A 500 dias da Copa de 2014, como estão os preparativos?
15:24 | Jan. 28, 2013
A DW Brasil fez um balanço da organização do Mundial de 2014, passando por aeroportos, mobilidade urbana, estádios, hospedagem e segurança. Nem tudo é motivo de preocupação, mas muitas obras não ficarão prontas.
Em 2 de março de 2012, o secretário-geral da Fifa, Jèrôme Valcke, havia demonstrado sua insatisfação com a organização da Copa do Mundo pelo Brasil e, de maneira pouca ortodoxa, tentou motivar o país: "Vocês precisam ser pressionados, levar um chute no traseiro e fazer a Copa do Mundo". Na época da declaração, faltavam 831 dias para o início do Mundial.
Quase um ano depois, alcançada a marca de 500 dias para o evento nesta segunda-feira (28/01), dois fatos mostram que, palavras infelizes à parte, Valcke tinha razão em reclamar.
O primeiro é que o Brasil vê atraso em obras essenciais para a realização do evento ou, até mesmo, a retirada de parte delas da Matriz de Responsabilidades da Copa documento que lista as medidas necessárias para o Mundial. Entre as principais ações retiradas estão obras de mobilidade urbana que antes eram consideradas um legado de infraestrutura para o país. Outro fato é que obras de reforma e construção de aeroportos ficarão prontas em cima da hora.
Em entrevista à imprensa internacional, o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, limitou-se a dizer que "20% das obras para a Copa do Mundo estão prontas e cerca de 60% estão em andamento". A declaração deveria destacar o bom andamento das obras, mas soa como uma confissão de que nem tudo vai bem. Sobre os demais 20%, o ministro não falou nada.
De acordo com o site Portal 2014, o Brasil concluiu apenas 12 projetos ligados à competição e ainda precisa executar 83 obras, sendo que 14 ainda nem começaram e 69 estão em andamento.
"Os preparativos estão sendo realizados conforme a cultura gerencial brasileira. O brasileiro trabalha sob pressão e o processo decisório é muito lento", frisou o especialista em estratégia empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Antônio Flávio Testa.
Ele prevê a falta de vagas e preços abusivos das diárias na rede hoteleira, além do funcionamento precário do transporte público nas 12 cidades-sede do Mundial. E concluiu: "A qualidade dos serviços estará aquém da qualidade do futebol".
Aeroportos
As obras de construção e reforma nos aeroportos das 12 cidades-sede deverão ficar prontas um pouco antes do início da Copa do Mundo preocupação já manifestada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na metade do ano passado.
"Há dinheiro, mas falta agilidade do governo na aplicação dos recursos para a construção e reforma dos aeroportos. Há, ainda, muita burocracia", afirmou o especialista em transportes aéreos Elton Fernandes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para garantir a construção e reforma de aeroportos a tempo do Mundial, o governo federal concedeu para a iniciativa privada os terminais de Guarulhos e Viracopos, no estado de São Paulo, e o aeroporto de Brasília.
Nesse modelo de concessão, que varia de 20 a 30 anos, investidores privados têm 51% de participação e o governo, por meio da Infraero, 49%. Os próximos a serem licitados, ainda em 2013, serão os terminais de Confins, em Belo Horizonte, e do Galeão, no Rio de Janeiro.
Fernandes afirma que o principal problema durante a Copa será o acesso aos aeroportos, já que nenhum dos terminais aeroportuários das 12 cidades-sede tem ligação ao centro da cidade com transporte sobre trilhos, tais como trens e metrôs. "Todos dependem de táxis, vans e carros. Não há transporte coletivo de qualidade como, por exemplo, na Europa."
Mobilidade urbana
A movimentação de estrangeiros e brasileiros pelas cidades-sede deverá ser bem complicada. Em janeiro de 2010, quando anunciaram a Matriz de Responsabilidades da Copa, os governos federal, estaduais e municipais pretendiam realizar 50 obras de mobilidade urbana orçadas em quase 11,5 bilhões de reais.
Entre elas estavam a construção de monotrilhos, metrôs de superfície e corredores exclusivos de ônibus nas cidades-sede projetos ligando, por exemplo, os centros das cidades-sede até os aeroportos.
Mas, até a última revisão do documento, ocorrida em dezembro de 2012, algumas obras foram descartadas para a Copa e outra parte será concluída somente depois de julho de 2014. Cidades como São Paulo, Brasília e Manaus já informaram que não vão conseguir finalizar até junho de 2014 as grandes obras de mobilidade previstas.
Em entrevista à DW Brasil no final do ano passado, o jornalista esportivo Juca Kfouri afirmou que as obras de melhoria e modernização do transporte público, que também tinham o objetivo de se tornar legado da Copa para o Brasil, estão sendo "dribladas". "Para minimizar os problemas de trânsito, nos dias de jogos será decretado feriado", comentou.
Estádios
As obras dos estádios de Natal (43%), Manaus (47%) e Cuiabá (50%) são motivo de preocupação e precisam andar mais rápido para que fiquem prontas até o início da Copa do Mundo. "São obras públicas, portanto dependem do envolvimento dos governos federal, estadual e municipal para fiquem prontas à tempo", disse José Roberto Bernasconi, presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia do Estado de São Paulo (Sinaenco/SP).
