Cameron propõe plebiscito sobre permanência na UE e irrita europeus
18:07 | Jan. 23, 2013
Em discurso muito aguardado, primeiro-ministro britânico exige reforma abrangente da União Europeia e anuncia referendo sobre a permanência de seu país no bloco. As reações foram imediatas.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, partiu para o ataque. No seu aguardado discurso sobre a relação do Reino Unido com a União Europeia (UE), ele disse nesta quarta-feira (23/01), em Londres, que não se via como um "isolacionista britânico" e declarou que não pretende subir a "ponte levadiça" que une a ilha britânica ao continente europeu.
Em vez disso, ele se apresentou como um pioneiro na luta por uma União Europeia melhor, e não somente para seu país, mas para todos. Segundo Cameron, a UE é muito rígida, pouco competitiva, muito reguladora e se afastou dos cidadãos.
As recentes medidas de integração, adotadas para salvar o euro, farão a União Europeia se modificar "até não poder mais ser reconhecida". Essa não é a UE que Cameron almeja. Ele aposta, sobretudo, no mercado interno. E pretende retirar algumas responsabilidades políticas de Bruxelas, até mesmo com mudanças nos tratados da UE, se necessário. Cada país-membro deve determinar o nível de integração europeia que deseja.
E somente depois desse processo de discussão e negociação e se o Partido Conservador ganhar as próximas eleições, o primeiro-ministro pretende pedir aos britânicos que votem em referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia.
"Uma opção entre sair ou ser parte de um novo acordo, no qual o Reino Unido define e respeita as regras do mercado interno, mas está protegido por meio de garantias justas e livre da regulação espúria que prejudica a competitividade na Europa", afirmou Cameron, acescentando que ele próprio prefere ver seu país dentro da União Europeia, mas dentro de uma União Europeia reformada.
Reações diversas de Bruxelas
Apesar de Cameron ter criticado principalmente a Comissão Europeia, chamando-a de esbanjadora, reguladora e arrogante, como de costume, a Comissão reagiu com cautela aos ataques.
Segundo a porta-voz Pia Ahrenkilde, a Comissão sauda o discurso como "uma contribuição importante ao debate democrático no Reino Unido e na Europa". Além disso, ela louvou o fato de Cameron querer manter seu país na UE. "É de grande interesse da Europa e do Reino Unido que a Grã-Bretanha continue sendo um membro ativo no seio da União Europeia."
O Parlamento Europeu, que Cameron disse não ter a legitimidade democrática dos parlamentos nacionais, não foi tão contido na sua reação. "Precisamos do Reino Unido como um membro pleno e não escondido no porto de Dover", tuitou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schultz. Antes do discurso, Schultz já havia declarado que "não existe uma possibilidade real de renegociar os tratados da UE porque isso não é sensato e não existe maioria para tal."
Os líderes da bancada dos partidos conservadores alemães União Democrata Cristã e União Social Cristã (CDU/CSU, na sigla em alemão) no Parlamento Europeu, Herbert Reul e Markus Ferber, escreveram em resposta comum: "Cameron exige, na verdade, um mercado comum ao gosto do freguês, mas ao mesmo tempo diz que a Europa precisa ser mais competitiva. Isso não combina."
Guy Verhofstadt, deputado liberal no Parlamento Europeu, disse que Cameron está "brincando com fogo" e pretende chantagear seus parceiros europeus. Verhofstadt afirmou estar "fora de cogitação que um único país-membro fique isento das políticas acordadas".
O eurodeputado Hannes Swoboda, líder dos social-democratas, já havia declarado na semana passada: "Eu não quero sair, eu quero estar dentro, mas somente sob condições e mudanças aqui e ali trata-se de uma política que destrói a força da UE."
Em contrapartida, Martin Callanan, líder da bancada conservadora britânica no Parlamento Europeu, afirmou que seu país "tem muitos aliados na Europa, que querem que a UE se torne uma organização mais competitiva e mais flexível e que respeite a diversidade no continente".
Merkel mostra compreensão, França critica
Reações bem diversas vieram dos dois países que acabaram de celebrar 50 anos de parceria especial: Alemanha e França. A chanceler federal alemã, Angela Merkel, pareceu concordar ao menos em parte com Cameron ao declarar, em Berlim, que "Europa também significa sempre ter que encontrar um meio-termo justo. Nesse contexto, estamos dispostos, naturalmente, a falar também sobre os anseios britânicos". Mas deve-se levar em consideração também os desejos dos outros países, acrescentou.
O ministro alemão do Exterior, Guido Westerwelle, alertou contra uma política que quer ficar só com as vantagens da união, afirmando que "isso não funciona".
O ministro francês do Exterior, Laurent Fabius, reagiu de forma semelhante, afirmando não ser possível uma "Europa à la carte". A Europa é como uma equipe de futebol, disse o ministro. "Entra-se nesse clube, e uma vez membro, não é mais possível dizer 'agora eu vou jogar rugby.'" Já o presidente François Hollande disse que o Reino Unido pode até realizar um plebiscito, mas que a UE não será alterada para isso. "A Europa não é negociável."
A primeira-ministra irlandesa, Enda Kenny, uma aliada próxima de Cameron e cujo país detém atualmente a presidência rotativa da UE, advertiu na semana passada em Bruxelas que "uma saída britânica da UE seria uma catástrofe".
Como trechos importantes dos discursos já haviam sido divulgados há dias, muitos políticos já haviam reagido anteriormente. Assim, em seu discurso, Cameron pôde responder a críticas, principalmente à acusação de que a UE seria destruída caso cada país pudesse escolher o que mais lhe conviesse na cooperação europeia.
Cameron disse que o contrário poderia acontecer. "Longe de separar a UE, isso irá unir ainda mais os seus membros, pois uma cooperação flexível e voluntária é uma cola muito mais forte do que a compulsão vinda do centro."
Gênio fora lâmpada
Mesmo que Cameron espere que um referendo venha a manter seu país na União Europeia, porque até lá a UE terá se movimentado na direção por ele desejada, muitos já pensam nas consequências de uma possível saída britânica do bloco europeu.
Swoboda afirma que a UE não seria muito enfraquecida, ao contrário dos cidadãos britânicos, cujos interesses também são representados no Parlamento Europeu. "Eles seriam privados de padrões sociais mínimos e de algumas liberdades civis ou do direito de apelar à Corte Europeia de Justiça", afirmou o político europeu.
O eurodeputado Nigel Farage gostou do discurso. "Este debate não vai terminar. E espero que muitos outros países sigam nosso exemplo e recuperem seus direitos democráticos e de liberdade", declarou o líder da bancada do Partido da Independência do Reino Unido, grupo eurocético representado no Parlamento Europeu.
Farage vai além. Ao contrário de Cameron, ele quer de todas as maneiras levar o Reino Unido para fora da UE. E muitos observadores acreditam que Cameron caiu numa armadilha: para diminuir o poder de ação de eurocéticos das próprias fileiras e de pessoas como Farage, ele deixou que o gênio saísse da lâmpada. Agora, não conseguirá mais recolocá-lo para dentro.
Autor: Christoph Hasselbach, de Bruxelas (ca)
Revisão: Alexandre Schossler