Exclusão, falta de exames e remédios: os desafios de acesso à saúde para pessoas trans em Fortaleza
Posto de saúde Antônio Ciríaco é o único com ações específicas para pessoas trans na Capital
O direito à saúde para pessoas transgênero e travestis em Fortaleza é de difícil acesso para boa parte dessa população. Desde a portaria de um posto de saúde até o atendimento médico, inúmeras violações e desrespeitos à identidade de gênero são relatados. Conseguir encaminhamento para o processo transexualizador também não é garantia de iniciá-lo, já que faltam exames e remédios.
O Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans) é o único serviço do tipo no Ceará, mantido pelo Governo do Estado. Criado em 2017, o equipamento oferece assistência de equipe multiprofissional, com assistentes sociais, endocrinologistas, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras.
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No entanto, apenas um ambulatório não é suficiente para atender todas as demandas. Conforme a responsável pelo Núcleo de Saúde LGBTQIA+ da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza (SMS), Mariana Pinheiro, em 2024 pelo menos 600 pessoas estavam na lista de espera para atendimento no Sertrans desde 2019, por não terem sido chamadas ou por não terem dados atualizados, impossibilitando o contato.
Para desafogar o equipamento, quatro mutirões de atendimento específicos para pessoas trans foram organizados no posto de saúde Dr. Antônio Ciríaco de Holanda Neto, no bairro Parangaba, em 2024.
“Foram quatro momentos com atendimento médico, enfermeiro, dentista, vacinação e prevenção ginecológica para pessoas com útero. A gente conseguiu atender mais de 300 pessoas trans que às vezes nunca tinham sido atendidas em posto de saúde. Foi um movimento pra gente entender e ensaiar como seria esse atendimento de pessoas trans pensando primeiro na atenção primária”, explicou.
A fala foi feita na roda de conversa sobre saúde para pessoas trans e travestis realizada no posto nesta quarta-feira, 29, em alusão ao Dia Nacional da Visibilidade Trans. A iniciativa é da Secretaria Dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), através da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual.
A partir dos mutirões, o posto Antônio Ciríaco passou a atender de forma mais frequente a população trans. Esse é o único dos postos de saúde de Fortaleza com atendimento específico para essa comunidade.
Atendimento ainda tem gargalos
A médica do núcleo de cuidado em saúde trans da unidade, Jayane Ribeiro, também relatou o quanto ainda falta para melhorar o cuidado com mulheres e homens transgêneros e travestis.
“A gente precisa de mais ambulatórios. Não precisa só estruturar mais esse aqui que está caminhando para existir. Precisa de um atendimento transdisciplinar, de psicólogos, no plural, de assistente social, de dentista. Mas a gente sabe que para ter tudo isso a gente tem que ter financiamento”, afirmou a médica.
O atendimento ainda tem gargalos até mesmo no posto com serviços voltados a trans e travestis. Exames que analisam o nível dos hormônios estradiol ou testosterona no sangue, essenciais para o início do processo de hormonização, não estão disponíveis.
“O paciente tem que fazer por conta própria. Vários deles não têm condição de tirar R$ 60 a R$ 100 para fazer um exame desse. A gente precisa no começo repetir a cada três meses. Não tem como comprar testosterona, no caso das pessoas transmasculinas, que aí já pode botar para R$ 300”, explicou Jayane.
As cirurgias afirmativas de gênero, como a mastectomia masculinizadora, prótese mamária para mulheres trans e travestis ou a redesignação sexual, também são de difícil acesso pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“É impressionante que nós estamos em 2025 e nós ainda estamos lutando por acesso à saúde. O que almejamos não são os atendimentos exclusivos, não são prioridades, não são privilégios em saúde. O que nós queremos é que esse serviço seja tão democrático, tão universal, tão público como todo o Sistema Único de Saúde é”, afirmou Silvia Cavalleire, única membro travesti do Conselho Nacional da Saúde (CNS).
O POVO solicitou entrevista com as fontes ligadas à Secretaria Municipal da Saúde (SMS) presentes no evento, mas o pedido foi negado pela pasta.
Equipamentos para população LGBTQIA+ estão sucateados
Cynthia Studart, secretária-executiva da SDHDS também presente no evento, relatou que as políticas voltadas para a população LGBTQIA+ precisam de reformulação. A situação de sucateamento foi constatada pela nova gestão da pasta.
“A gente, na verdade, não encontrou quase nada. Encontrou uma prefeitura e particularmente a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, bastante precarizada, desestruturada”, afirmou.
Equipamentos voltados para essa comunidade, como o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, que deveria prestar assessoria jurídica, não tem advogados. “Espaços físicos abandonados, precarizados, sem pessoal e com ausência de gestão, de planejamento para se efetivar a política pública, para que ela chegue nas pessoas que necessitam”, explicou.
Para o coordenador especial da Diversidade, Narcizo Júnior, o momento de escuta realizado nesta quarta-feira também foi importante para compreender como a população trans e travestis está acessando os equipamentos.