai causar interesse dos políticos, que por sua vez vai causar um orçamento maior, forçar leis melhores. Mas é só uma parte da solução. Precisamos solucionar uma série de outros problemas. O Brasil é um dos países que mais cedo começou as atividades espaciais, lá no início da década de 60, com esforços da Força Aérea. Eles geraram o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, formação de profissionais. Teve um grande crescimento numa certa fase. E, em 1995, quando o programa se tornou civil, com a criação da Agência Espacial, surgiu uma divisão na estrutura que atrapalha. Ou ele ficaria só militar ou só civil. Deveria existir uma divisão na Força Aérea para tratar do programa espacial, como é nos Estados Unidos.
Seria uma integração entre civil e militar?
Na verdade os dois estão juntos, mas não funcionam bem. Acho que o programa civil deveria ser só civil, funcionando dentro da premissa de uso pacífico do espaço. E a Força Aérea? Poderia ser criada uma divisão para tratar de assuntos espaciais. Seria bom para separarmos as coisas.
Autor: Maurício Cancilieri