Caso Snowden põe em debate liberdade de imprensa nos EUA
Governo Obama adotou postura rígida contra delatores e abriu mais processos por espionagem do que todos os seus antecessores. Às vezes forçados judicialmente a revelar fontes, jornalistas temem ter trabalho cerceado.
No último dia 23 de junho, o jornalista Glenn Greenwald, que revelou o escândalo de espionagem online envolvendo a Agência de Segurança Nacional (NSA), levantou um debate sobre a liberdade da imprensa nos Estados Unidos ao participar do programa Meet the Press um dos mais antigos e importantes talkshows da TV americana.
Questionado pelo apresentador David Gregory se ele, Greenwald, acreditava que deveria responder por algum crime por ajudar a Edward Snowden, o jornalista do Guardian respondeu: "Acho muito estranho que alguém, que se considera jornalista, chegue a ponderar em público se outros jornalistas devem ou não ser acusados de terem cometido crimes graves."
Segundo Greenwald, a ideia de que ele teria cometido quebra de sigilo ou mesmo de ter traído a pátria é totalmente sem fundamento. Um pouco antes de o programa ir ao ar, o deputado republicano Peter King afirmara ao canal Fox News que Greenwald deveria sim responder criminalmente por seu ato.
Proteção de fontes
A indesejada publicação de informações sigilosas por parte de jornalistas têm sido um grande incômodo para as autoridades. Nos EUA, repórteres têm sido forçados judicialmente, em situações específicas, a revelar suas fontes.
Um dos casos mais conhecidos é o da repórter do New York Times Judith Miller. Em 2004 ela foi condenada a 18 meses de prisão por não ter divulgado o nome de sua fonte. Miller chegou a passar 12 semanas na cadeia, até que seu informante a liberou do acordo de confidencialidade.
Penas de detenção para jornalistas, porém, têm sido exceção até agora. Nem na época da publicação dos chamados "papéis do Pentágono", documentos sobre atuação dos EUA na Guerra do Vietnã, nem no caso Watergate, que levou à queda de Richand Nixon, repórteres foram processados.
"Mas já há algum tempo jornalistas podem ser questionados, pressionados ou mesmo forçados a revelar informações sobre temas considerados relevantes para a segurança", conta Frederik Schauer, especialista em direito constitucional da Universidade de Virgínia. "Na maioria das vezes eles não revelam. Algumas vezes, são obrigados".
O governo Obama já soma o dobro de processos de espionagem do que os contabilizados durante o período de todos os seus antecessores, desde 1917, quando a lei de espionagem foi introduzida. Em sua rígida postura contra os delatores, os chamados leakers ou whistleblowers, o governo parece adotar novos métodos nos procedimentos contra jornalistas.
Atualmente, a Justiça americana discute três casos em que o governo quer forçar jornalistas a revelar fontes ou informações, ou mesmo em que as autoridades já tiveram acesso a esses dados por meio de seu serviço secreto. O caso mais conhecido envolve a obtenção de registros telefônicos da agência de notícias Associated Press (AP).
Durante dois meses, o Ministério da Justiça americano grampeou e analisou mais de 20 linhas de telefone e fax de cinco escritórios da agência. Ligações de celulares e de telefones privados de vários repórteres também foram grampeados.
A AP só ficou sabendo da ação em maio passado, um ano após o fim da espionagem. A justificativa para o monitoramento ainda não foi dada oficialmente, mas a AP acredita que sua cobertura sobre um ataque terrorista que acabou não acontecendo tenha motivado a ação.
O segundo caso diz respeito ao repórter do New York Times James Risen, especialista em serviço de inteligência. No fim de julho, um tribunal determinou que Risen iria testemunhar contra um ex-funcionário da agência de inteligência americana (CIA) em um processo de espionagem. A promotoria acusa o ex-agente de ter repassado a Risen informações confidenciais, que ele usara em um livro publicado em 2006. O repórter recusou-se a testemunhar, ainda que fosse preso por isso.
Repórteres conspiradores
O terceiro caso, e provavelmente o mais relevante, envolve o jornalista da Fox News James Rosen. O Ministério da Justiça monitorou não apenas seu telefone e sua conta de email, mas chegou a controlar a movimentação do ex-chefe da sucursal em Washington, baseado em informações obtidas junto ao banco de dados da Secretaria de Estado.
O jornalista chamou a atenção do Ministério Público durante o processo contra o ex-funcionário da Secretaria de Estado Stephen Kim, considerado responsável pelo vazamento de um relatório sigiloso sobre a Coreia do Norte. Informações contidas no relatório apareceram em uma matéria publicada por Rosen.
O caso tornou-se explosivo porque Rosen chegou a ser acusado oficialmente de ajudar o ex-funcionário e considerado cúmplice de conspiração. Isso foi uma novidade até então nenhum jornalista nos EUA tinha sido acusado de espionagem por causa da publicação de informações sigilosas.
"A divulgação sobre o monitoramento do caso Rosen mostra que o presidente Barack Obama entrou em um terreno que até então nenhum outro presidente tinha entrado", avalia o jurista James Goodale, que cobriu o caso dos "papéis do Pentágono" para o New York Times. Para ele, apenas Richard Nixon causara tanto dano para a liberdade de imprensa como Obama.
"Acredito na possibilidade real que, num futuro não muito distante, decisões judiciais vão considerar que jornalistas podem ser acusados de espionagem apenas por terem obtido e divulgado informações sigilosas", afirma Jane Kirtley, professora de direito e ética na mídia da Universidade de Minnesota.
Até então, ressalta Kirtley, não havia base para este tipo de interpretação no direito dos EUA, pois jornalistas não assinam acordo de confidencialidade e nos Estados Unidos não existe lei de sigilo diferentemente do Reino Unido.
"Mas agora já há algumas vozes do governo e do Congresso defendendo que a publicação de informações sigilosas, seja na internet ou em outros veículos, é o mesmo que passar a informação para terroristas ou inimigos. Isso é inacreditável", critica a professora.
Este, aliás, foi exatamente o argumento usado no processo militar contra o soldado Bradley Manning e aceito pela juíza responsável pelo caso. Provavelmente o processo representou um prévia do que será o julgamento daquele que vem sendo considerado a "mãe" de todos os processos de violação de sigilo, que deverá levar à condenação, provavelmente à revelia, o criador do WikiLeaks, Julian Assange.