"Países do Brics têm que passar por uma mudança de DNA", diz analista
11:30 | Jul. 11, 2014
Principal desafio é relançar as estratégias de crescimento, dando uma ênfase menor ao capitalismo de Estado e mais espaço ao setor privado, opina o especialista Marcos Troyjo.
O conceito Brics grupo hoje formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul foi cunhado pelo economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O'Neill, em 2001, e denominou um grupo de países que registrava grande crescimento econômico, inicialmente sem a África do Sul.
Em 2003, os Brics chegaram a responder por 9% do PIB mundial e, em 2009, esse valor aumentou para 14%. Atualmente, todos os países, com exceção da China, não apresentam mais o crescimento robusto de antigamente. Para Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia, nos EUA, e professor do Ibmec, no Rio de Janeiro, todos os membros têm que passar por reformas importantes, "uma verdadeira mudança de DNA".
Para o especialista, o principal desafio é relançar as estratégias de crescimento, com menor ênfase no capitalismo de Estado e mais espaço para o setor privado. E isso é um grande dilema para o Brasil, já que a presença do Estado na economia é muito grande.
"O grande empregador da economia brasileira é o Estado, em seus vários níveis administrativos", afirma Troyjo. "O Brasil precisa urgentemente mudar seu padrão de crescimento."
O que podemos esperar da reunião de cúpula dos Brics a ser realizada em 14 e 15 de julho no Brasil?
Creio que o principal resultado de Fortaleza será o avanço do processo de construção institucional do Brics. Isso se dará, sobretudo, com a formalização do "Novo Banco de Desenvolvimento" e com a consolidação do "Arranjo de Reservas de Contingência", constituído para o enfrentamento de eventuais crises de liquidez.
Alguns analistas consideram que isso não é muito. Mas, no entanto, ao compararmos o Brics com, por exemplo, o antigo G7 (que se autointitulava "grupo que reúne as nações mais industrializadas"), percebemos que essa agremiação de economias emergentes do Brics já vai alcançar alguns marcos de institucionalização. O G7, em contraste, jamais passou de um encontro regular de chefes de governo voltado à discussão, sem maiores ações efetivas, de questões econômicas internacionais.
Quais são os principais desafios para o grupo dos Brics em 2014 e 2015?
Acho que todos eles têm de passar por reformas importantes, uma verdadeira "mudança de DNA". O principal desafio é relançar as estratégias de crescimento, dando uma ênfase menor ao capitalismo de Estado e mais espaço ao setor privado. No âmbito do Brics, o empreendedorismo está relacionado ao tipo de estratégia econômica que cada um desses países vem adotando nos últimos anos.
Qual seriam os principais desafios para o Brasil?
O empreendedorismo brasileiro está muito marcado pela presença maciça do Estado na economia. O Brasil tem uma "substituição de importações 2.0", e é uma das economias mais fechadas do mundo. Isso é um importante dilema para o Brasil. O grande empregador da economia é o governo em seus vários níveis administrativos. Combatemos o mal presente do desemprego com a hipertrofia dos quadros estatais, com a carga tributária desproporcional às contrapartidas de serviços básicos. E com juros ainda muito altos. O Brasil precisa urgentemente mudar seu padrão de crescimento.
Em relação ao ambiente de negócios, quais são as diferenças mais relevantes entre os principais países do Brics Brasil, Rússia, Índia e China?
Os Brics poderiam liderar o mundo com iniciativas de empreendedorismo mediante a criação de ambientes amigáveis aos negócios, com regras do jogo e marcos regulatórios bem estabelecidos e transparentes. Se analisarmos os quatro países, veremos que a situação é paradoxal. A China é o mais fechado politicamente. Índia e Brasil são democracias, mas apresentam estruturas burocráticas asfixiantes, com classes políticas pouco funcionais. A Rússia parece intimidar o empreendedorismo em razão das dificuldades na relação com autoridades governamentais que mudam seus humores na escolha de favoritos e perseguidos com muita rapidez.
Os países formadores do Brics chegaram a responder por 18% do PIB mundial em 2010. Atualmente, parece que a magia inicial dos investidores está se desfazendo, já que alguns membros não crescem a taxas tão altas. O Brics é uma página virada?
