Parque Bom Jardim é o único cemitério público de Fortaleza com vagas disponíveis

Parque Bom Jardim é o único cemitério público de Fortaleza com vagas disponíveis

Local tem 59 mil jazigos e recebe 375 mortos por mês; outras quatro unidades sepultam apenas pessoas que já tenham familiares ali enterrados, devido à lotação

Quatro dos cinco cemitérios públicos de Fortaleza estão com capacidade máxima de atuação neste início de janeiro, segundo dados da Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger). Sem vagas para novos mortos, as unidades têm recebido apenas cadáveres de pessoas que já tenham jazigos ali reservados, limitando o acesso aos que já têm familiares enterrados no local.

O POVO visitou os cemitérios Parque Bom Jardim (Siqueira), São José (Parangaba), Santo Antônio (Antônio Bezerra), São Vicente de Paula (Mucuripe), bem como o do bairro Messejana. Dentre esses, apenas o primeiro informou ainda ter vagas para mortos que não tenham lugar reservado.

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Essa lotação não é de hoje. Funcionários dos equipamentos visitados indicam que alguns dos locais, como o São José, trabalham nesses moldes há pelo menos três décadas. De acordo com a Seger, isso ocorre porque os cemitérios não são originalmente públicos, mas sim passaram a ter administração pública ao longo dos anos.

Fundados há cerca de um século, os equipamentos inicialmente eram geridos pela iniciativa privada. Logo que foram inaugurados, esses proprietários venderam jazigos para algumas famílias, que até hoje mantêm essa posse, mesmo após os empreendimentos serem repassados ao município.

Desse modo, não existe nenhuma taxa ou qualquer pagamento das famílias à Prefeitura para a manutenção desses jazigos. O que ocorre é que, de cinco em cinco anos, as documentações que comprovam a permissão para usá-los devem ser apresentadas na Secretaria Regional dos bairros de cada cemitérios, a fim de manter o cadastro atualizado.

Os quatro cemitérios que já se encontram lotados possuem capacidade bastante inferior se comparados ao Parque Bom Jardim. Juntos, eles somam cerca de oito mil jazigos, o que representa menos de 15% das sepulturas presentes na unidade do bairro Siqueira.

Número de jazigos nos cemitérios públicos de Fortaleza

Em contrapartida, essa alta quantidade de túmulos no Parque Bom Jardim tem sido cada vez mais demandada, já que conforme funcionários das quatro unidades lotadas, todos os mortos sem jazigos e indigentes que chegam aos equipamentos, são remanejados para o maior cemitério da cidade.

A supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE), Mariana Lobo, explica que essa alocação é comum nas cidades com grande população como Fortaleza. Entretanto, a defensora ressalta que independente do número de solicitações, o município é obrigado a atender toda a demanda da população em vulnerabilidade social que busca esse serviço.

“É princípio da dignidade da pessoa humana e está previsto no Código Civil o direito ao sepultamento digno. Óbvio que existem questões administrativas de locais desse sepultamento, mas o município tem que providenciar um local para esse sepultamento de maneira digna”, pontua Lobo.

Esse foi um cenário visto por exemplo durante o ápice da pandemia do novo coronavírus, onde os mortos por Covid-19 eram todos enviados para o Parque Bom Jardim. Segundo a administração do cemitério, a unidade que hoje realiza em média 13 diários, chegou a sepultar 46 pessoas em um período de 24 horas nos meses de maior incidência de mortes por casos da doença. 

A fim de controlar a lotação no Parque e garantir a disponibilidade de vagas para novos mortos, a Prefeitura informou que realizada exumação dos corpos ali enterrados a cada cinco anos, tendo a última ocorrido em agosto de 2024. Nas outras quatro unidades a remoção dos cadávers ocorre mediante solicitação da família, após no mínimo cinco anos de sepultamento.

Todos os corpos não reclamados são enterrados no Bom Jardim

Único com vagas para população geral, o Parque Bom Jardim também é o destino final dos corpos não reclamados, popularmente chamados de “indigentes”. Todo mês o cemitério sepulta um grupo de cadáveres em parceria com a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), órgão responsável pela identificação desses indivíduos.

Até chegarem ao Parque, os corpos passam por etapas de identificação, a fim de encontrar o nome da pessoa morta, bem como seus familiares. O procedimento inicial é uma papiloscopia, técnica que colhe as impressões digitais dos cadáveres.

Após a coleta, a Pefoce busca se essas impressões digitais já foram utilizadas em documentos emitidos pelo órgão, como a carteira de identidade. Caso não seja possível nominar a pessoa nesta etapa, o corpo é submetido a um odontograma e à coleta de material genético.

O resultado dos exames fica guardado até que uma família apareça na Pefoce procurando reconhecer um corpo. Caso estes tenham exames dentários do parente falecido, a perícia compara com o resultado do cadáver embalsamado.

