Patrulhas Maria da Penha garantem proteção a mulheres agredidas
Em alguns estados, vítimas de violência doméstica recebem visitas periódicas de agentes de segurança, que fiscalizam o cumprimento de medidas de proteção. Pioneiro, Rio Grande do Sul reduziu em 30% o número de mortes.
Desde a separação do ex-marido, no fim de 2013, T. Vieira (nome alterado pela redação) recebe ameaças. Com a filha de um ano no colo, a empresária de 26 anos perambulou por seis meses entre a casa de familiares e de amigos para escapar de uma possível agressão. "Por mensagens de voz, ele dizia que iria me matar, matar a minha família e qualquer pessoa que se aproximasse de mim. Eu tive que deixar a casa onde moro em São Paulo."
T. Vieira decidiu procurar a polícia em agosto deste ano. Com a denúncia, a Justiça determinou uma medida de proteção, proibindo o ex-marido de se aproximar e fazer qualquer tipo de contato. Ela voltou para casa e começou a receber visitas diárias de guardas civis municipais.
"Com o acompanhamento dos guardas, ele parou de me procurar. Eles vêm até aqui para saber se está tudo bem e fazem um relatório. Agora posso retomar minha rotina", diz a empresária.
Além de Vieira, outras 60 mulheres vítimas de violência doméstica recebem visitas periódicas da Guarda Civil Metropolitana. O projeto Guardiã Maria da Penha foi implantado na região central da capital paulista em junho.
"As medidas protetivas que vão sendo expedidas pelo poder judiciário são enviadas por e-mail à guarda municipal. Eles saem em ronda até a casa das vítimas e, se necessário, acompanham o agressor", explica a promotora de Justiça Silvia Chakian, do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo.
A iniciativa é inspirada no modelo das patrulhas Maria da Penha, implantadas de forma pioneira no Rio Grande do Sul, em 2012. Nesta terça-feira (25/11), em que se celebra o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra Mulheres, os criadores do projeto comemoram a redução de 32,4% dos casos de femicídio, o assassinato de mulheres motivado pelo gênero. Na comparação com o período de janeiro a setembro de 2013, neste ano também houve uma queda de 14,9% dos casos de estupro e de 3,1% das ocorrências de lesão corporal.
"Verificamos que a violência contra a mulher se concentra nas zonas onde há mais pobreza e onde os serviços do Estado não chegam de forma plena", diz Raquel Gomes, chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.
Em dois anos, cerca de 6 mil mulheres foram atendidas em 18 municípios gaúchos. As patrulhas, que começaram em Porto Alegre, contabilizam mais de 11 mil visitas. O projeto foi premiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e tem inspirado iniciativas semelhantes no Espírito Santo, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. Desde março, mais de 2,5 mil mulheres foram atendidas em Curitiba. Londrina deve adotar o projeto em 2015.
"Antes da criação das patrulhas, não havia diálogo entre as polícias, o judiciário e o governo", conta Gomes. "Partimos das seguintes perguntas: quem garante o cumprimento da medida? Que proteção o Estado dá à vítima, caso ela precise de apoio? Se a mulher está sob uma medida protetiva é porque ela está em situação de vulnerabilidade."
Rede de proteção
As patrulhas Maria da Penha envolvem a ação integrada entre a polícia, o judiciário, estados e prefeituras. No Rio Grande do Sul, o trabalho é feito pela Brigada Militar, que verifica se a mulher atendida precisa ser colocada numa casa-abrigo, receber atendimento psicossocial e de saúde ou, ainda, de apoio para os filhos. Nenhuma mulher acompanhada pelo projeto no estado foi vítima de femicídio.
Em São Paulo, os guardas municipais fazem uma escala de periodicidade das visitas de acordo com o maior ou menor grau de periculosidade do agressor e de vulnerabilidade da mulher. Chakian conta que, em três casos, os agressores descumpriram a determinação e voltaram a frequentar a casa da vítima.
"Quando isso acontece, a guarda civil envia um relatório para a promotoria, que pede a prisão preventiva do agressor. Em todos os casos acompanhados pelo projeto, não houve reincidência", diz a promotora.
Para Rosangela Rigo, secretária adjunta de Enfrentamento à Violência da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), as patrulhas são "fundamentais" por promoverem uma articulação entre todos os órgãos envolvidos na proteção às mulheres. "Essa iniciativa confere uma nova responsabilidade para a segurança pública", observa.
A pasta dá apoio aos projetos, mas não há, em âmbito nacional, políticas de segurança pública para o enfrentamento da violência contra a mulher. "Isso sempre foi tratado como uma política acessória ou foi mesmo ignorada", critica Gomes.
Lei Maria da Penha
Segundo a promotora Silvia Chakian, apesar dos avanços obtidos nos oito anos de vigência da Lei Maria da Penha, os índices de violência contra a mulher ainda são muito negativos.
"A lei deu muito certo. O que precisamos agora é de políticas públicas efetivas de redução dessa violência, que permitam tirar do papel o que já está garantido na lei", afirma.
Para Chakian, nos estados onde não existem as patrulhas cabe às vítimas fiscalizar a própria medida de proteção. "Em São Paulo, a mulher tinha que acionar o poder público quando havia o descumprimento da medida, o que não é recomendado em casos de violência doméstica. Com o projeto, atuamos na prevenção."
O governo federal e o judiciário não têm dados nacionais consolidados sobre a quantidade de medidas de proteção a mulher em cumprimento no país.
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