Passeio Público é também a Praça dos Mártires; você sabe por quê?
Entenda a origem do local em Fortaleza, no Ceará, e sua relação com os insurgentes na Confederação do Equador
06:00 | Fev. 24, 2025

Fixada no chão desde 1910, a anfitriã do Passeio Público de Fortaleza é uma figura centenária que recepciona silenciosamente os visitantes da praça mais antiga da Capital cearense. Seu apelido, “árvore da vida”, se torna um contraste a outra denominação conhecida do local: Praça dos Mártires.
O baobá, que completa 115 anos em 2025, não foi testemunha do evento histórico responsável por inspirar um dos nomes da praça. Na verdade, quando os revolucionários da Confederação do Equador compareceram ao local pela última vez, a árvore sequer havia sido plantada.
O fato é que, ao longo dos anos, o espaço recebeu diversas alcunhas pela cidade alencarina: Campo da Pólvora, Largo da Fortaleza, Largo do Paiol, Largo do Hospital de Caridade e Praça da Misericórdia. Mas é uma de suas últimas iterações - Praça dos Mártires - que ainda tem história para contar.
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Passeio Público: origem da Praça dos Mártires
Cinco homens foram os responsáveis por influenciar o futuro nome da praça: Azevedo ‘Bolão’, Feliciano ‘Carapinima’, Francisco ‘Ibiapina’, Padre Mororó e Pessoa ‘Anta’. O grupo, parte da Confederação do Equador, foi fuzilado no local em 1825.
“Além da Praça dos Mártires, as memórias dos confederados são hoje lembradas por meio do nome de ruas e avenidas. Como a rua Azevedo Bolão (Parquelândia) ou avenida Carapinima (Benfica), dentre outros”, explica o historiador Weber Porfirio, membro do Grupo Sociedade de Estudos do Brasil Oitocentista (Sebo-UFC) e pesquisador do movimento político.
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Sobre a ocasião, um relato de 1925 por Viriato Corrêa, compartilhado pelo Instituto do Ceará, descreve a condenação do padre Mororó pela justiça militar 100 anos antes, em 1825.
“Instalando-se o tribunal a 22 de abril, três dias depois condenava à forca o coronel João Andrade Pessoa (Pessoa Anta) e o Padre Mororó”, indica. A execução foi marcada, então, para o dia 30 do mês, mas ninguém queria ser o carrasco, o que motivou a alteração da sentença para fuzilamento.
Corrêa apresenta ainda aos leitores os últimos momentos de Mororó, ao ser posicionado na “coluna da morte”:
“Na praça em que se vai dar a execução, a multidão é tanta que a custo as tropas conseguem abrir passagem. Mororó é colocado na coluna da morte.
“Um soldado traz a venda para lhe pôr nos olhos.
“— Não, responde ele, eu quero ver como isso é.
“Vem outro soldado para colocar-lhe sobre o coração a pequena roda de papel vermelho que vai servir de alvo. Ele detém a mão do soldado:
“— Não é necessário. Eu farei o alvo.
“E cruzando as duas mãos sobre o peito, grita arrogantemente para as praças:
“— Camaradas, o alvo é este!
“E num tom de riso, como se aquilo fosse uma brincadeira:
“— E vejam lá! Tiro certeiro, que não me deixe sofrer muito!
“Houve na multidão um instante cruel de ansiedade. Tinha sido ordenada a pontaria. Todo o vago rumor do povo cessou completamente.
“— Fogo!
“A descarga estrondou”.
Passeio Público: nome homenageia mártires da Confederação do Equador
Em 11 de janeiro de 1879, a Câmara Municipal de Fortaleza alterou o nome do local para Praça dos Mártires, em homenagem aos revolucionários do movimento político no Ceará.
Apesar de ser oficialmente Praça dos Mártires, o Mapa Cultural do Ceará indica que o espaço “é conhecido pelos fortalezenses como Passeio Público”.
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“Embora seja denominada com este nome aproximadamente desde 1879, não acho que essa definição tenha sido tão popularizada assim, muito pelo contrário. É comumente conhecido como Passeio Público”, reafirma Porfirio sobre a temática.
“Nos últimos anos é que talvez tenham sido mais notabilizados os mártires da Confederação do Equador, devido às placas colocadas na praça com dados dos personagens históricos ali fuzilados em 1825”, completa.
Para o historiador, “refletir sobre a Praça dos Mártires é ponderar questões inerentes ao processo de desenvolvimento urbano, social, cultural e político” de Fortaleza.
O profissional destaca que “o mesmo espaço que já foi utilizado para execução, morte e tristeza, passou posteriormente, no final do século XIX, a ser espaço de lazer e festas”.
“A luta por autonomia e liberdade política, somado ao desejo de instalação de um governo confederativo (ou federativo) para o Brasil no pós-independência deve ser ponto de discussões quando pensamos na história de formação do estado nacional brasileiro”, considera.
“E a Praça dos Mártires, situada em Fortaleza, é um desses lugares que nos ajuda a fomentar este debate”, finaliza Weber Porfirio.
Passeio Público: o que foi a Confederação do Equador?
Um dos motivos que levaram à Confederação do Equador são contextualizados aos brasileiros do século XIX em manifesto desenvolvido por Manoel de Carvalho Paes de Andrade, presidente da província de Pernambuco, em 2 de julho de 1824.
No conteúdo, o autor critica a decisão do imperador Dom Pedro I, em 1823, de fechar a Assembleia Constituinte, responsável por redigir a primeira Constituição no Brasil independente.
“Antes que se verificassem nossos votos e desejos, fomos surpreendidos com a extemporânea aclamação do imperador”, indica Carvalho sobre o evento, que ficou conhecido como Noite da Agonia.
O soberano não aceitava as proposições para um sistema de governo monárquico representativo, o que reduziria o seu poder. Como resposta, outorgou em março de 1824 uma Constituição que manteria a sua concentração de autoridade.
“Os pernambucanos, já acostumados a vencer os vândalos, não temem suas bravatas”, alertou o presidente da província.
O que aconteceu na Confederação do Equador?
Para Johny Santana, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a historiografia brasileira tem mostrado ao longo dos anos que diferentes condicionantes sempre determinaram as dificuldades na construção do Estado Imperial Brasileiro.
“Certamente as mais significativas se relacionam à política de centralização inerente ao Estado Português, da qual o imperador Pedro I havia herdado”, considera.
A dinâmica proposta pelo monarca não poderia ser aceita pelas províncias, que buscavam autonomia em relação ao poder central e tinham uma ideia clara dos conceitos indicados pelo federalismo, forma de governo em que os estados partilhavam a autoridade.