Entre os demais estádios programados para receber os jogos da Copa do Mundo, as arenas de Porto Alegre (52%), Curitiba (55%) e São Paulo (58%) estão dentro do prazo e são tocadas pela iniciativa privada.
As outras seis arenas vão ser testadas já na Copa das Confederações, em junho deste ano. Dois estádios já foram inaugurados: o Mineirão, em Belo Horizonte, e o Castelão, em Fortaleza. Já os estádios de Brasília (85%) e Salvador (80%) devem ficar prontos em abril. O estádio do Recife é o "lanterninha" na preparação para a Copa das Confederações, com 70% das obras realizadas.
O Maracanã, com 85% das reformas prontas, merece um acompanhamento mais cuidadoso. O prazo para a conclusão das obras foi ampliado e o estádio deve ficar pronto até o final de maio a menos de 20 dias do início da Copa das Confederações.
A estimativa total de gastos nos 12 estádios aumentou e está hoje em cerca de 7,1 bilhões de reais, segundo o site de notícias UOL. Um aumento de 163% em relação ao valor divulgado em 2007, quando o Brasil ganhou o direito de sediar a Copa do Mundo.
Hospedagem
Entre as 12 cidades-sede, as capacidades das redes hoteleiras do Rio de Janeiro e do Recife são as que mais preocupam. "O problema não é para a Copa, é para ontem. O Rio de Janeiro carece de leitos e já não atende nem a demanda interna", afirmou o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), Enrico Fermi Torquato Fontes.
A organização do Mundial calcula que 600 mil visitantes estrangeiros e cerca de 2,1 milhões de brasileiros deverão circular pelo Brasil durante a Copa do Mundo de 2014. Cerca de 3,2 bilhões de euros necessitam ser investidos na rede hoteleira no Brasil, mas não em consequência da Copa do Mundo.
"Ninguém vai construir um hotel para 40 dias de evento. Hotel é um investimento de 20, 30 anos e o grande atrativo no Brasil são os 50 milhões de brasileiros que vão emergir na base de consumo", prosseguiu Fontes, antes de assegurar que o Brasil tem quantidade suficiente de leitos para o período do Mundial.
Os valores das diárias prometem gerar discussões. Os preços anunciados no site da Fifa variam de 300 a 2.000 reais. "Vai ser mais barato se hospedar em Natal e pegar um vôo fretado até o Rio de Janeiro do que ficar hospedado na capital fluminense", ironizou Fontes.
Segurança
A exemplo dos eventos Eco 92 e Rio+20, realizados na cidade do Rio de Janeiro, as 12 cidades-sede da Copa do Mundo deverão receber reforços do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que vão se somar aos contingentes das polícias militares e federal para garantir a segurança do evento. A verba destinada para o setor é de cerca de 1,8 bilhão de reais.
"Não creio que a segurança será um ponto preocupante do evento", afirmou Testa, que também é professor de segurança pública da Universidade de Brasília (UnB).
Ele afirmou ser até muito provável a realização de acordos entre o governo e os chefes do crime organizado para diminuir a criminalidade. "Pelo fato de as taxas de criminalidade terem sido baixas [na Eco-92 e na Rio+20], essa negociação deve ter ocorrido. E é muito provável que seja realizada mais uma vez", afirmou.
Testa diz que deverão ocorrer crimes "banais" durante o evento, tais como assaltos a turistas, mas o país não deverá sofrer com ações terroristas nem sequestro de autoridades e jogadores. "O Brasil não tem essa tradição", concluiu.
O tema também não é motivo de preocupação para Rebelo, que preferiu fazer comparações em vez de mencionar o conteúdo do planejamento. "De qualquer forma o Brasil tem um planejamento para a segurança pública e tem anualmente grandes eventos onde testamos a segurança, como o carnaval do Rio de Janeiro, de Salvador e de Recife e a Rio+20."
Fifa e governo brasileiro
Em carta aberta no site da Fifa, Valcke publicou no dia 22 de dezembro de 2012 o seu balanço sobre a organização brasileira da Copa do Mundo. Ele comemorou uma "maior integração com o governo brasileiro" e destacou que o "Brasil assumiu o caráter de um grande empreendimento coletivo".
Valcke esteve neste domingo no jogo inaugural do Castelão, em Fortaleza, e nesta segunda-feira participaria, em Brasília, das celebrações dos 500 dias para a Copa do Mundo. Mas o evento foi cancelado por causa da tragédia com mais de 230 mortos em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
O Brasil sabe desde o dia 30 de outubro de 2007 que sediará a Copa do Mundo de 2014. Mais de cinco anos depois, apenas dois estádios foram entregues, a bola e a mascote do mundial têm nome (Brazuca e Fuleco) e o cartaz oficial vai ser apresentado esta semana. Mesmo diante desse retrospecto minguado, Rebelo segue confiante. "Será a melhor Copa do Mundo de todos os tempos", afirmou.
Autores: Fernando Caulyt / Philip Verminnen
Revisão: Alexandre Schossler