O POVO visita casa de repouso em Fortaleza e verifica mais de 50 pacientes psiquiátricos em situação degradante
São três cuidadores para atender 50 pacientes psiquiátricos com esquizofrenia e Alzheimer, sem as medicações de uso contínuo. Há falta de alimentação e condições mínimas
A Casa de Repouso Psiquiátrico São Gabriel, localizada na rua Comendador Luis Ribeiro, no bairro Carlito Pamplona, em Fortaleza, foi alvo de uma operação policial que resultou na prisão da proprietária, Francisca Maria Barros, de 58 anos de idade. O estabelecimento ficou sob a responsabilidade do motorista da casa, que é filho de Francisca. Depois de sete dias da operação e da interdição, a casa segue sem condições de funcionamento e um paciente psiquátrico morreu. As pessoas estão sem alimentação e remédios. "Se era ruim, agora está 10 vezes pior", relata uma das voluntárias.
A voluntária descreve que durante a operação os cartões usados pelos pacientes foram apreendidos. Conforme a profissional, os pacientes utilizavam esses cartões para para sacar a mensalidade da casa de repouso. Com isso não houve condições financeiras de comprar alimentação, água, pagar as contas do estabelecimento. Os pagamentos dos profissionais de saúde que trabalhavam na casa também foram cortados por falta de dinheiro.
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"Me colocaram a frente sem eu entender nada. Eu não entendo de nada, de medicação. Eu estou em uma situação que não sei o que fazer. Estou pedindo ajuda, não tenho condição. Não sei tomar a frente disso. Depois da interdição as pessoas não quiseram vir mais trabalhar, os técnicos e enfermeiras. Eu trabalhava levando o pessoal para o médico, para o posto, para Caps, alguma emergência", afirma o motorista que ficou responsável pela casa.
A equipe de reportagem do O POVO entrou no espaço na tarde desta segunda-feira, 24, depois que um paciente psiquiátrico morreu. Foram verificados mais de 50 pacientes psiquiátricos, entre pessoas com esquizofrenia e Alzheimer, adultos e idosos. Todos estão sem medicação, sem atendimento médico, sob condição desumana. O odor de urina toma conta do espaço, alguns se perguntam sobre o que vão comer.

Três cuidadores para 50 pacientes psiquiátricos
Uma cuidadora afirma que está trabalhando sem receber e que ficou no local, pois quando a proprietária foi presa pediu que os profissionais não abandonassem os pacientes. "Nosso sustento vinha da casa. A gente está trabalhando por pura caridade, pois receber a gente não está recebendo. Estamos acumulando contas e estamos sem descanso, pois aqui é muito trabalho. A gente tem que dar banho, manter o espaço higienizado, fazer almoço, dar merenda, tem pacientes psiquiátricos que precisam de vários banhos todos os dias, limpar as cadeiras, pessoas que precisam de fraldas", ressalta.
A voluntária questiona como vão manter a eletricidade, a água e oferecer os direitos básicos das pessoas, pois falta comida. "Como vamos manter energia, água para beber, água para tomar banho, não tem órgão nenhum ajudando a gente. É por nossa conta e risco. Não tô vendo proteção de idosos. Aqui não era o ambiente perigoso? mas as pessoas continuam aqui e continuam na nossa responsabilidade. Tem dias tem a gente chega em casa e não tem o que comer, pois estamos colocando nossa alimentação para eles. Estamos na Justiça para provar que as coisas não condizem com a verdade e estamos lutando por eles. Pois não tem quem lute por eles", afirma.
Mãe afirma que não tem com quem deixar o filho
Uma das mães que concedeu entrevista ao O POVO relata que o filho tem 29 anos de idade e é atendido no estabelecimento há cinco anos. "Toda vida eu venho e está tudo limpinho. A Polícia veio aqui e eles ficaram muito agitados. Não tenho como manter meu filho em casa, preciso fazer faxina para me manter. Achei um absurdo terem levado o medicamento dos pacientes", afirma.
De acordo com uma das voluntárias, faltou planejamento na operação para que as pessoas fossem realocadas imediatamente.

"Se antes era ruim pode ter certeza que está pior"
"São três pessoas para dar comida, banhar. Se antes era ruim pode ter certeza que está pior. Não tem condição de dar alimentação, cuidado humanizado, a gente está sobrecarregado. O intuito disso era dar proteção aos idosos, dar dignidade a eles, mas não se preocuparam sobre onde vão morar. Estão jogados. Estamos dando da nossa comida e deixando faltar na nossa casa para não faltar aqui. No dia que vieram prender a Francisca era um milheiro de gente e não vem ninguém deixar uma cesta básica, um remédio. Até as pessoas que ligavam para as famílias não vieram mais", descreve.
Promotor afirma que Justiça deu prazo de 30 dias para realocação de pacientes
Segundo o promotor de Justiça, Alexandre Alcântara, a situação da casa de repouso era crônica e o local não tinha condições de funcionamento e que a operação não agravou a situação. O MPCE entrou em contato com a Prefeitura de Fortaleza para manter o tratamento de saúde dos pacientes destinando profissionais ao lugar.
Conforme o promotor, há uma decisão judicial que deu um prazo de 30 dias para que os órgãos municipais e estaduais providenciassem a realocação das pessoas para outras casas ou que voltem para suas famílias.
O POVO solicitou informações à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social e ao Ministério Público (MPCE) sobre a morte de um paciente registrada nesta segunda-feira, 24, e sobre a realocação das pessoas após a operação. Os órgãos informaram que uma coletiva de imprensa acontecerá nesta terça-feira, 25.
"Uma coletiva de imprensa para detalhar a atuação do MPCE e de outros órgãos municipais e estaduais diante da interdição da Casa de Repouso São Gabriel, localizada no bairro Carlito Pamplona, na Capital. A instituição foi interditada após serem constatadas irregularidades e condições inadequadas no acolhimento de mais de 60 pessoas idosas ou com deficiência", informou o órgão.
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