Nenhum dos Brics ostenta expansão do PIB tão estonteante como na década passada. Dos quatro iniciais, apenas a China envereda-se mais celeremente rumo a reformas. Teme-se, no entanto, que mudanças vislumbradas por Xi Jinping tropecem na informalidade do setor financeiro, no estoque de dívidas ruins e no conservadorismo da elite privilegiada pelo boom dos últimos 20 anos. Índia e Brasil parecem paralisados à espera das eleições majoritárias neste ano para a definição de caminhos estratégicos. E a Rússia ainda contabiliza perdas e ganhos da aventura na Crimeia e no imprevisível desfecho da crise ucraniana.
Qual era o principal objetivo do grupo ao ser lançado pelos governantes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e atualmente? Há a intenção, hoje, de tentar fazer com que os EUA não sejam mais hegemônicos na ordem Mundial?
A intenção inicial foi sem dúvida fortalecer os pilares de uma ordem global multipolar. A ideia do Brics como pólo alternativo de poder nas relações internacionais tem obtido surpreendente atenção. Hoje os cinco países mantêm grupos de trabalho em áreas como cooperação espacial, combate ao terrorismo, saúde pública. E, claro, além de um fundo de 100 bilhões de dólares à disposição de qualquer membro do grupo no advento de crises de liquidez, há toda a dinâmica para a criação do Novo Banco de Desenvolvimento.
Num momento em que a política externa dos EUA encontra-se em pronunciada retração, os Brics, com maior coordenação em órgãos multilaterais e formação de instrumentos políticos próprios, despontam como acidental referência para o mundo em desenvolvimento. A ordem internacional também tem horror ao vácuo. Ao contrário de seu status como mercados emergentes, os Brics, como pólo de influência, encontram-se em inesperada ascensão.
Quais são as novas estrelas emergentes que estão a se sobressair no mercado internacional? Por que esses países citados pelo senhor se diferenciam dos Brics e de outros países que hoje têm tido um bom crescimento?
Existe, sem dúvida, uma proliferação de siglas relativas às estrelas emergentes. Fala-se agora do Mint (conjunto de México, Indonésia, Nigéria e Turquia). É o novo acrônimo elaborado por Jim O' Neill, primeiro formulador da ideia do Bric. Por que essas siglas surgem? A aposta nos mercados de maior crescimento no futuro às vezes é jogada de marketing. Sofisticados fundos são montados por bancos de investimento quando um grupo de países está prestes a arremeter. E esses fundos ajudam na decolagem percebida e real.
Foi o que aconteceu com o Bric a partir de 2001-2003, quando se organizaram os primeiros produtos financeiros, agregando numa mesma cesta papéis desses países. Tudo isso é legítimo e faz parte do jogo. Se países não têm boa performance, gestores mudam seu foco para outro grupo e assim por diante. O "Bri" (Brasil, Rússia e Índia) de Bric tem decepcionado com crescimento baixo e imobilismo político.
Excetuando-se a China, a média de crescimento recente do Mint é bem superior à do Brics. E o Mint apresenta ainda melhores perspectivas em termos de bônus demográfico. O maior risco para os Brics não vem de um outro acrônimo da moda. O perigo é o descolamento da China como superpotência, pactuando mais com os EUA e a Europa do que seus parceiros emergentes.
O Brasil vai realizar eleições presidenciais neste ano de 2014. Em sua opinião, quais são as medidas que Dilma Rousseff ou o próximo presidente deverá implementar em 2015 para tentar colocar o país no eixo e voltar a ter um bom crescimento econômico e manter o status como Brics?
Os principais desafios no Brasil são os relacionados ao ambiente de negócios, que continua muito cartorial, permeado por despachantes, atravessadores e hiper-regulações absolutamente desnecessárias à geração de prosperidade. O Brasil também precisa internacionalizar-se mais. Estar mais "vertebrado" à economia global. E, nisso, o papel a ser desempenhado pelo Estado é central. O governo é parte da solução e parte do problema.
A opção pelo mercado interno por parte do Brasil tem sido cantada em prosa e verso como a grande responsável pela maneira quase incólume com que o país passou pela crise deflagrada em setembro de 2008. Isso levou alguns a concluírem que é um erro a internacionalização da economia brasileira. Que não importa a pequena ênfase que o Brasil confere à conquista de mercados externos. Ora, nada mais errado. A China também atravessou a crise de cabeça erguida, e ostenta 60% de seu PIB relacionado ao comércio exterior.
Sabemos que dois dos mais importantes vetores desses novos tempos são os mega-acordos comerciais e as redes globais de produção. O Brasil tem de enveredar por esse caminho. As lições da história econômica das últimas décadas ensinam claramente que aqueles países que buscaram a internacionalização tiveram mais êxito do que os atrelados dogmaticamente a seu mercado interno. Cabe ao Brasil aprender essa lição.