Além da arcada dentária, também é possível fazer o reconhecimento a partir da comparação entre o material genético da pessoa que procura um familiar morto com o DNA do corpo não reclamado. Deste modo, é seguro afirmar se há parentesco ou não.

A espera pelo reconhecimento de familiares dura entre dois e três meses, tempo que o corpo fica armazenado na Pefoce. Após esse período, o cadáver é encaminhado junto a outros mortos para uma inumação social (enterro coletivo) no Parque Bom Jardim.

Cada corpo é colocado em uma sepultura e identificado com numeração específica. Esses códigos são passados à Pefoce, que os mantém guardados para o caso de alguma família aparecer para reclamação póstuma.

“A gente nunca inuma em um espaço de tempo curto. A gente procura dar o máximo de tempo que a gente consegue, para dar tempo de que alguém possa vir reclamar esse corpo, famílias com parentes desaparecidos venham e consigam reconhecer o corpo”, explica a coordenadora de Medicina Legal da Pefoce, Ana Leopoldina.

Quem passou por uma espera até maior do que essa foi Andressa Menezes, 49, que perdeu o filho, Felipe Menezes, 22, em 2022. No dia 4 de agosto daquele ano, ela foi informada pela companheira do jovem de que ele teria saído de casa, no município de Pacajus, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e não retornado mais.

A família iniciou buscas pela região, consultou hospitais em Pacajus e na Capital, mas não obteve sucesso na procura. Durante um ano, os parentes de Felipe viveram a angústia de visitar a Coordenadoria de Medicina Legal (antigo IML) a cada notícia de corpo encontrado, para identificar se era o de Felipe.

A peleja só foi encerrada em outubro do ano seguinte, quando Andressa foi informada pela DPCE de que a ossada de seu filho estava enterrada no Parque Bom Jardim. Ao recordar o caso, a mãe lembra da dor que sentiu ao confirmar que Felipe estava morto, mas ao mesmo tempo ressalta o alívio de finalmente poder dar um sepultamento digno ao jovem.

"Foi doloroso porque eu como mãe, no fundo no fundo, ainda tinha esperanças de achar ele. Mas acalmei meu coração, porque eu dizia 'meu Deus será que eu nunca vou encontrar meu filho?'. Sou muito devota de Nossa Senhora e sempre pedia 'Nossa Senhora, devolve meu filho do jeito que for'. De qualquer maneira, eu fui atendida", comenta a agricultora.

Dados do Perícia indicam 15 inumações sociais ao longo do ano de 2024, onde 150 mortos foram sepultados. Entre estes, 59 cadáveres foram identificados, enquanto outros 91 permaneceram sem nominação.

Atualmente, 45 corpos aguardam reclamação e estão sob responsabilidade da Pefoce. As famílias com parentes mortos ou desaparecidos que desejarem reconhecer um cadáver devem se dirigir ao setor de acolhimento familiar do órgão, localizado na avenida Presidente Castelo Branco, 901, bairro Moura Brasil, em Fortaleza.

Cemitérios prestam serviço essencial para população

Mais do que um lugar para enterrar um corpo, os cemitérios públicos representam um acalento às famílias durante a perda de entes queridos. Com vagas gratuitas nas unidades, a burocracia e os grandes gastos para dar dignidade aos momentos finais da pessoa amada se tornam uma preocupação a menos para os enlutados.

Esse foi o caso de Natália Sousa, 35, que possui sete parentes sepultados no Parque Bom Jardim. A doméstica possui plano funerário que dá direito ao enterro no maior cemitério público da cidade e conta que se não fosse o equipamento, teria que desembolsar pelo menos mil reais além do que já paga, para poder dar uma despedida digna aos familiares.

“A funerária dá direito tanto ao transporte para o corpo, quanto ao ônibus para os parentes irem ao enterro. [...] A gente teria que pagar uma taxa a mais [se não fosse o Parque Bom Jardim] para dar direito a um cemitério a mais. Seria acima do valor que minha mãe paga no plano funerário. Um pouco acima de mil reais”, conta Natália, que aponta a necessidade de pagar também a manutenção do túmulo nos cemitérios particulares.

Para quem não dispõe de plano funerário, o município oferta o “auxílio funeral”, benefício de caráter eventual voltado às despesas gerais do enterro. Para solicitar a ajuda de custo, a família deve se dirigir até uma unidade de Assistência Social e comprovar situação de vulnerabilidade.

Os atendimentos são realizados de segunda a sexta, entre 8 e 17 horas, nos 20 Centro de Referência da Assistência Social (Cras) da Capital. Para conferir o endereço de cada unidade, consulte o catálogo de serviços da Prefeitura de Fortaleza.

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